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Representante da principal entidade de palestinos imigrantes, refugiados e seus descendentes que vivem no país, Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), falou à Radis um pouco antes do conflito na região completar um ano de constantes ataques.

De imediato, refutou o termo “guerra” assim como o tempo a que os palestinos estão sendo submetidos a um verdadeiro massacre. “O experimento colonial genocida teve início na Palestina há pelo menos 77 anos”, declarou.

Advogado, filho de pai e mãe palestinos que chegaram ao Brasil em 1960 e 1965 respectivamente, nasceu em Toledo, interior do Paraná. Para ele, o momento atual é extremamente preocupante. “Estamos diante de um projeto que visa o extermínio de um povo; que busca eliminar ao menos algumas centenas de milhares de palestinos imediatamente e impedir sua capacidade reprodutiva e de continuidade com a morte de mulheres e crianças”.

E tudo isso, segundo Ualid, diante de uma cumplicidade criminosa de grande parte da mídia ocidental. “A Fepal afirmou que se tratava de um genocídio em curso, que seria promovido por meio de propaganda de guerra travestida de notícia, implicando os veículos de comunicação empresariais e hegemônicos no primeiro genocídio televisionado da história”.

Em outubro, Israel completa um ano de ataques constantes ao território da Palestina. Como a Fepal enxerga esse conflito? Podemos chamar de guerra?

Enxergamos como um ano de 77 anos desde que o experimento colonial genocida teve início na Palestina. Nem falamos dos 25 anos anteriores, de presença colonial britânica para impor um projeto sionista sobre a Palestina, único de seu tipo, em que o pressuposto é a integral faxina étnica da população originária, a palestina, ou melhor definindo, a não judaica, para instalar em seu lugar uma estrangeira, basicamente europeia, importada e imposta pela força de um exército imperial, para neste território implantar um regime supremacista judaico, belicoso e expansionista contra os demais povos da região.

Ademais, não só não é guerra, como, evidentemente, não é “conflito”. Trata-se de uma guerra colonial, de décadas, que visa ao extermínio da população palestina. Uma guerra que é “necessária” ao sionismo e à sua criatura estatal, “Israel”, desde quando passou a existir (a partir de 14 de maio de 1948, quando se autoproclama estado e se autodenomina “Israel”). Afinal os sionistas, ao menos desde 1897, conceberam que fariam a Palestina uma “terra sem povo”! E como fazer isso? Por meio de uma guerra de estrangeiros contra originários, uma guerra de limpeza étnica.

Como o objetivo de eliminar os palestinos, ao menos em parte, para tornar a Palestina com maioria judaica, geográfica e demograficamente, não foi alcançado no período britânico, como era o plano, o sionismo adota a guerra de extermínio, com os primeiros ataques genocidas em 17 de dezembro de 1947. E dali até 14 de maio de 1948 já eram 250 mil os limpados etnicamente. A eles devemos somar os pelo menos 50 mil expulsos da Palestina durante o quarto de século anterior de presença colonial britânico-sionista. Então já eram 300 mil os palestinos faxinados etnicamente.

Os restantes até 550 mil mortos ou expulsos da Palestina o foram de 15 de maio de 1948 até outubro/novembro de 1951, na chamada “limpeza das fronteiras”. Ao todo, no período denominado de Nakba (1947/51), foram entre 750 mil e 800 mil os palestinos limpados etnicamente, ou 88% dos que habitavam os 78% do território roubado para tornar-se a “Israel” autoproclamada pelos colonizadores estrangeiros judeu-sionistas. É a maior limpeza étnica da história, travestida de consequência de uma mítica “guerra árabe-israelense”, lenda que estudos críticos modernos chegam a ridicularizar.

O senhor costuma questionar a legalidade de Israel como estado membro da ONU. Pode explicar melhor esse ponto de vista?

Falando em ONU, a Resolução 181 (29/11/1947), a que recomendou — e apenas recomendou — a partilha da Palestina, ainda que imoral e ilegal, não determinou transferências populacionais (o que seria o estado “judeu” era habitado por perto de 50% de não judeus, população palestina originária). Assim, a conquista territorial pela força para além dos limites sugeridos pela ONU, bem como a limpeza étnica nesta porção tornada “Israel”, descumpriu a Resolução 181. Logo, Israel é ilegal quanto a esta resolução da ONU.

Depois veio, em 11 de dezembro de 1948, a Resolução 194, que reconheceu a limpeza étnica, logo, genocídio (texto final da Resolução do Genocídio é aprovado no mesmo dia, em Paris), e determinou o retorno dos refugiados, bem como indenização a eles. Nova resolução até hoje não cumprida e, com isso, Israel segue sendo o resultado do primeiro genocídio pós-Segunda Guerra Mundial. Logo, este “estado” nasce de um genocídio e segue fazendo de sua existência a sua manutenção, com os 6,2 milhões de refugiados e seus descendentes impedidos de retornar, de valer-se das Resolução 194, do Direito Internacional.

E para agravar a ilegalidade de Israel como estado-membro da ONU, temos a Resolução 273/III, de 11 de maio de 1949, justamente a que admite na ONU o “estado” feito para ser exclusivamente judeu. Detalhe: ela tem como cláusulas condicionantes as resoluções 181 e 194, isto é, restauração territorial e demográfica da Palestina Histórica, ou, ao menos, aos termos da partilha recomendada. Não restam dúvidas, portanto, de que Israel está ilegalmente na ONU.

Neste contexto, o que representa o 7 de outubro de 2023?

Muito simples: o seguimento do extermínio palestino, perseguido pelos sionistas desde 1897 como plano, a partir de 1923 como prática colonial ao lado dos britânicos e, finalmente, desde dezembro de 1947 como ação direta do sionismo, primeiro como gangues armadas limpando o território, depois, a partir de 14 de maio de 1948, como estado supremacista judaico que busca a integral judaização da Palestina.

O intento sionista é integral limpeza étnica da Palestina. Ou, enquanto isso não é possível, manter uma maioria judaica no território inteiro da Palestina para seguir sustentando seu discurso de “autodeterminação” exclusivamente judaica na “terra de Israel”, isto é, toda a Palestina. Ocorre que, conforme dados confiáveis do Escritório Central de Estatísticas da Palestina, os palestinos (não judeus) já são maioria no território desde 2022 (7,13 milhões contra 7,09 milhões), curva que segue em desfavor do plano sionista, fazendo com que agora os não judeus superem os judeus em 120 mil habitantes. Em projeção para o final desta década, os palestinos serão cerca de 500 mil habitantes a mais.

Isso para não falarmos que a construção demográfica judaica na Palestina depende de uma combinação de fatores essencialmente genocidários e de apartheid, uma das facetas de um genocídio: seguir matando ou expulsando os palestinos e importando estrangeiros professantes do judaísmo. E é neste contexto que podemos compreender o extermínio palestino em Gaza por Israel: a busca de eliminar ao menos algumas centenas de milhares de palestinos imediatamente, impedir sua capacidade reprodutiva com a eliminação industrial de mulheres (ventres) e crianças (que darão continuidade à sociedade), programar as mortes de outras centenas de milhares de palestinos porque feridos sem tratamento, porque doentes sem tratamento ou porque morrerão das condições inabitáveis impostas ao território pela destruição e pelo bloqueio, que impedirá até mesmo mínima reconstrução.

Assim, não há 7 de outubro de 2023 sem 1897, depois sem 1947, e não há plano sionista sem limpeza étnica continuada. Então é um “tudo é sendo”. Não começou “ontem”, mas o “ontem” é necessário para Israel porque outro “ontem” mais pretérito faliu. O genocídio televisionado que vemos é motivado pelo continuado fracasso sionista de tornar a Palestina sem palestinos.

Quais as consequências sofridas pela população civil? Que reflexos podem ser vistos na região?

Há um plano de tornar o que se dá na Palestina uma regra para a região, especialmente para três países que já vivem matanças em escala industrial, promovida pelos EUA e por Israel. O Líbano já teve assassinadas, nas diversas investidas assassinas de Israel sobre este país, de ocupação territorial por mais de 40 anos, até expulsão de suas tropas em 2000, aos diversos ataques altamente destrutivos, sempre com apoio dos EUA e do “Ocidente”, bélico, econômico, político e diplomático, mais de 100 mil pessoas. Isso dá ao menos 3% de sua população. Como se 6 milhões de brasileiros tivessem sido assassinados por Israel e EUA. O Iraque está devastado, em consequência do bloqueio a partir de 1991 e depois da destruição de praticamente toda sua infraestrutura em 2003 pelos ataques dos EUA e seus aliados, que até hoje ocupam ilegalmente o país. As mortes de iraquianos passam de 1 milhão desde 1991, ou perto de 4% de sua demografia, o equivalente a 8 milhões no Brasil. E a Síria foi devastada a partir de 2011/12, com centenas de milhares de mortes e ocupação ilegal de partes importantes de seu território, especialmente onde estão as reservas de gás e petróleo, agora exploradas pelos ocupantes (EUA, especialmente, mas também pela Turquia e outros atores).

Não por mera coincidência, estes são países inseridos na geografia do chamado “grande ‘Israel’”, que toma território do Egito (todo Sinai até a margem oriental do Rio Nilo), Arábia Saudita (sua porção norte, perto de 25% de todo o país), Palestina, Jordânia e Líbano inteiros, Síria e Iraque quase inteiros, e partes menores de Kuwait e Turquia. Os países mergulhados em caos, mortes genocidárias, intervenção e ocupação inseridos nesta geografia já experimentam as consequências do plano expansivo sionista. A Jordânia vive caos econômico e social, provocado, especialmente, pela destruição econômica e social do seu entorno, os países que investiam na economia jordaniana, comercializavam com esta monarquia etc. Turquia e Egito já viraram alvos de desestabilização, em reiteradas ocasiões nos últimos 10 anos, além de outras questões anteriores, como a ocupação do território egípcio do Sinai, devolvido em 1979. Ademais, é preciso recordar que nestes meses Israel vem atacando com virulência a Turquia, bem como o Egito. E, frise-se, ambos os países declararam apoio à petição da África do Sul à Corte Internacional de Justiça, em que o país que derrotou o Apartheid pede a investigação do crime de genocídio na Palestina, pelos atos “israelenses” a partir de 7 de outubro do ano passado.

Outro dado importante a considerar é o fator BRICS na região, razão máxima da ação genocidária dos EUA, por meio de seu cão sionista, Israel. Irã, Egito e Arábia Saudita, além dos de pouca significância geopolítica real Emirados Árabes Unidos, já integram esta organização. Agora a Turquia pede, oficialmente, sua adesão ao bloco. Isso significa, somando estes países, mais de 300 milhões de habitantes, quase 6,5 milhões de quilômetros quadrados de área, que dominam todas as conectividades terrestres e marítimas entre Europa, África e Ásia, bem como com o mundo atlântico, perto de 7 trilhões de dólares de PIB somado, considerando o critério da paridade do poder de compra, e, claro, as maiores reservas de petróleo e gás do mundo. Sem contar que esta união de grandes produtores e consumidores de petróleo e gás leva ao desafio do dólar, que quer manter sua posição dominante, como moeda de reserva e de trocas, sendo a de cotação e comercialização destes combustíveis fósseis, o que os BRICS não querem.

Temos ainda que considerar que estes países BRICS do Oriente Médio têm forças armadas poderosas, qualquer uma delas capaz de derrotar Israel em confronto em que a OTAN não socorra o lado israelense. Até mesmo a indústria bélica sofisticada têm, especialmente Irã e Turquia, mas também em construção no Egito, agora em acordo inovador com o complexo industrial militar turco.

Então é um cenário de muitas consequências, desde as negativas às positivas, estas de reação ao domínio colonial ocidental, que já dura mais de cem anos na região, à consciência de que somente os desenvolvimentos econômico, social e militar dos países da região os tornará verdadeiramente soberanos. Claro que isso exige o fim da presença colonial na Palestina, por meio da qual o “Ocidente” opera a agressão aos países da região, a desestabilização regional permanente e, evidentemente, os genocídios contra os povos destas nações.

A ONU já declarou, por meio de relatório do seu Conselho de Direitos Humanos, que “há sim crime de genocídio” sendo cometido em Gaza. É possível mensurar o número de pessoas atingidas, direta ou indiretamente?

Em documento emitido na forma de nota pública, a Fepal afirmou que se tratava de um genocídio em curso, que seria promovido por meio de propaganda de guerra travestida de notícia, implicando os veículos de comunicação empresariais e hegemônicos no primeiro genocídio televisionado da história. Mas aí houve questionamentos, seja de que não se trataria de genocídio em virtude dos números — onde estão os milhões de mortos, perguntavam alguns —, ou porque “Israel” e os “judeus” não seriam capazes de promover um genocídio. Mais ainda, que Israel estava exercendo seu direito à “autodefesa”. Evidente que rebatemos este último argumento com facilidade, nos servindo apenas do Direito Internacional, no qual a autodefesa está limitada aos povos sob ocupação colonial, como é o caso palestino, jamais extensível à potência colonial ocupante, caso de Israel, que bloqueia Gaza e ocupa o restante do território palestino, impondo confisco de território, regime segregacionista e outros crimes de lesa-humanidade e de guerra já muito bem descritos em relatórios da ONU e das mais importantes ONGs internacionais de direitos humanos.

Quanto ao genocídio em si, os números não deixam dúvidas. Considerando os 10 mil desaparecidos sob os escombros, já são 51.414 palestinos exterminados em Gaza, 2,5% de sua demografia. Isso daria mais de 5 milhões no Brasil e perto de 18 milhões na população atual da geografia europeia atingida pela Segunda Guerra Mundial. Isso em 333 dias em 4 de setembro de 2024, ou seja, em menos de um ano. Em eventuais seis anos, tempo de duração da Segunda Guerra Mundial, seriam quase 110 milhões de europeus exterminados, bem mais que os até 70 milhões dos seis anos nazistas.

Os feridos, quase todos mutilados e/ou gravemente, são 99.554, quase 5% da população de Gaza, algo como 10 milhões no Brasil e 38 milhões na Europa da Segunda Guerra Mundial por sua população atual. E todos eles quase sem nenhum tratamento ou medicamento, já que Israel destruiu 25 hospitais, colocou outros nove fora de serviço, impede a entrada de remédios e outros insumos para a saúde. Os que não tratam de câncer nestes 333 dias são 12 mil. Eram 300 mil os que tratavam de alguma outra doença e que não tratam desde 7 de outubro. Outros 600 mil contraíram doenças em virtude da insalubridade provocada pelas armas e munições e pela fome e sede, bem como, claro, em virtude das milhares de pessoas e animais que apodrecem sob os escombros, feridos e mutilados que apodrecem vivos, desabrigo, esgoto nas ruas.

As crianças assassinadas, considerando as desaparecidas sob escombros, já beiram 22 mil, ou quase 10 mil por milhão de habitantes do enclave. É a maior matança de crianças da história das guerras e genocídios. Na Segunda Guerra Mundial, que durou mais de seis vezes o que dura a atual fase do genocídio palestino, matou 2.813 crianças por milhão de habitantes. Ou seja: Israel assassina 3,4 vezes mais crianças palestinas que no período nazista inteiro. Segundo Save The Children, entre 2019 e 2022, quatro anos, em todas as guerras no mundo, 1,4 foram as crianças assassinadas por milhão de habitantes. E quando completados dois anos da guerra entre Rússia e Ucrânia, haviam sido mortas 2,5 crianças por milhão dos habitantes dos dois países somados.

A matança de mulheres também é inigualável: perto de 12 mil. Destas, mais de mil grávidas. Os abortos involuntários aumentaram 300% no período. É claramente a busca da inviabilização da vida e da sua reprodução em Gaza.

A comunidade internacional tem se empenhado realmente para parar esses crimes?

É errado questionar quanto ao papel de uma mítica “comunidade internacional”. É mais correto falar-se em “Ocidente”, que promove o genocídio e impede que ele seja parado. As armas neste genocídio são dos EUA em 80% e o restante vem de Alemanha, o segundo maior fornecedor bélico de Israel, Inglaterra e França, além de outros em muito menor escala. Os vetos na ONU para impedir a condenação de Israel são dos EUA. Tudo neste genocídio é “ocidental”.

O resto do mundo, de Brasil à África do Sul, de China à Rússia, os países árabes e os de maioria muçulmana, a quase totalidade do restante do mundo dizem não ao genocídio. Entretanto, a maior máquina genocidária da história, os EUA, com seus aliados, dizem sim ao genocídio, o promovem diretamente e ameaçam os países que a ele se opõem. Então devemos separar a humanidade e a comunidade internacional de fato dos no máximo 10% do mundo que se associam a este genocídio. O Brasil, por exemplo, refuta e o designa como genocídio.

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