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Renata Maria Silva Santos, terapeuta ocupacional e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), dedicou-se a compreender como o uso de telas pode afetar a saúde mental ao longo do ciclo da vida durante sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Uma de suas conclusões é a de que pessoas que se expõem por mais tempo a telas têm risco aumentado de desenvolverem ansiedade e depressão. Porém, mais importante do que o tempo que se fica exposto à tela é a relação que se estabelece com o conteúdo, especialmente através das redes sociais. 

De acordo com a doutora em Medicina Molecular pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da instituição, essas redes potencializam o efeito nocivo das telas, pois aumentam a comparação entre as pessoas e impactam na autoestima e no consumo. Sintomas como irritabilidade, impaciência, dificuldade de concentração, baixo limiar de frustração e problemas com o sono podem ser um indicativo de que há um excesso de telas na rotina. 

Na reportagem que fizemos sobre o impacto delas na saúde mental na edição 276, Renata nos explica os principais efeitos das redes sociais em adultos e adolescentes. Também escutamos mulheres que saíram desses aplicativos e hoje se sentem mais presentes e tranquilas em suas rotinas. 

Nesta entrevista, a terapeuta ocupacional fala sobre o tempo de tela indicado para crianças, como a leitura de livros físicos pode ser positiva e desmistifica o que o senso comum entende sobre os efeitos nocivos da televisão e do videogame para a saúde mental, mas sem comprovação científica suficiente.

Qual é o tempo indicado de tela para crianças e adolescentes?

Até os dois anos é indicado que não se tenha acesso a telas, porque os mil primeiros dias do bebê (desde a concepção) são cruciais para o desenvolvimento cerebral. Dos dois aos cinco, uma hora de tela. Dos seis aos dez, entre uma e duas horas no máximo de tela para entretenimento, sempre com supervisão. Dos onze aos dezoito anos, de duas a três horas por dia. Mas sempre com aquele cuidado de evitar deixar o adolescente isolado no quarto. Porque ele pode ter aquelas duas horas cumpridas, mas às vezes é um jogo online, em que ele está suscetível, vulnerável, a ideias de agressividade, de cyberbullying. 

Por que é tão importante que a família saiba o tipo de conteúdo acessado?

Na adolescência, o cérebro ainda se encontra em desenvolvimento. Tem a vontade de fazer parte de um grupo, sentir-se pertencente, tem o nível de comparação, a baixa autoestima, o que pode desencadear comportamentos autolesivos. Por isso, é importante que a família saiba que tipo de conteúdo o adolescente está acessando.

O ideal seria que adolescentes só tivessem redes sociais com 18 anos?

Hoje já está flexibilizado a partir dos 16 anos. Crianças e adolescentes, por exemplo, do Brasil, às vezes o primeiro contato com redes sociais está acontecendo por volta de 30% a partir dos 6 anos e mais de 50% a partir dos 10 anos. E cerca de 80% dos jovens já têm um perfil a partir dos 12. O ideal é a gente lidar com a realidade que a gente tem. A gente tem que trabalhar muito para tentar melhorar um pouco o desenvolvimento desses jovens adultos, que vão assumir cargos importantes. Inclusive, o último manual da sociedade brasileira de pediatria fala da saúde digital e fala muito em voltar para a questão de proteção de dados e da responsabilização das grandes plataformas, porque eles ganham muito à medida que crianças ainda em desenvolvimento já têm seus perfis, dão seus likes. Precisamos tentar avançar daqui para frente para que realmente crianças só com um alto nível de desenvolvimento já das suas conexões cerebrais possam ter esses perfis em redes sociais e consigam ter um desenvolvimento saudável. 

Na sua pesquisa você traz um estudo que mostra os benefícios da contação de histórias para o cérebro das crianças. Por que as dezoito sessões do estudo aumentaram o nível de conectividade cerebral? O que isso significa?

Existem ferramentas que a gente consegue usar e saber quais áreas do cérebro estão sendo recrutadas em uma atividade. Tem o eletroencefalograma, que vai ver disparos elétricos; e a ressonância magnética funcional, em que a gente vê, por exemplo, fluxo de sangue oxigenado versus o desoxigenado. Então, se um local está recrutando, está demandando uma grande quantidade de sangue oxigenado e está devolvendo uma grande quantidade de sangue desoxigenado, é porque ali teve um grande metabolismo. Com a contação de histórias, por meio da imaginação e de como outras pessoas no ambiente se relacionam com aquela história, várias áreas são ativadas ao mesmo tempo: áreas visuais, de atenção, de juízo de valor, de recompensa, de autorregulação. A criança precisa esperar a vez dela de falar, de dar uma opinião sobre a história, por exemplo. E aí uma área vai se conectando à outra. E como ela está em autodesenvolvimento, tem a criação de conexões que vão se manter para o resto da vida.

Como é esse funcionamento através das telas?

O contato passivo com a tela não é suficiente, porque não ativa as áreas de criatividade que a criança precisa desenvolver. Às vezes ela vê uma tela colorida com muitos estímulos saltitantes, mas quando vai para a sala de aula, que não tem uma tela colorida, não tem estímulos salientes, o coleguinha deixou cair a borracha e ele já perdeu a atenção. Ele vai lá olhar o coleguinha. Ele não consegue mais esperar, o limiar de frustração diminui; o autocontrole, que é o controle inibitório, tenta inibir aquela vontade, às vezes, de sair do lugar, de mexer. À medida que avança da infância para a adolescência, vem a questão do tédio. Então, vão diminuindo as possibilidades dos recursos atencionais de serem recrutados e responderem bem. 

O que é possível falar sobre os efeitos pouco conhecidos da televisão em crianças e adolescentes?

Alguns estudos viram que assistir televisão durante a semana até 2 horas por dia melhorou a autoestima de crianças em idade escolar. Em tese, a criança que tem um tempo para assistir e reconhece que está tendo esse tempo para poder se divertir, se distrair, ela se sente validada, então, melhora sua autoestima. Já o uso do celular no final de semana esteve mais relacionado à depressão e ansiedade, porque, no final de semana, as pessoas estariam tendo as outras recompensas de sair com a família, por exemplo; quando a criança se percebe ali utilizando o celular, há uma relação com a baixa autoestima e com o desenvolvimento de sintomas de depressão e ansiedade.

E o videogame?

O videogame realmente prende muito e leva a uma distorção da passagem do tempo. Mas ele não tem um impacto grande, por exemplo, na saúde mental, dependendo do jogo. Se for esse jogo online, com conteúdo violento, por exemplo, você fica suscetível a cyberbullying, a desenvolver uma dependência. Se for um jogo multimodal, em que não é necessário estar online ou joguinhos onde se constrói coisas, então, você tem uma alta demanda cognitiva positiva. 

E a TV para pessoas idosas?

Homens, por exemplo, no momento de assistir à televisão, eles demonstravam muito mais depressão do que as mulheres. Aquele alto tempo de televisão para senhores se mostrou pior do que para senhoras, porque na maioria das vezes elas faziam outras coisas, enquanto assistiam à televisão. Elas tricotavam, desenvolviam outras atividades.

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