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O SUS agora tem uma frente parlamentar própria no Congresso Nacional. Em 10 de maio, foi criada a Frente Parlamentar em Defesa do Sistema Único de Saúde — ou simplesmente Frente do SUS ou Bancada do SUS. A iniciativa foi da deputada federal Ana Pimentel (PT-MG), médica de família, ex-secretária de Saúde de Juiz de Fora (2021-2022), em seu primeiro mandato na Câmara. Uma das primeiras articulações foi defender que a saúde estivesse fora dos limites de investimento público estabelecidos pelo projeto do novo regime fiscal, que substitui a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos.

Na Câmara, o texto foi aprovado sem que nenhuma área escapasse às novas regras. O Senado, por sua vez, tirou despesas com Ciência, Tecnologia e Inovação, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e Fundo Constitucional do Distrito Federal. Até o fechamento desta edição, a Câmara precisava votar as alterações. 

Em entrevista à Radis, Ana afirma que uma “Câmara bastante conservadora” impediu maiores avanços, mas diante dessa conjuntura aponta que o arcabouço sinaliza melhoras para a saúde, especialmente em comparação com o “perverso” teto de gastos, que tirou entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões do SUS, segundo diferentes estimativas. “Obviamente eu defendo investimentos em saúde equivalentes a 6% do PIB hoje, com aumento progressivo até chegarmos a 10% do PIB no futuro. Esta é a nossa pauta”, ressalva.

A versão do projeto de regime fiscal aprovada na Câmara não retirou nenhuma área dos limites de gastos públicos. O Senado aprovou excluir Fundeb e Ciência e Tecnologia do teto. Como foram os bastidores dessa disputa para ficar fora do teto? Por que a Saúde não conseguiu?

É fundamental dizer que nós, da Frente Parlamentar do SUS e da Frente pela Educação, fizemos a discussão para a retirada tanto do Fundeb como da Saúde dos limites do arcabouço fiscal. Nós nos movimentamos muito. Muitos deputados se envolveram diretamente nessa articulação — e vou incluir aí também os movimentos da sociedade civil, como a Frente pela Vida. Mas havia uma maioria formada na Câmara dos Deputados que defendia não retirar nenhuma área dos limites de gastos. O relator desse projeto na Câmara [deputado Cláudio Cajado (PP-BA)] foi muito contundente nesse sentido. A Câmara tem hoje, de fato, um posicionamento mais conservador que o do Senado. Se observarmos as votações, vamos notar que a esquerda tem entre 130 e 145 votos na Câmara. É importante dizer que há deputados que estão levando as pautas da saúde coletiva e dos movimentos da Saúde, mas nossa posição foi minoritária. Considerando que temos uma Câmara bastante conservadora, entendo que o texto aprovado no Senado foi bastante avançado. Não consigo avaliar que a gente teve uma derrota. Agora estamos trabalhando para aprovar essas modificações na Câmara.

Qual a sua avaliação do projeto do novo regime fiscal?

Acho importante entender o arcabouço fiscal dentro do conjunto de políticas econômicas que o governo federal tem pensado para o país. O arcabouço fiscal é uma parte da política econômica do presidente Lula. Outra parte, por exemplo, são as viagens internacionais que ele tem feito para articular a dimensão do meio ambiente com a dimensão do desenvolvimento econômico, com a retomada de acordos bilaterais e multilaterais que vão ser muito importantes para o país. Outra parte é a reforma tributária. Quero ser bastante enfática de que, para mim, a política econômica do governo Lula não pode ser localizada especificamente no arcabouço fiscal. O arcabouço fiscal se insere dentro desse conjunto de políticas econômicas que o governo federal está pensando e que, ao ser articulada com a agenda ambiental, também está defendendo a saúde.

Como avalia o impacto do teto de gastos na saúde do Brasil?

O teto de gastos foi completamente prejudicial para o Sistema Único de Saúde. Estima-se que a saúde tenha perdido R$ 60 bilhões em investimentos nos últimos anos. Na minha avaliação, o teto de gastos foi uma perversidade para o SUS. O SUS continuou existindo porque está institucionalizado, mas foi sendo completamente minado por dentro — políticas que eram estruturantes, como a de assistência farmacêutica, de HIV e infecções sexuais transmissíveis (ISTs), de saúde da mulher, de saúde mental, de atenção básica. Essas políticas seguiram existindo formalmente, mas estavam desidratadas, deixaram de ser executáveis. Por nossa dinâmica interfederativa, quem tem a maior parte do recurso é o governo federal, mas quem executa as políticas são os municípios, então o ônus político recaiu sobre as prefeituras. Eu fui secretária de saúde [de Juiz de Fora (MG)] e não conseguia executar políticas que existiam formalmente. Veja a perversidade do teto de gastos!

E ainda tivemos pandemia.

Durante a pandemia, o cenário foi ainda mais dramático. Uma parte dos recursos para lidar com a covid veio de fora do orçamento da saúde, mas contabilizava para o orçamento da saúde, que é constitucional. O efeito prático disso foi que outras políticas de saúde deixaram de existir nos anos da pandemia. Por isso as filas que temos hoje. Além desses efeitos mais concretos, o teto de gastos ainda disseminou uma concepção política errada, ao dizer que você deve limitar o que pode ser investido em saúde. Essa é a pior mensagem que podemos passar para a população, principalmente em anos em que temos maior demanda de investimentos em saúde.

Quais ganhos a saúde deve ter com o novo regime fiscal?

O arcabouço traz avanços em relação ao teto de gastos. Obviamente eu defendo investimentos em saúde equivalentes a 6% do PIB hoje, que é a bandeira da Frente pela Vida, com aumento progressivo até chegarmos a 10% do PIB no futuro. Esta é a pauta da saúde. Mas, dentro do contexto da política econômica do governo federal e comparado ao teto de gastos, o novo regime fiscal é um avanço. O teto chamava as políticas sociais de despesas e estipulava um máximo que se poderia gastar; o arcabouço fala em investimentos e em piso. Nos momentos em que o país registrar crescimento econômico, o arcabouço prevê aumento do investimento na saúde, acima do mínimo constitucional; quando não crescer, vai ao menos manter o mínimo constitucional. Nós, que defendemos os preceitos do Sistema Único de Saúde e que somos historicamente do movimento sanitário, queríamos mais para a saúde. Precisamos de mais financiamento para garantirmos, de fato, o direito à saúde para todos e todas com integralidade, equidade, regionalização e descentralização. Mas, diante da conjuntura, penso que o arcabouço é uma sinalização de melhora para o sistema de saúde no próximo período. E vamos seguir pressionando até atingir os 6% do PIB. 

“O SUS traz consigo um projeto civilizatório, um projeto de país.”

Por que criar a Frente Parlamentar Mista do SUS?

O Congresso tem várias frentes parlamentares ligadas à saúde, inclusive a Frente da Saúde. Mas entendo que um desafio que nós temos é o de fortalecimento do Sistema Único de Saúde. A Frente pelo SUS pretende abordar os dilemas do SUS com as entidades, as associações científicas, os movimentos sociais, os conselhos de saúde e a população de uma maneira geral. E acumular forças para que a gente consiga, de fato, fazer com que o projeto SUS exista no cotidiano. O SUS traz consigo um projeto civilizatório, um projeto de país. Na prática, é a afirmação de que todas as vidas são valiosas, de que todas as pessoas devem ser cuidadas. 

— Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados.

“O SUS é a afirmação de que todas as vidas são valiosas, de que todas as pessoas devem ser cuidadas.”

Que resistências encontra no Congresso para levar a agenda da saúde à frente?

Existem muitos projetos de lei tramitando no Congresso para, por exemplo, aumentar a isenção fiscal para quem tem plano privado de saúde. E posso afirmar que várias frentes ligadas à área da Saúde atuam diretamente para diminuir ainda mais o SUS. Hoje não dá para dizer que alguma delas se diga abertamente contrária à existência do Sistema Único de Saúde — pelo menos que eu tenha conhecimento. Mas, na verdade, muitas atuam por dentro para dilapidar o SUS, diminuindo sua potência, mesmo que discretamente. Pressionam para que o SUS atenda a interesses privados de todo tipo, para que o SUS esteja a serviço do mercado. Então, a Frente SUS não é só Frente SUS, ela é Frente SUS 100% público. Esse trabalho de articulação cotidiana exige muita dedicação, mas temos muitos deputados/deputadas e senadores/senadoras do nosso lado. O Sistema Único de Saúde está tão dilapidado que vamos precisar reconstruí-lo. Nós fomos muito resilientes nesses últimos anos: diante de tantos ataques, conseguimos manter o SUS funcionando. Isso foi feito com muito custo para a saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras da saúde, e dos gestores municipais comprometidos. 

De que maneira a Frente do SUS está articulada com as discussões de outras áreas?

Necessariamente, a defesa da Saúde está ligada à defesa de um projeto de país e, portanto, demanda o fortalecimento de várias políticas públicas. Neste momento, as articulações mais estratégicas para a conjuntura política são pela soberania alimentar, com enfrentamento da fome e dos agrotóxicos, e defesa do meio ambiente.

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