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Paula Ferrari trabalhou durante quase dez anos na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) como fisioterapeuta, especializada na área neurofuncional, com foco na reabilitação das pessoas com deficiência. Nesse período, teve mielite transversa, uma infecção na medula, que resultou em uma paraplegia incompleta. “Tenho parte da mobilidade e da força das minhas pernas, mas isso não é suficiente para ter uma marcha funcional”, conta. Paula acredita que o aprendizado em sua profissão permitiu que ela vivesse de forma mais leve como uma pessoa com deficiência. “Tinha amigos, atuava nessa esfera. Eu entendi que o corpo de uma pessoa com deficiência não deve ser visto com pesar”, pontua.

Paulista e com 37 anos, cadeirante há oito, Paula ficou dois anos em reabilitação e retomou o trabalho na AACD. Ativista, tem três gatos em casa, fruto de uma adoção intencional: dois deles são animais com deficiência. Ela assume que é preciso lutar por direitos em uma sociedade capacitista. “Se a acessibilidade e a inclusão fossem cumpridas e se o capacitismo não fosse tão presente na sociedade, a gente não precisaria ocupar esse lugar de militância. Infelizmente, hoje a pessoa com deficiência protagoniza uma luta para ter a liberdade de ocupar o lugar que ela quiser, uma luta que deveria ser de todos”, considera.

No Instagram, onde tem 24 mil seguidores, Paula mostra registros de sua vida de bailarina, paraciclista e cadeirante e faz uma pergunta provocativa em sua bio: “Quem disse que você não pode?”. Desde 2007, ela atua no campo da sexualidade da pessoa com deficiência e diz que esse é um tabu até entre profissionais de saúde. “A nossa sexualidade é negada por acharem que nossos corpos não são dignos de prazer e não podem ser atraentes”, observa. Ela explica que a negação acontece quando um médico julga que uma gestante com deficiência não tem capacidade para cuidar do seu filho ou deixa de examinar uma pessoa com deficiência por achar que ela não tem vida sexual ativa. Paula critica também a falta de motéis acessíveis. “Enquanto as pessoas com deficiência forem vistas como coitadas, nossa sexualidade será invisibilizada”, comenta.

Como uma mulher com deficiência, ela salienta que a luta dessas mulheres está em um estágio diferente da luta de mulheres sem deficiência. “No Outubro Rosa [mês de conscientização do câncer de mama], a mulher sem deficiência está focada na prevenção da doença, enquanto a mulher com deficiência diz que precisa de mamógrafos acessíveis e de ginecologistas que consigam examiná-las para fazer os exames”, aponta. “Todas precisam de campanhas, mas entendo que não adianta fazer campanha se a mulher com deficiência não tiver um espaço que acolha e entenda as suas demandas”.

Falta de acesso

Segundo Paula, os problemas enfrentados pelas mulheres com deficiência que buscam atendimento incluem a obrigatoriedade de ir a consultas com um acompanhante por falta de equipamentos acessíveis. “Não há como passar a gente para a maca para fazer o exame e há relatos de mulheres surdas sem acesso ao médico porque não havia suporte de Libras [Língua Brasileira de Sinais]”, conta. O resultado é que as pessoas com deficiência têm mais dificuldade em buscar assistência. “Perdemos parte da nossa autonomia de ir e vir porque esbarramos na falta de acessibilidade comunicacional, atitudinal e física. Como um consultório não é acessível, se é lei?”, questiona.

Para Paula, falta política pública, visibilidade e empatia no campo da inclusão. “Dizem que não fazem acessibilidade porque não recebem pessoas com deficiência, mas estas não vão a determinados lugares porque não há acessibilidade”, reflete. Para ela, todos ganham com a inclusão e uma sociedade acessível. “Quando uma escola inclusiva forma cidadãos que vão entender a diversidade, eles passam a lidar de forma mais natural com as diferenças”, observa.

Ao mesmo tempo, ela segue ocupando espaços para provocar uma resposta do outro lado. Quando sai, não costuma perguntar se o local é acessível para causar um “desconforto”. “É constrangedor quando não há como me atender, mas isso gera uma provocação. Acredito que falta sensibilidade e vontade para enxergar as pessoas invisibilizadas. Não dá para dizer que falta informação”, pontua. Paula conta que já ouviu de estabelecimentos que não “atendiam pessoas como ela”. “Como são pessoas como eu? O que eu tenho de diferente?Enquanto a gente enxergar a deficiência em primeiro plano, como um problema, vamos invisibilizar a pessoa. E ninguém quer problema”, reforça.

No campo da acessibilidade física, ela defende o desenho universal que projeta um espaço para todos, sem “puxadinhos adaptados”. “O desenho universal é um só para respeitar as diferenças. Na adaptação, quando colocam uma porta giratória ou uma rampa ao lado de uma escada, estão segmentando o público pois dão opções diferentes para pessoas diferentes”, salienta. Segundo ela, espaços com desenho universal podem ser usados com conforto por pessoas com e sem deficiência, obesas, idosas, gestantes. “Ele torna o espaço acessível para todos de maneira igual, com equidade”, garante. (L.M)

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