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Médica, infectologista e atual diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Valdiléa Veloso retornou da 12ª Conferência da International Aids Society sobre Ciência do HIV (IAS 2023), que aconteceu em julho, em Brisbane (Austrália), convicta de que hoje nós temos tecnologias suficientes para eliminar a doença em todo o mundo. 

Na entrevista que concedeu à Radis, a pesquisadora sinalizou, no entanto, que as desigualdades na distribuição de recursos e no modo como são tratados os grupos em situação de vulnerabilidade atrasam a aplicação do conhecimento que se construiu até aqui. “Temos tudo que a gente precisa: remédio, tratamento e prevenção. Mas as iniquidades fazem com que nem todos se beneficiem dos avanços propiciados pela ciência”.

Pioneira no estudo do HIV/aids e integrante do grupo que coordena o projeto ImPrEP — que gera dados e possibilita a implementação da profilaxia pré-exposição (PrEP) no México, no Peru e no Brasil — ela reafirmou o necessário compromisso da pesquisa com a luta contra o estigma, a discriminação e o racismo, defendeu que a ciência deve ser produzida em interlocução com a sociedade e requereu menor centralidade médica no enfrentamento da epidemia. 

Valdiléa chamou atenção para o fato de, a despeito de o Brasil ter um sistema de saúde universal, 25% das pessoas ainda serem diagnosticadas com HIV com a imunidade muito comprometida ou doentes, e alertou que ainda é baixo o número de usuários que se beneficiam das tecnologias de prevenção, mesmo com sua eficácia comprovada. Na conversa, ela também falou sobre os mais recentes estudos sobre a PrEP de longa duração (injetável, com o uso do medicamento cabotegravir) realizados no país e comentou os destaques da IAS 2023 e a importância da construção do conhecimento compartilhado em redes.

O relatório global O caminho que põe fim à aids, divulgado recentemente pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids), prevê o fim da pandemia da doença até 2030. Você sentiu esse tom otimista na IAS 2023?

A aids ainda é uma pandemia. Segundo os dados apresentados pela Unaids, alguns países — onde há vontade política e investimentos maciços — estão no caminho para eliminar a doença como um problema de saúde pública. No entanto, precisamos atentar que mesmo nesses países ainda existe uma população que é mais afetada, mais estigmatizada, mais discriminada e que, justamente por isso, não acessa os serviços de saúde e não se beneficia dos avanços do conhecimento. Hoje, temos tecnologia para eliminar a aids em todo o mundo. Temos tudo que a gente precisa: remédio, tratamento e prevenção. Mas as iniquidades fazem com que nem todos se beneficiem dos avanços propiciados pela ciência. Isso acontece não somente por questões econômicas, mas por conta das questões de estigma e discriminação, principalmente as questões de gênero. A população mais afetada na América Latina, por exemplo, que são homens que fazem sexo com homens e a população trans, não se beneficia dos avanços da ciência, como deveria, justamente por causa disso. 

“As iniquidades fazem com que nem todos se beneficiem dos avanços propiciados pela ciência.”

Então não é somente uma questão de recursos…

Isso. Além de a América Latina praticamente não receber investimentos externos, ainda temos que lidar com um contexto de muito estigma e discriminação. Temos ainda outra limitação que é a centralidade médica. As prescrições de medicamentos e exames na América Latina são atividades exclusivas do médico. Nos países de média e baixa renda, onde não havia médicos suficientes, eles fizeram o que chamam de task shift [mudança de tarefas] permitindo dividir atribuições com outras categorias profissionais. Aqui no Brasil, a Lei do Ato Médico atrapalha muito, os médicos combatem iniciativas de dividir atribuições com outros profissionais. Está mudando um pouco para prevenção agora. Aqui no INI, hoje, o médico está presente, mas a condução é dos enfermeiros. Desse modo, amplia-se o número de profissionais disponíveis para atender e prescrever. 

Como isso se reflete no cotidiano dos serviços?

Ainda convivemos com restrições a tratamentos de HIV e oferta de PrEP na atenção básica, o que considero um grande equívoco. Nós não temos especialistas em número suficiente para atender e nem para fazer PrEP para todo mundo. Existe preconceito, muita gente acha que enfermeiros ou farmacêuticos não podem ter atribuições complexas. Para a gente avançar, temos que romper com isso. Felizmente, hoje enfermeiros e farmacêuticos já podem prescrever PrEP e existe uma discussão entre Ministério da Saúde e Cofen autorizando os profissionais de enfermagem — que já estavam autorizados a pedir exames de carga viral e CD4 — a prescrever a profilaxia para tuberculose, que é o tratamento da infecção latente, muito prevalente no Brasil. A gente não adoece porque somos imunocompetentes, mas a maior parte da população já teve contato com o bacilo da tuberculose e tem lá uma infecção latente. Nós acabamos de fazer aqui no INI um estudo que mostra que pessoas que têm diagnóstico de HIV, que têm uma infecção recente, aguda, se forem tratadas para infecção latente pela tuberculose a recuperação imunológica é mais rápida. Mas os médicos têm dificuldade de prescrever. Eles querem ver um exame, um raio X.

Quais os grandes desafios que enfrentamos em relação ao HIV/aids no Brasil hoje?

Quem é que morre de aids hoje, no Brasil? Não são as pessoas abastadas, são as pessoas mais pobres. Isso em um país que tem tudo! Tem um sistema universal, tem teste, tratamento, prevenção. Com tudo isso a gente ainda contabiliza 25% das pessoas — e isso é mais ou menos uma regra na América Latina — que são diagnosticadas já com a imunidade muito comprometida ou doentes. Muitas vezes com tuberculose ou com um quadro de emagrecimento, de imunidade baixa. Os casos de Mpox, por exemplo. Nós internamos muitas pessoas aqui no INI, em estado grave. Algumas não tinham diagnóstico para HIV, outras abandonaram o tratamento em algum momento. Diante do desafio da sobrevivência, a preocupação com o HIV passa longe.

Então o grande desafio é superar iniquidades?

Exatamente. O grande desafio é superar iniquidades. Com as tecnologias e o conhecimento que se tem, a aids não deveria ser mais um problema de saúde pública em nenhum lugar do mundo. Iniquidades como o estigma, a discriminação e os conflitos alimentam a epidemia. Existem dados que mostram a relação entre o índice de paz e a aids. Onde há guerra, a doença piora. Hoje, com tantos conflitos e tantos refugiados, a situação fica muito difícil. Essas pessoas chegam aos países e não têm direito a nada. Não é como no Brasil. Nós somos um dos poucos países de renda média que têm um sistema de saúde universal. Mesmo onde se tem um bom acesso à saúde, na Europa, refugiados não têm direito a nada. Aqui no Brasil as pessoas são atendidas no SUS, têm acesso a tratamentos. Mas ainda há muita desigualdade, assim como em toda a América Latina. E quanto maiores forem as desigualdades, pior. Em um país pobre, mas sem grandes desigualdades, o impacto da aids não é tão grande quanto em um país com recursos em que exista uma grande diferença. O mesmo acontece quando você avalia populações mais vulneráveis (homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, população trans). Mesmo nos países em já alcançaram 95% das metas da Unaids, os 5% restantes são formados por representantes dessas populações. Até onde a epidemia é generalizada, o risco maior está na população mais vulnerável.

Adriano De Lavor entrevista Valdiléa Veloso, médica, infectologista e atual diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). — Foto: Eduardo de Oliveira.
Adriano De Lavor entrevista Valdiléa Veloso, médica, infectologista e atual diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). — Foto: Eduardo de Oliveira.

Alguma outra preocupação específica, no caso brasileiro?

Algo que é muito preocupante é constatar que o número de pessoas em uso da PrEP ainda é muito pequeno no país, considerando que temos um sistema de saúde universal. Mesmo que o número seja o maior da América Latina, o Brasil tem muita dificuldade em fazer com que as pessoas conheçam a PrEP, iniciem o seu uso e persistam. Mas a gente não ouve falar de PrEP. É importante a gente introduzir esse assunto nas escolas, voltar a falar sobre educação sexual. Já não se fala com os jovens sobre isso há um tempo. E essa é a população onde a epidemia mais cresce. Além disso, é preciso estimular as pessoas nos serviços para o uso da PrEP, porque sem o avanço da PrEP, a gente não vai controlar a epidemia. É claro que a gente busca uma vacina, mas a vacina ainda está longe. Existia uma grande esperança no Projeto Mosaico, que não deu certo, então é preciso fazer a PrEP avançar. Sua eficácia é altíssima, é de 100%, praticamente. 

“Sem combater estas iniquidades nós não vamos controlar a epidemia em 2030; e nem nunca.”

De que maneira projetos como o ImPrEP Cab Brasil contribuem para superarmos essas dificuldades?

Os estudos do Imprep trabalham com as populações em vulnerabilidade e geram dados que demonstram que os mais pobres, os mais jovens e as pessoas negras se beneficiam menos da PrEP por conta das barreiras que enfrentam. O nosso trabalho mostra que precisamos lutar contra o estigma, a discriminação e especialmente o racismo, que é uma realidade no Brasil. Sem combater estas iniquidades nós não vamos controlar a epidemia em 2030; e nem nunca. Não é só remédio, não é só teste, não é só camisinha, não é só PrEP. Nós precisamos trabalhar essas questões que são problemas crônicos da nossa sociedade.

O ImPrEP promove a interlocução da pesquisa com os usuários de políticas de saúde. Essa é uma maneira de se fazer ciência para o SUS?

Eu acho que não tem outra maneira. O ImPrEP e todo trabalho que a gente faz aqui é feito com a comunidade. A gente tem educadores de pares, que são fundamentais. Os estudos, desde a formulação das perguntas até a interpretação dos resultados, precisam da contribuição da população. Nós, pesquisadores, por melhores que sejamos, sempre partimos da nossa experiência de vida, das nossas necessidades de saúde. Claro que a gente observa, tem empatia e busca colocar o nosso tempo e o nosso esforço e o da ciência em questões que a gente considera relevantes, dentro da nossa experiência — de pesquisa e de vida. Mas é fundamental a participação da comunidade. O ImPrEP tem educadores de pares em todos os centros. Eles nos ajudam com opinião e apoiam os participantes, até para que a equipe seja acolhedora. Essa parceria é fundamental, já que nossos trabalhos têm como objetivo servir ao SUS e à saúde da população. Também é essencial nossa interação com o Ministério da Saúde, já que fazemos pesquisa para o SUS. Essa parceria é fundamental, foi construída ao longo dos anos e nos permitiu continuar, mesmo nos momentos mais difíceis.

O ImPrEP foi um dos destaques da IAS 2023, sendo tema de um simpósio satélite. Como você avalia a participação do INI no evento?

O ImPrEP é um projeto guarda-chuva para gerar evidências para implementação da profilaxia para exposição ao HIV no Brasil, no México e no Peru. Há o estudo principal, que envolve 9.500 pessoas nos três países, com resultados já apresentados em outros congressos e em várias publicações. Nesta edição da IAS, muitas pesquisas relacionadas ao ImPrEP tiveram destaque. A jovem investigadora Mayara Secco recebeu o prêmio da Agência de Doenças Infecciosas Emergentes (ANRS), da França; o artigo de Thiago Torres foi premiado como um dos mais acessados no Journal of the International AIDS Society (JIAS), revista de altíssimo impacto; e o trabalho da Lucilene Freitas, que analisa desigualdades de raça, foi selecionado para apresentação oral — são poucos os selecionados para apresentação nessa modalidade. Também a Brenda Hoagland apresentou um poster que demonstrou que é viável iniciar a PrEP oral, diária, no mesmo dia em que a pessoa vem à unidade. Isso ainda não é uma prática em muitos lugares. (Confira detalhes destes trabalhos aqui: https://www.ini.fiocruz.br/trabalhos-dos-pesquisadores-do-inifiocruz-s%C3%A3o-destacados-e-premiados-na-ias-2023).

E o que foi tratado no simpósio?

No simpósio nós apresentamos dados de um estudo do ImPrEP sobre soro incidência (o número de casos novos que ocorrem em um período do ano). O ideal é que a gente acompanhe muitas pessoas ao longo do tempo, mas isso é inviável logisticamente, porque é caro. Então nós fizemos um estudo de soro incidência com pessoas que buscaram testagem em vários lugares no Brasil. Quando foram testadas, elas foram convidadas a entrar no estudo; destas, as que eram confirmadas positivas (reagentes ao HIV), tinham seu sangue coletado para uma sorologia. Com os dados, conseguimos verificar quais eram infecções recentes e quais eram crônicas — existe um algoritmo do da Organização Mundial da Saúde que nos permite ver a incidência, sem ter que acompanhar as pessoas ao longo do tempo. Esse estudo é de grande importância, já que os dados na América Latina são pouquíssimos. A gente fez no Brasil e no Peru, mas não há dados robustos em outros países. 

Algum outro estudo que poderia destacar?

Nós também apresentamos dados sobre um outro estudo, grande, feito em várias regiões do Brasil, que chamamos de discreet choice (escolhas discretas). Na verdade, é um experimento, baseado no marketing aplicado à saúde, que por meio de entrevistas (presenciais e online) nos permite estudar as preferências das pessoas que são alvo de um determinado produto. Neste caso nós estudamos as preferências da população de homens que fazem sexo com homens e de mulheres trans sobre a PrEP de longa duração. Isso porque quando a gente planejou o projeto ImPrEP, que é financiado pela Unitaid, pelo Ministério da Saúde do Brasil, por México e Peru, nós também planejamos começar a gerar dados para a nova tecnologia que estava emergindo, a PrEP injetável. A PrEP oral já existia há bastante tempo — não no Brasil, mas no mundo —, e a droga também já era usada em tratamento. 

Quais os resultados desse estudo?

Queríamos acompanhar a situação da população mais afetada. E, ao longo do desenvolvimento do ImPrEP, a tecnologia do PrEP de longa duração, com cabotegravir, começou a ser estudada. E era uma tecnologia promissora, porque buscava preencher a lacuna para pessoas que não conseguem aderir à medicação oral, tomada todo dia. Então nós já preparamos o caminho, porque acreditávamos que o resultado seria bom. E foi o que aconteceu. A eficácia comprovada foi superior, inclusive por sua adesão. Então nós pensamos que, para não perdermos tempo, precisávamos reunir os dados necessários para que a gente pudesse fazer logo que possível o estudo de demonstração — como a gente fez com a PrEP oral — e, com estes dados, facilitar o financiamento e a sua implementação.

Em que ponto estamos hoje em relação à PrEP injetável no Brasil?

Nós geramos esses dados e conseguimos com a Unitaid um novo financiamento para a implementação da PrEP injetável, com o cabotegravir. Fizemos todo o mapeamento dos serviços que já fazem a PrEP/SUS e dos processos; visitamos todos os centros e identificamos quais as necessidades de cada serviço. Foi um longo caminho de negociação, porque a Unitaid financia o estudo, mas o medicamento é da farmacêutica Viiv [No Brasil, representada pela GSK]. Então só eles podem entregar o remédio para a gente avaliar. Foi uma disputa, mas chegamos a um bom termo, assinamos o contrato, e o medicamento deve chegar aqui no início de setembro, quando a gente já vai começar o estudo. Começaremos aqui pelo Rio de Janeiro e em pouco tempo já começaremos a abrir em outros centros.

Valdiléa Veloso. — Foto: Eduardo de Oliveira.
Valdiléa Veloso. — Foto: Eduardo de Oliveira.

Existe uma previsão de quando essa tecnologia estará disponível para uso?

Difícil prever. A GSK já fez a submissão do medicamento à Anvisa, que o aprovou recentemente. Todos esses projetos são feitos pari passu com o Ministério da Saúde, para que a gente gere a evidência que eles precisam, não só para implementar a nova tecnologia, mas também para apresentar à Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde]. No caso da PrEP oral, a gente fez aqui o ensaio clínico (IPrEx), que foi o primeiro estudo a mostrar a eficácia da PrEP, depois fizemos o PrEP Brasil, que demonstrou que seria viável no país, fizemos um estudo econômico e de aceitação. Com isso, o Ministério fez os cálculos, criou um comitê e apresentou os dados do ImPrEP Brasil à Conitec. 

Que outras discussões presentes na IAS 2023 você poderia destacar?

Nós tivemos muitas discussões sobre metadados, pesquisadores reunidos em torno de questões relacionadas ao uso do cabotegravir. Nós participamos, na pré-conferência, de uma reunião com vários pesquisadores envolvidos em projetos com o medicamento, quando avaliamos se estamos estudando coisas que possam ser comparadas. Um dos grandes desafios que essa nova tecnologia nos coloca é a questão do diagnóstico, porque é uma droga potente, que fica no organismo, o que nos coloca a questão sobre qual é a melhor forma de acompanhar se uma pessoa adquiriu ou não a infecção. Então essa é uma rede que está se formando para que a gente possa trocar experiências e não precise esperar que cada um termine seu trabalho.

Estamos falando de uma nova tecnologia de prevenção no momento que vivemos sob novas tecnologias de comunicação. Qual é o papel dessas redes e novos artefatos tecnológicos de comunicação nesse contexto?

A gente usa todas essas tecnologias para divulgar a prevenção e vai ter, nesse projeto, um componente digital, para facilitar que as pessoas possam conhecer as novas tecnologias de prevenção e escolham entre a PrEP oral ou a PrEP de longa duração. A maior parte das pessoas vai muito bem com a PrEP oral. É fácil, é um comprimido por dia, você o coloca na sua rotina, seja de dia, seja à noite — e já existe o esquema sob demanda. É importante dizer que não é porque a tecnologia é nova que ela é melhor para todo mundo. A nova tecnologia, idealmente, é para as pessoas que realmente têm uma dificuldade em aderir ao esquema oral. A escolha deve ser do usuário e nós vamos avaliar isso. Nosso trabalho é acompanhar as tecnologias para que a gente possa planejar e avaliar precocemente. Às vezes, no Brasil, avaliam-se tecnologias muito tarde, depois que já estão no mercado. 

Algum outro aspecto discutido na IAS 2023?

Houve muita discussão sobre a PrEP de longa duração com o uso de outros medicamentos, que ainda estão no estágio inicial, e também foram apresentados resultados do estudo Reprieve, que teve participação do INI, com o uso da estatina. A estatina é um medicamento utilizado para controlar dislipidemia (colesterol alto, triglicerídeos altos). Ela é prescrita para pessoas que têm determinadas características de risco cardiovascular. Esse estudo avaliou o uso da estatina em um grupo de pessoas que estão em tratamento contra o HIV. Sorteou uma parte para receber estatina e outra para não receber. Os resultados são impactantes: uma redução de 30% na mortalidade por questões cardíacas daqueles que usaram estatina. Essa foi uma das grandes highlights da conferência. 

Alguma novidade importante no campo do tratamento?

Também se falou muito, na conferência, sobre injetáveis de longa duração para tratamento. Esses estudos, a indústria nem trouxe para o Brasil. É uma pena que o país não tenha participado dessas pesquisas, porque assim como há pessoas que não conseguem aderir à PrEP oral, o mesmo acontece com o tratamento que temos disponível. E há populações para as quais o injetável seria especialmente importante, pelo menos durante um tempo. As mulheres grávidas diagnosticadas com HIV ou que já vivem com HIV, por exemplo. Elas fazem de tudo para aderir ao tratamento pensando no bebê, mas depois que o bebê nasce a adesão já era. Talvez essa seja, por exemplo, uma população que possa se beneficiar de um tratamento injetável. Não faz muito tempo que a indústria apresentou essa tecnologia para registro na Anvisa, mas como o Brasil não participou dos estudos, isso é algo que vai começar aqui praticamente do zero, incluindo-se estudos genéticos e de viabilidade econômica.

E sobre casos de cura?

Falou-se de mais um caso de cura, mas esses casos, apesar de importantes, não mostram um caminho viável de investimento, já que envolvem transplantes. Na conferência também se discutiu muito o uso dos anticorpos monoclonais, tanto para tratamento, para cura e para a prevenção. Nós fizemos há algum tempo o primeiro estudo sobre uso de monoclonal como profilaxia para exposição ao HIV. Os dados mostram que quando o vírus é suscetível funciona muito bem, mas há vírus que são resistentes. Agora, a estratégia é combinar monoclonais. Essa é uma fronteira que está avançando rapidamente nos estudos do HIV, uma tecnologia que avança também em outras áreas, como a de doenças reumáticas.

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