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* Colaboração especial para Radis

O acesso ao ensino superior ainda é para poucos. Seja por conta de um sistema escolar público que oferece um ensino deficiente ou pela necessidade de ingressar cedo no mercado de trabalho, muitos não conseguem chegar à universidade. Mas, mesmo com os obstáculos, os cursinhos comunitários são espaços onde jovens de favelas e periferias encontram sua principal rede de apoio e incentivo.

Laura Marques: “cursinhos são uma luz no fim do túnel”.

Laura Marques, 21 anos, faz parte da primeira geração da família a entrar para uma universidade pública. Após passar pelo pré-vestibular social Oficina do Saber, a moradora de Niterói conquistou uma vaga no curso de Jornalismo, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), uma das mais conceituadas e difíceis de ingressar. Para realizar o sonho, no final de 2018, Laura decidiu focar nos estudos. Antes disso, fez um levantamento e encontrou o projeto, que possui vínculo com a Universidade Federal Fluminense (UFF).

Criado em 2000, o Oficina do Saber atende, sobretudo, estudantes que vivem na região de Niterói e São Gonçalo, preparando-os para a disputa por uma vaga no ensino superior. Por conta da relação com a UFF, explica Laura, havia uma boa infraestrutura, salas de aula com espaço amplo, ar-condicionado, expositor de slides, laptop para os professores e um tablado. Os alunos também podiam contar com o suporte da secretaria para tirar xerox dos conteúdos trabalhados.

O curso é preparatório para o vestibular, mas Laura diz que, além dos conhecimentos técnicos, os professores despertavam nos alunos um pensamento crítico por meio dos textos trabalhados. Ela destaca ainda a rede de troca que se formou entre os estudantes. “Eu me senti muito acolhida por todos”, conta. “Além das dicas sobre a prova e os insights sobre os conteúdos, todos recebiam um apoio quase que emocional. Os professores foram muito parceiros”. Isso foi um fator importante para que ela se sentisse preparada e segura no dia da prova.

Mas não foi fácil. Na turma de Laura, houve grande evasão entre os alunos matriculados. Ela própria precisou escolher quais matérias priorizar. “Como as aulas aconteciam todos os dias da semana, tive dificuldade em pagar as passagens de ônibus”, conta. “Naquele momento, somente a minha mãe estava trabalhando, então era bem pesado”. Apesar das dificuldades, a estudante não tem dúvidas de que iniciativas como essa são fundamentais para pessoas que, assim como ela, não tiveram acesso a uma educação básica de qualidade. “Os cursinhos gratuitos vêm como uma luz no fim do túnel, capaz de fazer brilhar os olhos dos estudantes que buscam ascensão social e econômica”, diz. “Por meio da educação, esses ‘prés’ nos fazem acreditar que é possível burlar toda a estrutura opressora que engessa o pensamento de que pobre não tem outra opção a não ser trabalhar oito horas por dia, sete dias por semana enfrentando condução lotada”.

Da favela, com orgulho

Ana Clara Alves: Jornalismo na Uerj e estágio no Intercept Brasil.

Ana Clara Alves também foi a primeira da família a ingressar em uma universidade pública, inspirando a irmã — que agora quer fazer faculdade. “A universidade é pública, mas a maioria do corpo estudantil é de pessoas brancas, de classe média alta. Poucas são as pessoas negras ou faveladas”, enfatiza à Radis. “Estamos transformando esta realidade agora. Um corpo favelado naquele espaço pode ser uma mudança relativamente pequena para a maioria, mas uma mudança muito grande dentro de casa”.

Moradora da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, antes de passar no vestibular, a estudante frequentou as aulas do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) — onde também estudou, ainda na década de 1990, a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. Voltado para estudantes que querem ingressar na faculdade — e para quem deseja uma vaga no ensino técnico em colégios federais —, o CEASM se propõe a abrir horizontes e mostrar novas oportunidades e possibilidades de vida, como faz questão de explicar Ana Clara. “Dentro da favela, existem várias realidades. Nem todo mundo tem o apoio da família para estudar. Há muitos que, às vezes, precisam abrir mão dos estudos para trabalhar e pôr comida na mesa”.

A Maré é um complexo de 17 favelas. Geograficamente, fica localizado próximo a um imenso campus universitário — o conhecido Fundão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Ilha do Governador. Para quem mora nas redondezas, é fácil fazer o percurso por dentro do campus e visitá-lo em muitos horários do dia. “Mas faz muita diferença saber que você pode frequentar este espaço, não só como uma visita ou de passagem, mas também como aluno, e que estar ali para aprender”, diz Ana Clara, ressaltando a diferença que o CEASM faz na vida de muitos.

Estudante do sexto período do curso de Jornalismo da Uerj, no campus Maracanã, ela considera simbólico que, quando falam sobre a Maré, automaticamente se lembrem de sua história. “Também acho importante que outras pessoas que entraram na faculdade depois de mim, vindas da mesma favela ou de favelas diferentes, saibam que a universidade é um espaço em que já existiu uma favelada”, diz. “Isso acaba sendo um sinal de segurança”.

No CEASM, o corpo docente é formado por ex-alunos que, em sua grande maioria, já fizeram parte do curso e agora atuam como professores, coordenadores de turma ou monitores ajudando com exercícios. Ana Clara é uma dessas. Atualmente, a jovem também concilia os horários com o seu estágio no portal The Intercept Brasil.

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