Nossa matéria de capa traz, de um jeito muito interessante e divertido, a boa notícia do encontro da ciência com os mosquitos responsabilizados pela infestação de dengue nas cidades, causada muito mais por determinantes socioambientais do que pelos “inimigos alados”, alvos da metáfora da guerra contra a dengue, estratégia tradicionalmente priorizada tanto pela saúde pública quanto pelas narrativas das campanhas de comunicação.
Os recorrentes surtos e epidemias de dengue no país, desde o início dos anos 1990, se deram principalmente pela deficiência no saneamento, que leva a população a estocar água em recipientes inadequados, e pela falta de coleta de lixo, que resulta em muito mais pontos de acúmulo de água parada do que nos vasinhos de planta, alvos mais fáceis de serem responsabilizados do que a ausência de boas condições de vida. Sem falar no processo mais amplo do modelo de crescimento urbano desordenado e avançando por áreas silvestres que aumenta a circulação de arboviroses nas metrópoles do planeta.
Em 2016, Radis mostrou que o uso de minúsculas piabas em reservatórios e caixas d’água da cidade de Pedra Branca, no Ceará, para se alimentarem das larvas dos mosquitos, eliminou a transmissão de dengue no município por mais de uma década.
Desta vez, a repórter Ana Claudia Peres acompanha a entrega a agentes de combate a endemias e de controle de zoonoses em Niterói (RJ), para a dispersão em bairros do município, de milhares de Aedes aegypti, nos quais foi injetada, em uma biofábrica da Fiocruz, a bactéria Wolbachia, sem que o mosquito ou a bactéria passassem por qualquer modificação genética. Essa bactéria está presente em cerca de 60% dos insetos do planeta, inclusive no pernilongo comum, mas não no Aedes aegypti.
Pesquisadores associados ao projeto internacional World Mosquito Program (WMP) identificaram que infectado com essa bactéria o Aedes não consegue propagar dengue, zika e chikungunya. Liberados no ambiente, os Wolbitos, como foram apelidados, vão se proliferando até que a maioria da população de mosquitos esteja com a Wolbachia. Um ensaio clínico na Indonésia apontou uma redução de 77% dos casos de dengue na cidade de Yogyakarta, em áreas que receberam o mosquito Aedes aegypti com a bactéria. O estudo revelou ainda a redução de 86% das hospitalizações nesses locais.
De Roraima, o editor Luiz Felipe Stevanim nos traz mais uma reportagem sobre as ações do SUS no enfrentamento à Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional provocada pela infestação de mineração ilegal, predadora da natureza e violenta contra o povo Yanomami, que somada à desassistência intencional à saúde indígena levou à morte 570 crianças, entre 2018 e 2022, e à epidemia de malária, desnutrição e outras doenças.
Em meio a essa tragédia humana, a matéria mostra a dedicação do trabalho das equipes de saúde para salvar vidas de crianças, livrando-as da desnutrição, uma a uma, com afeto, o acompanhamento diário das crianças e famílias e o uso de fórmulas e suplementação de alimentação adequadas à cultura nutricional desse povo tão especial, que temos conhecido melhor a cada edição de Radis.
Reportagem de Glauber Tiburtino traz informações sobre a disautonomia, uma condição complexa que exige exclusão de diversos diagnósticos que também geram fadiga e tontura até que se possa afirmar que se trata deste problema cardiovascular e neurológico. Em depoimentos tocantes, diversas pessoas acometidas por essa doença rara relatam um longo caminho de invisibilidade e de dificuldades de conhecimento e capacidade de escuta por parte de muitos dos médicos que os atenderam até que pudessem chegar a esse diagnóstico e serem tratados adequadamente.Em mais uma parceria de Radis com comunicadores populares, trazemos nessa edição a reportagem “Casa de Família”, sobre como a pandemia de covid-19 afetou a vida e os direitos de empregadas domésticas e de suas famílias. Segundo o IBGE, em 2019, havia no Brasil cerca de 6,3 milhões de trabalhadores domésticos, 92,4% dos quais mulheres e 62% delas pretas ou pardas. A matéria apurada e escrita por Priscila Barbosa, residente em Duque de Caxias (RJ), é a primeira da série “Narradores da pandemia”, a ser publicada por Radis com cinco reportagens produzidas por comunicadores populares numa parceria entre o Observatório de Favelas do Rio de Janeiro e a Fiocruz.
Rogério Lannes Rocha, coordenador e editor-chefe do Programa Radis
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