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Entre 26 e 30 de setembro realizou-se em Washington (EUA), a 30ª Conferência Sanitária Pan-americana, que reúne a cada cinco anos todos os ministros da saúde das Américas para, entre outros pontos de agenda, eleger o diretor da Organização Pan-americana da Saúde (Opas) para um mandato de cinco anos. Carissa Etienne, médica da Dominica, está encerrando seu segundo mandato. O médico sanitarista brasileiro, Jarbas Barbosa, foi eleito diretor da Opas para um mandato de 2023 a 2027 e toma posse no início de fevereiro do próximo ano.

A Conferência criou novas políticas, reiterou políticas vigentes que se estendem nos próximos anos e realizou o balanço das políticas que finalizaram nesta ocasião. Diversos eventos paralelos foram realizados no âmbito da Conferência. Estiveram presentes na Conferência representantes de todos os países do continente, inclusive Xavier Becerra, Secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, assim como Tedros Adhanom, Diretor Geral da OMS. A Conferência elegeu o Canadá como país-presidente da assembleia, assim como três novos Estados Membros para integrar o Comitê Executivo pelos próximos 3 anos: Chile, Estados Unidos e Uruguai. 

A diretora Carissa Etienne apresentou o Relatório Quinquenal 2018-2022 do seu mandato, um documento de 250 páginas, no qual reflete sobre as realizações e dificuldades da Organização, que operou, no período, sob a égide de dois Planos Estratégicos da OPAS: 2014-2019, “Trabalhando em prol da saúde para o desenvolvimento sustentável e a equidade”, e 2020-2025, “Equidade, o coração da saúde”, este ainda vigente. Como não poderia deixar de ser, assinala que o maior desafio enfrentado no quinquênio foi a pandemia da covid-19. As principais orientações de sua gestão vieram da Agenda de Saúde Sustentável para as Américas 2018-2030; do Décimo Terceiro Programa Geral de Trabalho da OMS 2019-2023; e da Agenda das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável 2030 e seus ODS.

Um dos principais documentos apresentados e examinados pela Conferência foi “A Saúde nas Américas”, publicado desde 1954, reunindo informações atualizadas sobre as condições da saúde e suas tendências nos países e territórios da Região das Américas, um dos mandatos principais da Opas. Desde 2017, o Saúde nas Américas é apresentado em um formato de plataforma digital, apresentando tópicos específicos de importância regional de forma aprofundada. Em 2022, o Saúde nas Américas aborda o impacto da pandemia de covid-19 na região, bem como a relação entre a pandemia e os determinantes sociais, econômicos e ambientais de saúde e sua influência profunda sobre as desigualdades de saúde.

Sobre a covid-19 e suas implicações para a saúde e os sistemas de saúde da região, tema central de 2022, ressalta que a pandemia causou retrocessos nas conquistas anteriores, comprometendo a realização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Ademais, agravou as desigualdades sociais ao concentrar desproporcionalmente seus efeitos negativos sobre as populações mais desfavorecidas socialmente, tornando-se urgente adotar uma estratégia baseada nos determinantes sociais e ambientais da saúde, com recursos e intervenções explícitas para fazer a equidade em saúde avançar de forma efetiva.

A pandemia evidenciou os desafios enfrentados pelos sistemas de saúde para assegurar o acesso universal à saúde e a cobertura universal de saúde e passou a exigir capacidades reforçadas de saúde pública para responder a emergências de saúde. Fortalecer os sistemas de informação em saúde e acelerar a transformação digital do setor de saúde é uma prioridade de saúde pública.

Os sistemas de saúde, bem como a preparação para emergências, precisam se adaptar a mudanças demográficas e epidemiológica, e investir em sistemas de saúde resilientes, incluindo a capacitação e a retenção de recursos humanos apropriados. 

A edição de 2022 também atualiza os perfis de saúde dos países e territórios na plataforma Saúde nas Américas, em formato padronizado, incluindo dados de mais de 80 indicadores de saúde e gráficos baseados em dados interagenciais da OPAS, da OMS e das Nações Unidas, previamente validados pelos países, padronizados para fins de comparabilidade e atualizados de uma forma eficiente.

As áreas cobertas pelos perfis são: a) Determinantes sociais e ambientais da saúde: Perfil populacional e demográfico, expectativa de vida, índice de desenvolvimento humano, produto interno bruto e gastos por desembolso direto em saúde; b) Cobertura digital: Porcentagem da população conectada à internet; c) Situação de saúde: Saúde materno-infantil, doenças transmissíveis, doenças não transmissíveis e fatores de risco; d) Indicadores de mortalidade: Mortalidade ajustada pela idade, mortalidade prematura potencialmente evitável e mortalidade por câncer; e) Situação da pandemia de Covid-19: Casos e óbitos: f) Perspectivas dos países: Políticas e intervenções para alcançar a saúde universal; principais desafios de saúde do país e resposta do sistema de saúde; impacto da pandemia de Covid-19; ações tomadas e planejadas para fortalecer a capacidade de resposta; e estratégias, ações e planos nacionais de saúde para enfrentar as desigualdades de saúde; g) Dados adicionais e outras fontes de dados fornecidas pelos países.

Este documento é de suprema importância para os interessados em saúde nas Américas e vale a pena ser visitado e utilizado pelo leitor sempre que trabalhar sobre a realidade socio-sanitária da região.

Resoluções aprovadas

Um conjunto de resoluções foram apresentadas à consideração dos Ministros que as adotaram, ajudando a compor a agenda de saúde dos próximos anos, junto com os documentos de orientações políticas mais gerais vigentes (referidas nas notas de rodapé 2, 3 e 4), assim como junto com políticas específicas ainda vigentes, definidas em reuniões anteriores do Conselho Diretor, que serão comentadas abaixo.

As resoluções definidoras de políticas foram:

– Política para a retomada do avanço rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com equidade, mediante ações sobre os determinantes sociais da saúde e trabalho intersetorial

– Política para melhorar a saúde mental

– Política sobre atenção integrada para melhorar os desfechos de saúde

– Política para fortalecer os sistemas regulatórios nacionais de medicamentos e outras tecnologias de saúde

– Estratégia de vigilância genômica regional para preparação e resposta a epidemias e pandemias 

Pela abrangência e importância, consideramos decisiva a “Política para a retomada do avanço rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com equidade, mediante ações sobre os determinantes sociais da saúde e trabalho intersetorial”7.

Estão previstas no projeto de resolução 5 linhas estratégicas a serem implementadas pelos Estados-membros, com apoio do Secretariado: 1. Promover ações intersetoriais para cumprir os objetivos indivisíveis da Agenda 2030, integrando a equidade como um valor transversal; 2. Reorientar políticas, planos e programas de saúde para superar barreiras de acesso à saúde e alcançar a equidade em saúde e o bem-estar; 3. Fortalecer e facilitar a participação comunitária e o engajamento da sociedade civil, mediante uma abordagem intercultural para obter equidade e alcançar o ODS 3; 4. Fortalecer a governança local para alcançar o ODS 3 com equidade; e 5. Reforçar o monitoramento e a avaliação do avanço rumo ao cumprimento do ODS 3 em um contexto de equidade.

O Brasil tem razões históricas para apoiar com entusiasmo esta Resolução, pois nosso país está historicamente ligado ao desenvolvimento sustentável: realizou a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento , a Rio-92, no Rio de Janeiro, em 1992, que gerou as três Convenções sobre ambiente mais importantes da história: Clima, Biodiversidade; e Desertificação. Ademais, vinte anos depois, realizou a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, também no Rio de Janeiro, em 2012, que foi o berço da Resolução das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 e seus ODS, em 2015.

Têm também relações históricas com os determinantes sociais da saúde: logo após a Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde da OMS (2005-2008) , instalou a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde do Brasil (2006-2008)  com membros de diversos ministérios, esferas de governo e sociedade civil, que gerou o Relatório Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, que foi capaz de mobilizar as três esferas de governo e a sociedade civil brasileiras. Em 2011, junto com a OMS, organizou a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, no Rio de Janeiro, que gerou a Declaração do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde de impacto importante nos sistemas de saúde continentais.   

De outro lado, deve-se considerar o intenso diálogo político que esta resolução mantém com as manifestações em diversos âmbitos. No âmbito global, os Estados-membros das Nações Unidas, nas suas mais elevadas instâncias – como a Assembleia Geral, o Conselho Econômico Social (ECOSOC), o Conselho de Direitos Humanos, e suas diversas agências, programas e fundos – já reiteraram que a Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é o único caminho possível para tirar o mundo da espiral da crise de múltiplas dimensões em que se encontra (política, econômica, social, ambiental e sanitária), que piorou substancialmente na vigência da pandemia de Covid-19, como bem ressalta a proposta de Resolução submetida à plenária de Ministros na Conferência. 

O setor saúde tem muito a colaborar para o alcance dos ODS, todos eles considerados ‘determinantes sociais da saúde’ e se beneficiará consideravelmente com a ação intersetorial para lograr populações mais saudáveis. Por todas estas razões, acreditamos que, devidamente implementada por um plano de ação coerente, envolvendo os governos dos Estados-membros, o Secretariado e a sociedade civil, universidades, e outras instituições, a resolução poderá marcar uma nova era nas relações entre saúde, ambiente e desenvolvimento, no enfrentamento dos determinantes sociais da saúde por meio da ação intersetorial comprometida com a equidade e o alcance da saúde para todos.

Considerações finais

A Organização tem um papel fundamental na implementação da saúde nas Américas, como órgão de saúde do sistema interamericano e como escritório da OMS para as Américas. Neste ano, comemora 120 anos e neste mais de um século de existência tem sido a instituição líder na saúde da região.

Jarbas Barbosa teve o amplo reconhecimento da maioria dos países, por sua capacidade técnica e competência política, para a condução da organização no próximo quinquênio (2023-2027) e saudamos sua ascensão ao cargo.

Tudo resultará melhor se a Organização for capaz de superar a fragmentação de suas políticas, construindo-as e implementando-as da forma mais coordenada possível no interior do Secretariado, e participativa por parte dos Estados-membros. A mobilização da sociedade civil nas formulações, decisões e implementação das políticas para os próximos anos é de importância fundamental e a nova direção da OPAS deve oferecer espaço para um diálogo permanente com a mesma. 

* Paulo M. BUSS é professor emérito da Fiocruz, diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e membro titular da Academia Nacional de Medicina; Guto Galvão é pesquisador do Cris Fiocruz e da Universidade Georgetown, nos EUA
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