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Com o começo da elucidação do caso Marielle, veio à tona todo o ecossistema do crime envolvendo as milícias no Rio de Janeiro e braços do Estado. Seis anos após os assassinatos de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes tivemos acesso à engrenagem e às motivações do crime, que evidenciam a articulação política, a organização e o nível de profissionalismo. Aliado a isso, a certeza de que corpos negros são matáveis, justamente porque não são considerados importantes para a sociedade.

A prisão dos irmãos Brasão demonstra que a arquitetura do crime foi planejada para que o assassinato não fosse visto como um crime político e para que jamais fosse descoberto.

Também levava em consideração algo crucial para execução: o fato de Marielle ser uma mulher negra e periférica, isto é, não se tratava de um homem branco de classe média, não se tratava de uma figura que, na mentalidade da branquitude, daria muita repercussão. O plano do crime envolvia justamente a certeza de que corpos negros são descartáveis e que ninguém se importaria.

Essa mentalidade está embutida no modus operandi da estrutura social. Uma rápida pesquisa sobre a morte de pessoas negras por armas de fogo revela que os índices são altos e continuam crescendo.

Em ações policiais, por exemplo, as mortes mais frequentes são de pessoas negras. O sistema carcerário é, em sua grande maioria, composto por pessoas negras. Isto significa que no imaginário da branquitude, os corpos negros estão a serviço da violência, portanto, matáveis.

O que os criminosos não contavam era que o caso ganhasse a repercussão que ganhou. Não imaginaram que a morte de uma mulher negra, vereadora, no Rio de Janeiro, fosse ganhar uma proporção planetária.

Não imaginaram a mobilização política de movimentos negros e coletivos negros. Não imaginaram que o engajamento de diversos setores da sociedade fosse até as últimas consequências para elucidar o crime.

O que mais impressiona é o quanto as milícias do Rio de Janeiro se colocam como uma espécie de quarto poder, um poder muito bem azeitado com o Estado. Essa dinâmica nos mostra, agora, por que demoramos seis anos para obter uma resposta.

Entendemos, agora, que só conhecendo muito bem esta estrutura para conseguir protelar e interferir nas investigações de maneira tão eficaz por tanto tempo.

Embora tenhamos chegado aos mandantes e executores de Marielle Franco e Anderson Gomes, ainda precisamos saber quem foram as figuras que direta ou indiretamente impediram o avanço das investigações.

Precisamos saber como essas articulações foram feitas e como eram executadas. Pois prejudicar uma investigação dessa magnitude não é uma tarefa para poucas pessoas, mas conluio que atinge todas as esferas do Estado e da política.

É importante que a sociedade tome conhecimento de toda a arquitetura desse crime, pois a resolução desse caso é uma resposta contundente de que corpos negros não são matáveis.

Uma resposta grave e categórica de que corpos negros não são descartáveis. Uma resposta definitiva de que nenhuma morte de pessoas negras será esquecida. Nenhuma.

* Jefferson Tenório é escritor, professor e pesquisador, vencedor do Prêmio Jabuti com o livro O Avesso da Pele (2021). É também colunista do Uol, onde o texto foi publicado originalmente (26/3/2024).

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