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Pessoas com deficiência (PcD) compõem uma população heterogênea, com crescimento intensificado em anos recentes em função do envelhecimento da população, do avanço da medicina, das crises sanitárias, da ascensão de novas condições à categoria de deficiência. Hoje estima-se que mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo tenham alguma deficiência (15% da população mundial), sendo mais prevalente em países de baixa e média renda. Como um produto social, essa realidade é influenciada pelo acesso ao aparato público de qualidade em tempo oportuno, pela qualidade da dieta e hábitos saudáveis, pela violência, pelo patriarcado, pelo racismo, entre outros.

Apesar da robustez do arcabouço institucional do Brasil sobre os direitos das pessoas com deficiência, a falta de pacto social pela sua efetivação resulta na sistemática violação desses direitos em nosso país. 

De acordo com o IBGE (2023), 8,9% da população brasileira têm algum tipo de deficiência e a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 a 29 anos foi 23 vezes maior que o da população da mesma idade sem deficiência; as mulheres com deficiência, de todas as raças, cores e etnias, têm as piores condições de participação na força de trabalho quando comparadas aos homens com deficiência; ambos em situação de desvantagem em relação aos pares sem deficiência.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) evidenciaram que pessoas com deficiência intelectual ou psicossocial têm reduzido em 14 vezes o privilégio de trabalhar e, em 57, o de se diplomar no ensino superior, em relação aos pares sem deficiência (IBGE, 2021). Evidências da capacidade de aprendizagem desse grupo e do efeito da exclusão social sobre o potencial de adaptabilidade e desenvolvimento não parecem ser suficientes para desnaturalizar a envergadura das barreiras à participação. 

O Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra a vulnerabilidade a violências de naturezas diversas e o aumento substantivo da notificação de violência sexual contra pessoas com deficiência. Mulheres são mais vitimizadas, particularmente as com deficiência intelectual e psicossocial. Entretanto, esse é um público esquecido nas ações de educação sexual, nas campanhas contra a violência em geral, e sexual em particular, e no próprio acesso ao aparato do Estado.

Série da Lancet pontua que a população com deficiência sofre bullying por mais anos no chão da escola, entretanto tem sido negligenciada no debate sobre grupos mais vulneráveis ao bullying e seu impacto na formação de identidade, quadro de ansiedade e aumento da ideação suicida.  São vidas esquecidas também nesse debate.

Há política de aborto eugênico para eliminação de pessoas com síndrome de Down em vários países do mundo, estabelecendo hierarquia entre vidas e definindo que há algumas que, por serem caras, não devem mais existir. Afinal de contas, quanto vale uma vida? E quem tem o privilégio de arbitrar sobre isso? 

Foi aprovado o PL 5679/2023 pela Comissão da Pessoa com Deficiência prevendo casos de esterilização cirúrgica, à revelia, de pessoas com deficiência intelectual ou mental “absolutamente incapazes” em 2024, em que pesem os direitos sexuais e reprodutivos serem universais, resguardados mesmo para pessoas curateladas.

Evidências sobre falta de ética e violação de direitos humanos das pessoas com deficiência se acumulam. E acontecem com a complacência de nós, pessoas sem deficiência: não nos comprometemos com o pacto social por uma humanidade que respeite a sua diversidade.

Mas o que torna tão fácil violar, esterilizar e deixar morrer pessoas com deficiência?  Onde estão as pessoas com deficiência e o que têm a dizer? Estão impedidas pela falta de acessibilidade e acesso aos espaços públicos, por estigmas que as destituem de sua subjetividade e humanidade, sendo minoradas e descapacitadas ao longo de toda a sua vida.

E a tendência é que siga dessa forma, basta ver o perfil das candidaturas nas eleições de 2024: apenas 1,2% é protagonizado por pessoas com deficiência, majoritariamente homens brancos com deficiência física. 

Enquanto 10% das mulheres brasileiras têm algum tipo de deficiência, apenas 0,3% das candidatas são mulheres com deficiência (52% dessas, brancas). A participação feminina repete a das eleições de 2020, sem que nós — pessoas sem deficiência e, sobretudo, partidos políticos — tenhamos nos comprometido com estratégias para ampliar essa participação e, sobretudo, para eleger essas mulheres.

■ Pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e coordenadora da organização Acolhe PCD

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