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O Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação, em 27 de fevereiro — primeira grande campanha do governo Lula para retomar as altas coberturas vacinais do Brasil. A mobilização começou pelo reforço contra a covid-19. Em abril, está prevista a imunização contra a influenza e, a partir de maio, haverá um chamamento para atualização da caderneta com ações nas escolas do país. Mas como levar mais brasileiros aos postos em um país em que avança o discurso antivacinação?

Radis ouviu a bacharel em Comunicação Renata Ribeiro Goméz, assessora na Chefia de Gabinete do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), unidade que pesquisa, incorpora tecnologias e fabrica vacinas, kits para diagnóstico e biofármacos, onde coordenou a assessoria de Comunicação por 15 anos. No Mestrado, pelo Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), avaliou Os Sentidos da Antivacinação em um Grupo Brasileiro do Facebook e suas Relações com o Discurso Dominante sobre Imunizações.

Na pesquisa, Renata analisou os fluxos dos discursos das postagens do grupo O Lado Obscuro das Vacinas, no Facebook, entre abril de 2016 e abril de 2017, para identificar quais são os seus argumentos técnicos e políticos acionados, suas motivações e suas relações com o discurso dominante sobre vacinação. 

O que você observou no grupo antivacinação?

No início, eu pensava que um grupo cujo nome era O Lado Obscuro das Vacinas fosse realmente um grupo antivacinação. Tinha todas as características. A administradora postava que quem fosse a favor da vacinação deveria sair; dizia “aqui é um lugar para questionar”. Mas observei que entre os participantes havia muitas dúvidas. Prevalecia nos discursos uma dimensão individual — “o meu medo” — acima da questão coletiva (da proteção das vacinas), especialmente por parte de mulheres. Nas redes sociais sobre vacinação, na maioria das vezes são as mulheres que pautam e lideram os debates. Costumo dizer que vacina é artigo feminino. Está bem marcada essa pegada feminina. Quem leva para vacinar é a mulher — a mãe e a avó. As participantes usavam termos como estar “entre a cruz e a caldeirinha” para falar, por exemplo, sobre levar para vacinar contra a febre amarela: “Morro de medo do vírus, mas também das reações da vacina”. Pessoas que queriam fazer o melhor para seus filhos, mas que destacavam que as vacinas poderiam gerar eventos adversos. Isso é um fato que não se pode negar: algumas vacinas não são indicadas para alguns organismos. Mas muitos argumentos eram frágeis e pouco sustentáveis, como o de que a vacinação é um projeto do Estado para parar o crescimento populacional. Não há nenhum artigo científico que afirme que vacinas não são eficazes e que é melhor não se vacinar. Concluí que mais da metade dos antivax [pessoas antivacinação] são, na verdade, pessoas em dúvida, pessoas com inseguranças, e que merecem ter acesso à informação de qualidade, fontes científicas de referência para tomarem decisões mais sensatas.

Como surgiu o interesse pelo tema?

Coordenei a assessoria de Bio-Manguinhos por 15 anos, produzindo discursos pró-vacinação. Nesse período, recebia conteúdos antivax de conhecidos, que queriam saber se havia alguma evidência científica, e pedidos para que esses conteúdos fossem apurados com os nossos pesquisadores. À época, as pessoas não davam muita bola para esse tema, mas como profissional da comunicação quis ouvir o contraditório. Muita gente achou que não havia necessidade de pesquisar o movimento antivacinação, que havia muitos outros temas mais importantes. Me perguntavam por que dar luz a questões obscurantistas se eu poderia mostrar a experiência exitosa do Programa Nacional de Imunizações (PNI), mas acreditei que precisava pensar academicamente a nossa prática profissional e aprofundar algumas reflexões sobre o papel social da assessoria, enquanto parte integrante do SUS.

O grupo triplicou de tamanho no período pesquisado. Como esse movimento se instalou no Brasil?

O mundo está cada vez mais integrado. O movimento antivacinação nos Estados Unidos e na Europa é muito forte há muito tempo. No Reino Unido e na França existe uma militância ativa questionando a vacinação. O Brasil importou essa linha de pensamento mais recentemente. E ao contrário dos militantes desses países que vão para as ruas, aqui o movimento ainda se dá nas redes. Essa onda conservadora saiu do armário. Por meio da análise de discurso, pude perceber que existe uma influência grande neoliberal. No neoliberalismo, cada um tem que cuidar de si, do próprio corpo. Você é seu próprio negócio. As pessoas não conferem mais todo o poder ao Estado, aos veículos de comunicação de massa, às instituições, às recomendações médicas, à indústria farmacêutica. Há uma descrença nos sistemas de um modo geral. Quando existe a percepção de que o barco está afundando, há uma quebra das figuras de autoridade: o médico, o governo e a rede de televisão deixam de ser as únicas referências. 

Qual é o papel das redes sociais nesse contexto?

As pessoas vão conversar com outras pessoas que pensam como elas, buscar influenciadores. Hoje, você joga o resultado do seu exame na internet antes de procurar um médico. Se a coisa for muito grave, você pode preferir participar de um grupo de autoajuda com pessoas que têm a mesma doença, para trocar ideias e ver a melhor forma de se cuidar. Vai ouvir um médico, claro, mas também como seus pares tratam essa questão. As redes sociais são também um lugar de compartilhamento de angústias, medos, riscos e ideias, espaço propício à interação, ao autocuidado, à autoajuda e à mobilização social.

A covid deu materialidade ao discurso de que vacinas salvam vidas.

Renata Ribeiro

Como avalia o Movimento Nacional de Vacinação lançado no governo Lula?

Lá atrás, as campanhas de vacinação no Brasil eram aquelas de massa: o dia D da vacinação, com grandes medalhões da televisão — Xuxa, Renato Aragão. O PNI surgiu há 50 anos e é considerado uma referência mundial em política de saúde pública. Há cerca de 10 anos, nossa cobertura vacinal começou a cair. No governo do ex-presidente Bolsonaro, houve uma ruptura mais forte. Vimos as campanhas sumirem — enquanto a Fiocruz e outras instituições públicas militavam pela vacinação. Agora, o Ministério da Saúde volta com campanhas de massa, curiosamente com a Xuxa. Acho interessante, porque ela continua sendo uma grande influenciadora. Uma mulher de 60 anos, que historicamente é quem cuida da saúde dos filhos, do marido, dos pais. Acho difícil avaliar a campanha, porque o Ministério ainda está tomando pé de uma situação que passou por pandemia, governo antivax e mudança da comunicação de massa para comunicação em rede. 

Que desafios a decadência da comunicação em massa impõe para as campanhas de vacinação hoje?

Agora vai ser difícil sustentar uma campanha só de massa. Teria que fazer de massa, nas redes sociais, ocupar todos esses territórios. Falar com a mãe, com a comunidade, planejar uma estratégia para falar com públicos dispersos e segmentados. Ficou mais caro e mais desafiador fazer comunicação hoje. Enquanto um robô pode estar fazendo fake news com conteúdo contrário ao seu. Isso demanda investimento nas agências de checagem de notícias e o mais árduo: regulamentar o que é publicado nas redes.

Como superar a desconfiança sobre o que o Estado comunica?

A Fiocruz conseguiu de forma magistral ocupar um lugar de protagonismo durante a pandemia de covid-19. Sendo governo, conseguiu atuar como uma instituição de Estado e ser percebida pela sociedade como uma fonte verídica, isenta, independente, científica. Figuras como [a médica pneumologista] Margareth Dalcomo, [a ex-presidente da Fiocruz e atual ministra da Saúde] Nísia Trindade e [o diretor de Bio-Manguinhos] Mauricio Zuma conseguiram se posicionar com segurança, em meio a um caos. Diria que é preciso fazer mais comunicação pública, e menos comunicação institucional. E se preparar para falar com a imprensa (media training). Responder aquilo que está sendo perguntado, oferecer as fontes, passar segurança, e ao mesmo tempo assumir que o saber científico não é estável. Ser franco, honesto, claro, firme. Não desqualificar quem se identifica como antivacina, dizendo que todos são terraplanistas ou lunáticos. Se a maior dúvida é sobre a qualidade das vacinas, vamos produzir conteúdo sobre os rigorosos processos de controle desses produtos, como fizemos na assessoria de Bio. Gravamos vídeos mostrando em detalhes como os lotes são produzidos. É muito importante tornar público esse rigor. Só assim mostramos que vários argumentos antivacinação não se sustentam. Acho interessante também adotar algum tipo de feedback [retorno] da vacinação, como já fazem os Estados Unidos: ao sair da sala de vacinação, a pessoa recebe um formulário com eventos adversos possíveis de acontecer e um telefone de contato.

De que maneira a celebração pela chegada das vacinas contra covid impactou esse movimento?

A covid deu materialidade ao discurso de que vacinas salvam vidas. Uma coisa é dizer “vacinas salvam vidas” e outra é ver as pessoas pararem de morrer por covid. É uma evidência da eficácia. Por outro lado, há aqueles que tomaram a primeira e a segunda dose, mas não foram tomar a terceira e a quarta. Vacinação não é apenas campanha: é a disponibilidade de vacinas e o horário de funcionamento do posto, por exemplo. Implica investir em Educação em Saúde, Médicos de Família, agentes comunitários. Um incêndio nasce numa lixeira. Acho que esse incêndio continua aí, e precisamos olhar para ele com muita atenção. A pandemia pode ter levado muita gente a se vacinar, mas penso que um trabalho muito sério precisa continuar a ser feito. Uma estratégia que fale com outras populações ou que sensibilize as novas gerações. Há muito a ser esclarecido para evitarmos outras pandemias, outros surtos. É uma questão de saúde pública bem importante que está posta.

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