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“A covid-19 teve um impacto terrível na vida humana, com consequências massivas para a saúde e o bem-estar, além de consequências econômicas e sociais devastadoras, particularmente para pessoas em situações de vulnerabilidade e marginalização”. A afirmação de Paulo Buss, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), em texto publicado no site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (12/2), dimensiona os efeitos de uma pandemia que ceifou aproximadamente 20 milhões de vidas em todo o mundo e aprofundou desigualdades nos últimos cinco anos.

E hoje? Podemos considerar que estamos mais preparados para enfrentar uma nova pandemia? O que dizem e como têm se mobilizado as autoridades sanitárias e instâncias globais de negociação? Que marcas ficaram de um período que, além das mortes, sequelas, medos e incertezas, é lembrado também por tensões e polarizações?

Em entrevista à Radis, Leonardo Castro, doutor em antropologia, pesquisador e coordenador-executivo do Projeto Saúde Amanhã (Fiocruz), classificou a covid-19 como “a primeira grande epidemia da globalização” — além de ser a pior crise sanitária vivenciada pela humanidade em cem anos, desde a gripe espanhola (1918-1919): “Enquanto o vírus da gripe espanhola viajava de navio, os vírus atuais viajam de avião”, observou. 

Ao passo em que nos últimos cinco anos a ciência se uniu e, de forma colaborativa, avançou décadas em poucos meses para obtenção do sequenciamento genético do vírus SARS-CoV-2, desenvolvimento de kit diagnóstico, transferência de tecnologia e produção de vacinas, o ceticismo intencionalmente fabricado por lideranças políticas mundiais da extrema direita e setores conservadores da sociedade pôs em xeque a eficácia e, principalmente, a segurança dos imunizantes, que logo após entrarem em cena frearam abruptamente os desfechos letais da covid-19.

Os discursos e práticas negacionistas abriram uma ferida social difícil de ser cicatrizada, no período que sucedeu o fatídico 11 de março de 2020, data em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que vivíamos uma pandemia. O fomento à desinformação gera falsas controvérsias científicas e, mesmo que desmentidas, causam estragos difíceis de serem revertidos. Entre eles, morte e adoecimento evitáveis, autoridades sanitárias desacreditadas e populações confusas, conforme alegou a professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Deisy Ventura, em artigo publicado no Jornal da USP (21/1).

A dependência histórica do protagonismo de países do Hemisfério Norte também acendeu um alerta sobre a necessidade de reforço das instâncias multilaterais e da cooperação internacional. O mundo se viu vulnerável diante de novas ameaças sanitárias e passou a buscar soluções mais equânimes. Ou pelo menos, deveria. Uma dessas tentativas foi a proposição do Acordo sobre Pandemias, instrumento que está em discussão há quase três anos, acumula seguidos atrasos e ainda não se consolidou.

Mas o que de fato ficou dessa experiência para a saúde global? O que aprendemos e deixamos de aprender com a covid-19? Como a crise do multilateralismo, agravada e exposta com as primeiras medidas do novo governo Trump nos Estados Unidos (Radis 269), como o anúncio da retirada do país da OMS, pode afetar nossa capacidade de reação frente a novas emergências pandêmicas? Em busca dessas respostas, Radis consultou documentos, ouviu especialistas e assistiu a um webinário sobre a agenda global da saúde em 2025.

Em dezembro de 2021, durante sessão extraordinária da Assembleia Mundial da Saúde, os 194 países-membros da OMS anunciaram a criação de um órgão intergovernamental para redigir e negociar uma convenção internacional sobre as pandemias. O objetivo seria reforçar a prevenção, a preparação e a resposta em caso de novas emergências sanitárias de impacto global. Após o anúncio, as tratativas foram iniciadas em 2022 e o acordo deveria ser apresentado dois anos depois, o que não ocorreu. A expectativa é de que, na Assembleia de maio de 2025, o documento tenha avançado.

Deisy Ventura é uma das coordenadoras de um grupo de trabalho que acompanha a construção do Acordo sobre Pandemias e do Regulamento Sanitário Internacional —   outro processo de negociação, que abarca a propagação de qualquer doença ou ameaça que possa ser considerada uma emergência internacional de saúde, inclusive o bioterrorismo [saiba mais em: https://saudeglobal.org/]. 

Ela lamentou os adiamentos em relação ao instrumento voltado às pandemias e demonstrou preocupação quanto à viabilidade concreta de um consenso entre os articuladores do documento em 2025, em fala no seminário avançado do Cris/Fiocruz, com o tema: Governança e Agenda da Saúde Global 2025, realizado em formato online, em 10/2.

“Aprendemos muito com essa experiência [da covid-19] e esperávamos que esse acordo sobre pandemia, com a participação das comunidades envolvidas, trouxesse para dentro dos compromissos internacionais formas inovadoras de responder de modo mais eficaz às pandemias, que olhasse para os profissionais de saúde, o financiamento, a equidade e tantas outras coisas”, disse. 

Vacinas Salvam Vidas: Avanço da imunização foi determinante para a queda de internações e mortalidade decorrentes da covid-19 em todo o mundo. — Foto: Peter Ilicciev.
Vacinas Salvam Vidas: Avanço da imunização foi determinante para a queda de internações e mortalidade decorrentes da covid-19 em todo o mundo. — Foto: Peter Ilicciev.

Que futuro sanitário estamos pactuando?

Na contramão desse pretendido avanço, um fato recente que também envolve líderes mundiais chamou a atenção das autoridades sanitárias: a ausência de menção à pandemia de covid-19 no recém-lançado Pacto pelo Futuro, um documento internacional, com 56 ações e 2 anexos, elaborado em setembro de 2024, durante a 79ª Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA). 

As propostas contidas no documento são reconhecidamente importantes para revitalizar o tema do desenvolvimento sustentável e a Agenda 2030, mas o apagamento de um assunto tão impactante e que pode ser revivido a qualquer momento foi comentado por atores sociais que acompanham a agenda internacional da saúde, como Paulo Buss, para quem “o mundo não mudou sequer um milímetro do que fez eclodir a pandemia de 2020”.

Na avaliação do professor emérito da Fiocruz, os membros das Nações Unidas ignoram os ensinamentos da covid-19. “Uma nova pandemia deve chegar dentro em pouco e os líderes mundiais pactuaram compromissos para o futuro esquecendo as lições concretas do passado muito recente e das imensas ameaças que os cientistas apontam sobre um futuro pandêmico que está aí na linha do horizonte global”, declarou à reportagem. 

No texto publicado no site do CEE/Fiocruz e na primeira edição do Caderno do Cris em 2025, o sanitarista ratificou seu descontentamento com essa e outras lacunas: “O documento deixa de mencionar diversos elementos críticos da realidade política, social, econômica e ambiental vigente. Por exemplo, a maior tragédia sanitária dos últimos cem anos, a pandemia de covid-19, que deixou cerca de 20 milhões de mortos, dezenas de milhares de sequelados e tremendas repercussões sociais e econômicas das quais o mundo ainda não se recuperou”, protestou.

Paulo observou ainda que nem mesmo a saúde foi incluída no documento: só pelos efeitos da pandemia, o tema já merecia um capítulo à parte. “Nenhum compromisso quanto a uma quase certa nova pandemia, no futuro próximo. É como se a covid-19 sequer tivesse ocorrido e tivesse se esvanecido na memória coletiva. Até que venha a próxima pandemia e, de novo, pegue todo mundo desprevenido”, pontuou.

Para Leonardo, a omissão com relação às pandemias, no Pacto pelo Futuro, vai além de um mero esquecimento e reflete um contexto de disputas políticas. “Eu ousaria dizer que a extrema direita global tem um projeto revolucionário de poder, que passa pela destruição dessas instituições multilaterais, pela retomada dos nacionalismos e fechamento de fronteiras”. Segundo ele, trata-se de um movimento mais amplo do que a questão em si das pandemias. “É um descompromisso com relação à ideia de que haja um futuro comum para a humanidade”, opinou.

Em 2024, líderes mundiais ignoraram a experiência da pandemia ao negligenciar o assunto no documento intitulado Pacto pelo Futuro. — Foto: UN Photo/Loey Felipe.
Em 2024, líderes mundiais ignoraram a experiência da pandemia ao negligenciar o assunto no documento intitulado Pacto pelo Futuro. — Foto: UN Photo/Loey Felipe.

O que aprendemos com a covid-19?

O pesquisador do Saúde Amanhã voltou a comparar a infecção pelo SARS-CoV-2 com a gripe espanhola para elogiar a agilidade com que o vírus da covid-19 foi identificado e que os testes começaram a ser produzidos: “O vírus da gripe espanhola (H1N1) só foi identificado muitas décadas depois, enquanto no caso da covid, em poucos meses o DNA do vírus já havia sido mapeado, já estava se produzindo testes diagnósticos e desenvolvendo vacinas com um nível de eficácia bastante expressivo”. Ele destacou a cooperação científica entre diferentes países como fator determinante para que o número de mortes não fosse ainda maior.

Leonardo citou ainda a aplicação de uma tecnologia inovadora para produção de imunizantes, com as vacinas de RNA mensageiro [feitas a partir de um material sintético que corresponde a uma proteína do agente infeccioso]. “Um novo paradigma para a produção de vacinas, com um nível de eficácia bastante elevado e com aplicabilidade para outros tipos de vírus”.

Outro legado da pandemia, segundo ele, diz respeito à produção e distribuição de vacinas. Leonardo lembrou que a Divisão de Ciências da OMS vem fazendo um esforço no desenvolvimento de estudos sobre tecnologias emergentes e tendências na área da saúde. E dentre as cinco áreas eleitas como as mais promissoras e importantes a médio prazo, está a de melhorias das tecnologias de produção e distribuição de vacinas. “Essa é uma lição da pandemia que a gente pode dizer que já está compreendida e assimilada”, avaliou.

Questionada por Radis sobre esse os aprendizados da pandemia, a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, reconheceu a importância do acesso à comunicação e informação como um determinante da saúde. “Acho que a primeira lição que nós aprendemos é que o Brasil não pode mais ser apanhado tão desprevenido quanto foi para a pandemia da covid-19. Acho que aprendemos com o sofrimento e o custo humano muito elevado que a passagem de informação muito consistente e verdadeira para a população é absolutamente fundamental”, disse, reconhecendo também a necessidade de diálogo com a sociedade.

Ela destacou ainda a contribuição científica de pesquisadores brasileiros ao mundo durante a pandemia, apesar das dificuldades aqui enfrentadas: “Nós somos o décimo país em publicações muito relevantes, não só em vacinas como na descoberta e na testagem de novos medicamentos para casos graves. Estabelecemos rotinas que mudaram o funcionamento de muitos serviços de hospitalização, de modo que a pandemia da covid-19, como eu disse, a um custo muito alto, nos ensinou muita coisa e eu espero que diante de uma nova ameaça nós estejamos melhor preparados”.

A atuação da sociedade civil no enfrentamento da covid foi outro ganho destacado pelos palestrantes no seminário do Cris/Fiocruz. O diretor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e ex-presidente da Federação Mundial de Associações de Saúde Pública, Luis Eugênio Souza, indicou qual seria a efetividade da atuação das organizações da sociedade civil em situações como uma pandemia: “Eu diria que a longo prazo, numa perspectiva histórica, a experiência nos ensina que vale a pena a luta. E o desafio é a gente buscar uma convergência entre os diferentes movimentos sociais”. 

“Nós aprendemos que, em muitos países, a resposta da sociedade civil trouxe soluções que os Estados não foram capazes de criar”, concordou Deisy.

Monica Calazans, enfermeira do hospital Emilio Ribas, foi a primeira brasileira a ser vacinada, no dia 17 de janeiro de 2021, em São Paulo. — Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress.
Monica Calazans, enfermeira do hospital Emilio Ribas, foi a primeira brasileira a ser vacinada, no dia 17 de janeiro de 2021, em São Paulo. — Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress.

Que desafios emergiram?

Passados cinco anos do início da pandemia, Leonardo acredita que a hesitação vacinal provocada pela “epidemia de desinformação” é algo com o qual precisaremos lidar por mais tempo. Apesar do histórico de referência em vacinação, com o Programa Nacional de Imunizações (PNI), quando as vacinas da covid começaram a ser ofertadas, o Brasil acompanhou a postura controversa dos Estados Unidos e a comunidade científica da saúde teve dificuldade para convencer a população a se vacinar.

O país sofreu com o negacionismo propagado por lideranças como o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores (Radis 224). Para Leonardo, as mídias digitais ampliaram a disseminação de boatos e conteúdos falsos e contribuíram com o descrédito e insegurança em relação aos imunizantes e demais medidas de proteção preconizadas por autoridades científicas e sanitárias, em um período em que até mesmo o Ministério da Saúde orientava condutas conflitantes.

“A partir disso, surge um crescente movimento no país, uma luta para qual nós precisaremos atentar, e isso evidentemente está associado a interesses políticos e particularmente de partidos e movimentos de extrema direita no mundo inteiro, que abraçaram essa bandeira antivacina e outros dificultadores, como a promoção de tratamentos ineficazes e campanhas contra o uso de máscaras”, explicou.

Leonardo ressaltou ainda que, em situações graves, como uma pandemia, campanhas de sabotagem e boicote ampliam os riscos à saúde das populações em todo o mundo. Deisy também avaliou a desinformação como um problema que persiste no pós-pandemia. Ela demonstrou preocupação com uma das falas recorrentes de Donald Trump — que presidia os EUA em 2020 — sobre o que ele chama de “restabelecer a verdade biológica”. Uma narrativa usada para questionar evidências científicas, especialmente no que se refere a vacinas e pandemias. 

“Quando se fala em ‘restabelecer a verdade biológica’, para Trump, seus seguidores e, infelizmente, para diversos cargos atuais de grande importância na área da saúde dos Estados Unidos, nós estamos falando em substituir as evidências científicas por crenças”, alertou Deisy, no seminário. As consequências práticas desse tipo de discurso na pandemia, segundo ela, resultaram em descumprimento de medidas de distanciamento, atuação contra vacinas, combate ao uso de máscaras e outras medidas protetivas, ataques às autoridades sanitárias e descredibilização da saúde pública — o que inevitavelmente colocou as pessoas em risco. 

Uma das justificativas para essa conduta de desrespeito às orientações sanitárias seria a percepção distorcida de que negar a pandemia iria favorecer a economia. “O que de fato não acontece, pois todos os estudos sobre a resposta da covid-19 vêm demonstrando que os países que adotaram medidas de contenção da doença recuperaram mais rapidamente a sua economia”, atestou a professora da USP.

A adoção de um novo comportamento global em futuras pandemias é imprescindível, avaliou Deisy: “Nós vimos diversos tipos de erros e crimes serem cometidos. Acumulamos uma experiência também de emergências anteriores que não pode ser esquecida”, afirmou.

Para Leonardo, as desigualdades no acesso à vacina e a medicamentos é outro importante entrave a ser superado. “Isso mostra o quanto precisamos avançar no combate às iniquidades de saúde”, ressaltou, ao lembrar da posição privilegiada do Brasil por possuir laboratórios de ponta, como Bio-Manguinhos (Fiocruz) e Instituto Butantan.

O pesquisador defende que essa seja a realidade de outros países em desenvolvimento. “É preciso fortalecer laboratórios públicos com capacidade tecnológica avançada para a produção de vacinas fora dos países onde estão as grandes empresas farmacêuticas, isto é, na América Latina, na Ásia e muito especialmente na África, onde há um déficit muito preocupante de acesso a vacinas e medicamentos”, apontou. “Precisamos ampliar a nossa capacidade tecnológica e buscar parcerias para que a gente não fique a reboque, com relação a vacinas que vierem a ser produzidas no futuro, para novos ou velhos patógenos que possam surgir”.

Por fim, Leonardo ressaltou que os chamados “vazios sanitários” — locais com baixa cobertura vacinal — representam um perigo global em uma epidemia, uma vez que se tornam ambientes propícios ao desenvolvimento de novas cepas e variantes de vírus, que podem se espalhar rapidamente. “Foi o que aconteceu no caso da covid com a variante ômicron. Quando todo mundo esperava um declínio da pandemia, surge uma variante nova e isso pode ser um processo interminável”, lembrou.

Na opinião de Margareth Dalcolmo, o Brasil precisa ter uma inteligência a ser acionada no momento de ameaça de uma nova pandemia. “Nós temos que ter pessoas preparadas para responder rapidamente, estoque de insumos preparados, para não sermos mais apanhados como fomos na pandemia e passar essa informação em tempo real às pessoas, para que todas tenham um comportamento coletivo igual e que isso possa gerar realmente uma mudança e contribuir para todos”.

O que a saída dos EUA da OMS representa para o futuro das pandemias?

“Uma das primeiras Ordens Executivas de Donald Trump assinadas no Salão Oval da Casa Branca determinou a saída do país, a suspensão das obrigações financeiras com a organização, a retirada dos EUA das negociações sobre o Tratado Pandêmico e dos compromissos com o Regulamento Sanitário Internacional, e o retorno de todos os funcionários do governo estadunidense cedidos ao sistema OMS”, elencou Paulo Buss, no texto publicado no Caderno do Cris, em fevereiro de 2025.

Na mesma publicação, o sanitarista manifestou sua preocupação ao afirmar que “a saúde global será profundamente afetada por essas medidas, assim como por outras que impactam os determinantes sociais, ambientais, econômicos e políticos da saúde”.

Para além dessas consequências, é inegável que a saída de um membro com o peso dos EUA da OMS — que sozinho responde por quase um quarto do seu financiamento (22%) — impacta nas ações e no próprio futuro da organização. E ao pensarmos sobre a possibilidade de novas pandemias no horizonte, uma OMS enfraquecida pode tornar o cenário ainda mais incerto e devastador. Paralelamente, o vazio deixado pelos Estados Unidos pode abrir espaço para a ascensão de novas lideranças. É a máxima do ideograma chinês para crise, que reúne os símbolos de ameaça e oportunidade. Afinal, que rumo o mundo dará a essa crise? 

“É claro que há uma perspectiva, talvez, de crescimento do Sul global”, opinou Luis Eugênio, que entende ser possível que países do Hemisfério Sul eventualmente aumentem a participação no financiamento e, consequentemente, a influência sobre o órgão. Ele também ponderou que a fragilização da OMS representa o enfraquecimento da cooperação internacional.

Para Deisy, existe uma dúvida se a cadeira dos Estados Unidos de fato ficará vazia ou “incômoda”. “Na linguagem do Direito Internacional, a gente sempre fala em cadeira vazia ou cadeira incômoda. Estávamos em dúvida se os Estados Unidos iam mesmo sair ou ficar, incomodar e tentar obstruir [os acordos]”, explicou.

“Há um sentimento do tipo: ‘Será que a saída dos Estados Unidos vai desbloquear essas negociações, vai facilitar os consensos, vai adoçar um pouco os Estados mais firmes ou ela vai criar dificuldades?’”. Por enquanto não é possível prever. “Um momento horrível para falar qualquer coisa sobre conjuntura”, analisou Leonardo.

Descoberta de novo coronavírus preocupa menos que H5N1

De acordo com estudo publicado pela revista científica Cell, em fevereiro, cientistas do Instituto de Virologia de Wuhan e do Laboratório de Guangzhou detectaram um novo coronavírus, um vírus com características semelhantes ao da covid-19.

O infectologista Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia e chefe de Departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em entrevista à CNN (21/2), lembra que ainda é necessário aprofundar os estudos para descobrir os riscos para seres humanos. “O HKU5-CoV-2 é muito parecido com outro vírus dessa família que causa o resfriado comum. Então ele até pode um dia ser transmitido, por exemplo, para aves de consumo e depois seres humanos, mas talvez ele não cause síndrome respiratória aguda grave”, contextualiza.Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, ressalta a importância da descoberta e do anúncio rápido pelos chineses. “É um alerta muito importante para o mundo. Os chineses foram muito rápidos nesse alerta, e isso merece ser reconhecido. Um vírus que foi detectado apenas em morcegos até o momento, mas que tem potencial de transmissão para pequenos animais. A vigilância virológica da China já está alerta e nós também estamos atentos.”

Segundo ela, teoricamente é possível que haja transmissão para humanos, mas até o momento o coronavírus não representa risco. O perigo, a seu ver, seria outro: “Eu temo hoje pela H5N1 (influenza aviária), que começa nos Estados Unidos. Nós estamos monitorando, mas não estamos conseguindo dados atualizados de maneira adequada”, relatou durante a abertura do ano letivo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), no dia 10/3, em referência à política sanitária pouco transparente e de desmontes adotada pelo governo estadunidense.

■ Colaborou Jesuan Xavier

Covid-19 e a Declaração de Helsinque

Um artigo publicado na Revista Fapesp, em novembro de 2024, afirmou que a Declaração de Helsinque — conjunto de princípios éticos que regem a experimentação com seres humanos na área médica — passou por uma revisão promovida pela Associação Médica Mundial e agora inclui uma referência explícita ao combate à má conduta científica. Ainda segundo a publicação, o texto também traz alterações motivadas pela pandemia e prevê que, “embora novos conhecimentos e intervenções possam ganhar urgência durante emergências de saúde pública, continua a ser essencial defender os princípios éticos dessa declaração durante tais emergências”. 

A inclusão se refere especificamente à promoção de tratamentos sem comprovação científica, como foi o caso da hidroxicloroquina e da ivermectina no combate à covid-19. Durante a pandemia, defensores dessas terapias diziam estar respaldados pela declaração ao propor soluções heterodoxas na esperança de salvar vidas. “O novo texto prevê que, quando se for adotar uma intervenção não comprovada na tentativa de aliviar o sofrimento de um paciente, porque as opções aprovadas são inadequadas ou ineficazes, ela deve ser objeto de estudos posteriores para avaliar a segurança e a eficácia”, explicou o artigo.

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