A

Menu

A

  1. Memória Radis

Lei 8080: a saúde depois do SUS

Nos 35 anos da Lei Orgânica da Saúde, confira um resumo da história do SUS retratada nas páginas de Radis

— Nossa capa: ilustração digital sob foto de © ACNUR/ Victor Moriyama

Recentemente, viralizaram nas redes sociais relatos de estrangeiros elogiando o atendimento recebido no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre eles, o de um jornalista britânico que sofreu um acidente e foi rapidamente atendido, e o de uma jovem nigeriana que compartilhou sua experiência positiva em unidades de saúde e hospitais no Brasil. O tema já foi capa de Radis, na reportagem “Migrantes venezuelanas nas fronteiras do SUS” (edição 264, setembro de 2024), que mostrou como mulheres refugiadas chegam ao país em busca de proteção e, apesar dos desafios, encontram no SUS um diferencial de cuidado.

Mesmo com o relaxamento das medidas de proteção, cientistas apontam que a pandemia ainda não chegou ao fim
Nossa capa: fotografia de Eduardo de Oliveira.

Mas nem sempre foi assim. Antes de 1988, o SUS ainda não existia e o acesso à saúde era restrito. O sistema nasceu da luta do Movimento Sanitário e ganhou forma na Constituição de 1988, como já destacou Radis na reportagem “A saúde antes do SUS ” (edição 236, abril de 2022).

A estrutura que consolidou a saúde como direito de todos os brasileiros e brasileiras foi estabelecida com a Lei 8080, a chamada Lei Orgânica da Saúde, promulgada em 19 de setembro de 1990, que completa 35 anos em 2025. Foi ela que definiu as bases de funcionamento, organização e financiamento da saúde pública no país.

Acompanhe um resumo dos 35 anos da história do SUS retratados nas páginas da revista e das outras publicações do Programa Radis.

Como surgiu a estrutura do SUS

Saúde como direito de todos e dever do Estado. Essa foi uma conquista inserida na Constituição de 1988, após lutas e debates que contaram com o protagonismo do Movimento Sanitário e a pressão da participação popular. A realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e da Assembleia Constituinte representaram um contexto histórico inédito que culminou com a promulgação da Constituição e a consequente criação do SUS, em 1990.

Segundo a definição constitucional, o direito à saúde deve ser “garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Contudo, o debate não parou na Constituinte. No período seguinte, cresceram as mobilizações e as discussões para definir como seriam as estruturas que colocariam em prática aquilo que estava previsto na Constituição, culminando na criação da Lei Orgânica da Saúde.

Naquele período, a revista Radis ainda não existia — ela só seria lançada em 2002, quando o Programa Radis completou 20 anos. Mas outras publicações já circulavam, como Súmula, Dados, Tema e Proposta, cada uma com perfil próprio, mas com o mesmo objetivo: fornecer, debater e analisar informações sobre saúde.

Se a saúde é um direito de todos, a construção da lei que estruturaria esse direito foi marcada por intensos debates. Nas páginas das publicações Súmula e Jornal Proposta, era possível acompanhar essas discussões. A edição nº 30 da Súmula (setembro de 1989), por exemplo, destacou o atraso de três meses no envio do projeto da Lei Orgânica da Saúde ao Congresso.

Para José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e, à época, chefe do Departamento de Planejamento e Administração da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), era fundamental criar uma estrutura inteiramente nova e extinguir o Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). O órgão, autarquia federal responsável pela assistência médica a trabalhadores formais e seus dependentes, não possuía caráter universal. Para Temporão, isso era incompatível com a proposta de um sistema de saúde voltado para todos. Ainda assim, o Inamps só foi extinto em 1993.

Já em novembro de 1990, dois meses após a promulgação da Lei 8080, o Jornal Proposta noticiava a tramitação urgente de projetos que recuperavam artigos vetados pelo presidente da República à época, Fernando Collor de Melo. Eram pontos que tratavam principalmente da participação popular no SUS, por meio das Conferências Nacionais de Saúde e do Conselho Nacional de Saúde, além de regras de repasse de recursos para estados e municípios. Foram nove artigos vetados integralmente e cinco parcialmente na Lei Orgânica.

Mesmo com essas questões em aberto, o país se preparava para a realização da 9ª Conferência Nacional de Saúde, garantida por decreto, que deveria acontecer em julho de 1991, mas só foi realizada em agosto de 1992. Os pontos vetados na Lei Orgânica foram contemplados na lei 8.142 (de 28 de dezembro de 1990), como informou o Jornal Proposta 26 (de fevereiro de 1991). 

Durante a década de 1990, as publicações do Programa Radis acompanharam tanto a consolidação da nova estrutura da saúde quanto as crises de financiamento e as disputas em torno do SUS — como as tentativas de emenda constitucional para favorecer setores privados e as dificuldades impostas por um orçamento limitado. Houve também importantes avanços, como a criação do Programa Saúde da Família (em 1994, depois chamada Estratégia Saúde da Família, que completou 30 anos em 2024) e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), entre outros.

A partir de 2002, com o lançamento da revista Radis, a trajetória do SUS e de seus principais desafios e conquistas continuou sendo acompanhada, de forma contínua, na revista mensal.

Os princípios do SUS

Em sua redação, a lei 8080 estabelece os norteadores que ficaram conhecidos como princípios do SUS: universalização, equidade e integralidade. Nas páginas de Radis (tanto nas publicações anteriores a 2002, quanto na revista), vimos cada um desses princípios serem abordados e todas as mudanças pelas quais o sistema de saúde brasileiro passou ao longo dos anos, incluindo as tentativas de desmonte e a escassez de recursos, principalmente nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

“Com a instituição do SUS, a saúde tornou-se um direito de qualquer cidadão brasileiro, independentemente de raça, renda, escolaridade, religião ou qualquer outra forma de discriminação, e um dever do Estado brasileiro em prover esses serviços”, diz o texto do verbete Universalidade, escrito por Gustavo Corrêa Matta para o Dicionário da Educação Profissional em Saúde (EPSJV, 2009), citado pela reportagem “Universalidade: o necessário resgate de um sentido perdido”, da edição de Radis 127 (abril de 2013). 

A capa dessa edição tornou-se emblemática por trazer um copo de água pela metade com o nome do SUS, acompanhado da frase: “A gente quer por inteiro e não pela metade”. A matéria abordou a universalidade do SUS colocada à prova diante da ameaça da mercantilização da saúde. 

Outro marco sobre o tema foi a capa “Tamanho Universal” (Radis 219, dezembro de 2020). No contexto da pandemia de covid-19, em meio à crise sanitária, a existência e a defesa do SUS foram enaltecidas. Mesmo diante dos cortes e do desfinanciamento, o sistema garantiu acesso à saúde para a população, reforçando sua relevância. O SUS é reconhecido como o maior sistema público universal de saúde do mundo, atendendo mais de 200 milhões de pessoas.

O princípio da equidade também ganhou espaço nas páginas da revista, que mostrou a importância de reduzir as desigualdades de acesso à saúde — como na edição 114 (fevereiro de 2012). O surgimento do Programa Mais Médicos foi uma das propostas para se atender a necessidade específica da falta desses profissionais em determinadas localidades. A edição 134 (novembro de 2013) mostrou médicos atuando em campo, o acolhimento da população local e o aumento do número de consultas nas unidades de saúde. A reportagem também abordou as controvérsias enfrentadas pelo programa, especialmente pela forma de contratação destes trabalhadores.  

Já em outubro de 2021, a Radis 229  destacou o trabalho das equipes do Consultório na Rua, mostrando como o SUS chega a populações historicamente excluídas das políticas públicas. Ao acompanhar a rotina de uma dessas equipes, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a reportagem revela que os profissionais não atuam apenas para fazer encaminhamentos, mas para a oferta de cuidado integral às pessoas em situação de rua.

E por falar em integralidade, esse foi o tema de capa da edição 49, em setembro de 2006, com uma reportagem sobre formação e ensino em saúde. A publicação apresentou o Ensina SUS, iniciativa promovida pelo Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (Lappis), do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O projeto apoiava experiências de ensino e pesquisa voltadas à formação de profissionais orientados pela integralidade. À época, a coordenadora do Lappis, Roseni Pinheiro, ressaltou a dificuldade de um único profissional dar conta de todas as demandas, reforçando a importância do trabalho integrado: “Os saberes em saúde não estão isolados, nem são universais ou mesmo definitivos”.

Muitos desafios, mas o SUS vai além

A emblemática capa da edição 127 de Radis (abril de 2013), já mencionada anteriormente, mostrava um copo pela metade — uma metáfora dos desafios enfrentados pelo SUS quase 23 anos após a promulgação da Lei Orgânica da Saúde. A reportagem apontava problemas que afastavam o sistema de seu projeto original, como o subfinanciamento, os processos de privatização, o enfraquecimento do controle social e o predomínio da assistência em detrimento da concepção integral e ampliada de saúde. Vários especialistas em saúde pública analisaram o que seria necessário para reverter esse cenário.

No entanto, o contexto se agravou e, em 2016, chegamos na edição 169 em que temos o copo rachado, uma forma de mostrar simbolicamente as dificuldades enfrentadas pelo SUS, que passou do subfinanciamento para o desfinanciamento, com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 que congelava os gastos com saúde e educação. Poucos anos depois, ao final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2018-2022), a situação chegou ao limite, como retratou a reportagem “O SUS na UTI” (edição 245, fevereiro de 2023), que traçou um panorama do desmonte sofrido pelo sistema.

Apesar das adversidades, o SUS se manteve presente e essencial. Desde sua criação, o sistema travou batalhas para sobreviver, mas permanece mais próximo da vida das pessoas do que imaginamos, como mostrou a reportagem de capa da edição 104 (abril de 2011), em que os próprios usuários desconheciam o tamanho do SUS. Após a pandemia de covid-19, como ressaltado anteriormente na edição 219, essa percepção mudou: mais brasileiros passaram a reconhecer o sistema como imprescindível para o país. Ao longo de suas páginas, Radis vem documentando a trajetória do SUS em diferentes frentes: da vacinação (edições 224 e 262) à Estratégia de Saúde da Família (edições 51, 183 e 267), além de inúmeros outras abordagens que destacam serviços, desafios e conquistas em que o SUS, os profissionais e os usuários foram os protagonistas.

O que diz a Lei 8080 (1990)

Para garantir o que estava previsto na Constituição de 1988 — que reconheceu a saúde como direito de todos e dever do Estado —, a Lei 8.080 não apenas deu nome ao Sistema Único de Saúde (SUS), como também definiu sua estrutura e organização:

  • Objetivos e atribuições: a lei estabelece funções como a identificação e divulgação dos fatores determinantes e condicionantes da saúde; a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica; e a formulação e a execução da política de sangue e seus derivados
  • Princípios do SUS: nela estão expressos os conceitos de universalidade, integralidade e equidade, sendo:

1) Universalidade: garante o acesso de todas as pessoas aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência

2) Integralidade: prevê um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, em todos os níveis de complexidade

3) Equidade: embora a lei use o termo “igualdade”, o princípio se traduz no atendimento conforme as necessidades de cada pessoa, assegurando a oferta de serviços e recursos de forma justa

  • Estrutura e funcionamento: a gestão é descentralizada e regionalizada. A nível nacional, cabe ao Ministério da Saúde; nos estados e no Distrito Federal, às Secretarias Estaduais de Saúde (ou equivalentes); e nos municípios, às Secretarias Municipais de Saúde
  • Assistência privada: é permitida, mas deve seguir princípios éticos e regulatórios definidos pelo SUS, respeitando normas sobre condições de funcionamento
  • Financiamento: a lei também trata da gestão e aplicação dos recursos destinados ao sistema

Atualizações: ao longo do tempo, a Lei 8.080 recebeu complementações, como a Lei 14.572/2023, que instituiu a Política Nacional de Saúde Bucal no SUS. Apesar de a saúde bucal já estar presente desde 2004, com o programa Brasil Sorridente, sua inclusão formal na Lei Orgânica garante a obrigatoriedade da oferta de assistência odontológica pública

Atenção humanizada

Em 2025, uma nova atualização da Lei 8080 estabeleceu que a atenção humanizada passa a ser um princípio no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), com a Lei 15.126 (abril de 2025).

Sem comentários
Comentários para: Lei 8080: a saúde depois do SUS

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anexar imagens - Apenas PNG, JPG, JPEG e GIF são suportados.

Leia também

Próximo

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis