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Maceió afunda em lágrimas, diz a frase pintada em uma rua do Pinheiro, um dos cinco bairros que perdeu vida em consequência de impactos econômicos, sociais e ambientais provocados pela extração irregular do sal-gema pela Braskem. Desde o aparecimento das primeiras rachaduras, em 2018, 60 mil pessoas deixaram suas casas, o equivalente a quase 6% da população da capital de Alagoas, e 14 mil imóveis foram desocupados. 

Além do Pinheiro, foram atingidos os bairros do Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do  Farol, segundo dados do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). O desastre provocado pela Braskem é muito mais profundo do que se vê nas crateras, registrou a Carta Capital (7/12). A cidade enfrenta o maior crime ambiental urbano em curso no mundo com a conivência e a omissão de instâncias públicas. Houve conivência da ditadura civil-militar, nos anos 70 e 80, e de todos os governos estaduais e municipais eleitos desde então, além da anuência dos órgãos ambientais de fiscalização, como salientado pelo Observatório da Mineração. 

Documentos técnicos analisados pelo observatório (21/12) mostram que, pelo menos desde novembro de 2019, a Agência Nacional de Mineração aponta o risco de colapso de todas as cavidades da petroquímica em Maceió. 

O número de pessoas impactadas deve passar de 200 mil. Em conversa com o site Brasil de Fato (1/12), Rikartiany Cardoso, pesquisadora e mestranda em direitos humanos, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e moradora de Maceió, disse que a realidade local é de “crimes, no plural” e violações, que atingem não só a população, mas também o ecossistema, o mar e as lagoas da região.

Representantes das vítimas da atividade de exploração criticaram os acordos fechados por órgãos públicos com a mineradora, em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados sobre os impactos ambientais da atividade da empresa. Segundo a Agência Brasil (1/12), eles afirmaram que os moradores das áreas que tiveram o solo afundado não foram ouvidos durante as tratativas e aderiram aos acordos por se encontrarem em situação de vulnerabilidade.

As indenizações são desproporcionais à tragédia e foram negociadas diretamente pela empresa com cada família. A secretária da Fazenda de Alagoas, Renata Santos, discorda da negociação com 15 mil famílias afetadas. “Acreditamos que o dano moral deve ser estabelecido por pessoa. E ainda temos de incluir as indenizações dos cerca de 10 mil moradores das novas regiões que também estão afundando”, disse (Metrópoles, 10/12).

Após os acordos, a empresa se tornou a dona da área afetada de quatro bairros. É isso mesmo que você leu. Segundo o site Observatório da Mineração, são 3 quilômetros de orla lagunar e 300 hectares de área urbana, uma chacota considerando que a Braskem se tornou a beneficiária do crime cometido. Ainda, o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (Muvb) aponta que novos estudos indicam que o solo da capital alagoana continua afundando, mostrando a limitação do Mapa de Risco elaborado pela Defesa Civil de Maceió, no qual se baseiam as indenizações.

“Existem aspectos subjetivos envolvidos. As pessoas que deixaram suas casas, e aquelas que terão de deixá-las, estão sendo psicologicamente afetadas. E isso acontece de forma severa. Até agora, ninguém olhou com cuidado para esse tema”

Renata Santos, secretária da Fazenda de Alagoas (Metrópoles, 10/12)

— Foto: Agência Brasil.

O que é sal-gema?

Sal-gema é diferente do sal marinho, que tem uso culinário. Ele é usado na indústria química para a fabricação cloro, soda cáustica e bicarbonato de sódio, e em indústrias de papel, sabão, detergente e pasta de dente, entre outros. O mineral é encontrado por meio da perfuração de poços em rochas situadas em até 1,2 mil metros de profundidade. Após o sal ser extraído, os poços são preenchidos com uma solução líquida para manter a estabilidade do solo, o que não ocorreu.

Racismo ambiental

Pessoas de baixa renda são a maior parte das vítimas, e há denúncias de racismo ambiental. Proprietários dos imóveis desocupados às pressas perderam casa, vida e história. A Braskem fez acordos diretos com as famílias, que não cobrem os prejuízos individuais. As vítimas pedem respeito por parte do poder público e da mineradora e indenizações justas. Em janeiro, um acordo com a Prefeitura de Maceió ressarciu o município em R$ 1,7 bilhão e a Braskem se tornou dona das áreas públicas nos bairros atingidos pelo crime ambiental, publicou o site da Veja (27/09). A Agência Pública sinalizou que a empresa poderá ser indenizada se a área for recomprada pelo poder público. “É um escândalo”, disse Renata Santos, secretária da Fazenda de Alagoas, em entrevista ao Portal Metrópoles, em 10/12.

Polícia Federal 

A Polícia Federal deflagrou a operação “Lágrimas de Sal” e recolheu documentos na Braskem. Foram cumpridos 14 mandados judiciais de busca e apreensão em Maceió, Rio de Janeiro e Aracaju. A PF diz que os investigados poderão responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de poluição qualificada, usurpação de recursos da União, apresentação de estudos ambientais falsos ou enganosos, inclusive por omissão, entre outros delitos (Agência Brasil, 21/12). Luciana Paiva Barbosa, superintendente da PF em Alagoas, disse que a operação da empresa estava em “discordância entre o que foi realizado efetivamente na mina e aquilo que estava na autorização dada à empresa” (Terra, 21/12).

— Foto: Gésio Passos / Agência Brasil.

Problemas em todos os níveis

A secretária da Fazenda de Alagoas, Renata Santos, elencou alguns problemas enfrentados, entre eles, o Hospital Escola Portugal Ramalho, hospital psiquiátrico público de Alagoas, está em área atingida e parte dos pacientes foi removida. O Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (Cepa) estava sendo monitorado; o Estado teve que alugar seis escolas e remanejar toda a malha de transporte escolar; existem riscos para a Estação de Tratamento de Água (ETA) Cardoso, que abastece 400 mil pessoas; houve o bloqueio de uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que circulava na região, aumentando os problemas de congestionamento e poluição em determinadas artérias viárias (Metrópoles, 10/12).

Crime que se repete

Tal como em crimes anteriores, a Braskem ignorou os alertas de especialistas e só interrompeu a extração após a emergência pública. Radis acompanhou o mesmo descaso em matérias especiais ocorridas em Minas Gerais. Em Mariana, o rompimento da barragem da Samarco, em 2015, resultou em uma onda de rejeitos que atingiu 663 km de rios e devastou 1.469 hectares de terras. Em Brumadinho, o rompimento de uma barragem da Vale do Rio Doce foi o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século.

Primeiros sinais

Rachaduras em edifícios e crateras nas ruas começaram a aparecer no início de 2018. Nesse ano, houve um terremoto de magnitude 2,4. Em maio de 2019, com a confirmação do problema, a empresa começou o trabalho para fechamento e estabilização do solo que, segundo especialistas, levaria ao menos 10 anos (G1, 5/12). Em novembro de 2018, o assunto chegou às manchetes da mídia nacional e não teve acompanhamento na cobertura, como geralmente ocorre com casos ocorridos fora do Sudeste. O assunto voltou a aparecer na mídia nacional quando a prefeitura de Maceió decretou estado de emergência pública por 180 dias em virtude do risco de colapso de uma das minas, em 29/11/2023, cinco anos após os primeiros sinais.

Fique por dentro

Histórias do Subsolo, de Eduardo Liron, Evelyn Gomes e Glauber Xavier é um documentário interativo com conteúdos multimídia (textos, vídeos, áudios, imagens, documentos e links externos) compilando a história e os documentos do Caso Pinheiro/Braskem, até 2022. Em A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió, o diretor Carlos Pronzato reúne depoimentos de moradores expulsos de suas casas, pesquisadores, pequenos afetados, técnicos da Defesa Civil e pessoas chave envolvidas no caso. Já Aqui fomos felizes, de Marlom Meirelles, traz relatos que humanizam a tragédia que a Braskem, os órgãos de controle e o poder público insistem em ver como um fenômeno contingente e casual. O mini-documentário Braskem: O sal de nossas lágrimas apresenta uma conversa com trabalhadores e moradores da cidade, a maioria deles afetados diretamente pela tragédia provocada pela Braskem por sua atividade predatória de exploração do sal-gema na região.

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