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Laura Ferreira, do quilombo Ribeirão da Mutuca, território de Mata Cavalo, afirmou que a COP foi um momento importante para mostrar ao mundo que os povos e as comunidades tradicionais “têm inúmeros saberes, ciências e costumes que precisam ser disseminados”. 

“A nossa relação é de preservar o que temos dentro dos nossos territórios. A comunidade sempre interagiu com a natureza, respeitando, cuidando e preservando. A natureza tem vida, tanto é que quando vamos tirar alguma árvore, sempre pedimos licença. A gente constrói nossas roças em forma de rodízio, para não devastar as matas. A natureza oferece o ar que a gente respira, o alimento, o fruto. Então, a gente tem que cuidar. A natureza cuida da gente e a gente cuida dela”, destacou.

Na avaliação da ativista, de alguma forma, o encontro serviu para levar as demandas dos quilombolas, tornando-as visíveis. “Uma das grandes demandas levadas foi a questão das violências e do racismo perante as comunidades quilombolas, que muitos defensoras e defensores dos direitos humanos e da Terra estão recebendo por defender aquilo que é o bem mais precioso, não somente para nós quilombolas, mas para o Brasil e o mundo, que é ter nossa natureza saudável”, ponderou Laura, ao frisar que também foi um momento para mostrar que há povos tradicionais vivendo nos principais biomas mato-grossenses. 

“Interagimos com outros atores e países e mostramos que no Cerrado e no Pantanal não temos só fauna e flora. Temos seres humanos que habitam esses espaços, de onde advém toda a sua cultura e tradicionalidade”, disse a quilombola. “A sociedade precisa saber quem somos nós, onde estamos e o que necessitamos. Nas queimadas do Pantanal, muitas vezes, a gente dá muita ênfase aos animais, mas é preciso dar ênfase às pessoas que ali habitam”.

As retireiras do Araguaia

Por sua vez, a retireira do Araguaia, Lidiane Taverny Sales, do território Mato Verdinho, no município de Luciara, destacou que a participação dos povos tradicionais é de extrema importância. “Esses espaços de discussões e decisões sempre nos foram negados”, comentou. Segundo ela, são populações que atuam diretamente no enfrentamento às alterações climáticas com seus modos de vida e tecnologias socioambientais.

Para Lidiane, participar da COP 28 é tornar visíveis os modos de ser e de viver das pessoas retireiras do Araguaia, que abrangem práticas sustentáveis e que conservam o meio ambiente. “Marcar nossa participação é mostrar para o mundo que existimos e somos detentores de saberes e tecnologias capazes de frear essa dura realidade das alterações climáticas, que afetam diretamente as classes menos favorecidas economicamente”, afirmou.

Segundo ela, o Mato Grosso é diretamente afetado pelas mudanças climáticas. “Não há como negar a realidade que vivemos hoje. Pessoas estão morrendo pelo extremo calor, presenciando a maior seca da história do rio Amazonas. O fato do Mato Grosso ser o maior exportador de grãos contribui bastante para o desmatamento e invasão dos territórios tradicionais”, apontou. Lidiane lembra que os impactos não ocorrem somente nas áreas desmatadas, pois os povos tradicionais sofrem com essas alterações. “Presenciamos queimadas descontroladas, calor extremo, seca de lagos e rios, perda da produção sustentável familiar nos territórios”, concluiu.

Racismo ambiental

Se não somos responsáveis pela devastação planetária, será justo que fiquemos com os principais prejuízos causados por ela? Todo mundo que estava no evento sabia o mantra: os que menos causam impactos ambientais, devastando o planeta, são uma imensa parcela da população mundial, pobre e excluída do acesso a bens e serviços fundamentais, como água encanada, saneamento básico, educação, alimentação, trabalho formal, hospitais e serviços de saúde. 

Os que mais causam devastação à natureza são uma pequena minoria, representada por grandes produtores e empresários de todos os ramos, que incluem o belíco e o alimentício e a expropriação sem limite da terra e das pessoas em benefício próprio. 

Por outro lado, a população pobre e excluída é a que mais sofre com as mudanças climáticas e as injustiças ambientais. Já a população minoritária que mais impacta é a que menos sofre esses efeitos, pois tem condições e anteparos físicos e estruturais. Em síntese: este é o conceito de racismo ambiental. 

Inserção do tema saúde nos debates climáticos

Entre todos os debates da COP 28, uma notícia veio em hora boa, ainda que tardia: finalmente os “iluminados” da organização da COP inseriram o tema da saúde nos debates das mudanças do clima, no entendimento de que os prejuízos causados pela injustiça climática e ambiental acabam impactando profundamente a saúde das pessoas e os sistemas de saúde.

CEPCT-MT

O Comitê Estadual de Povos e Comunidades Tradicional de MT é um colegiado representativo que atua pela valorização, proteção e defesa dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do Estado. O órgão coordena a melhoria das políticas públicas que beneficiam os PCTs e responde aos seus anseios e necessidades. Seu compromisso é com o reconhecimento e o respeito às diversidades, à identidade cultural e à sustentabilidade desses povos e comunidades, favorecendo toda a sociedade mato-grossense. Em sua composição, integrantes de diversos segmentos de PCTs e do Poder Público têm participação igualitária.

A visão da educação ambiental

Sinegerticamente, coorientei de maneira informal e fui banca de uma tese de doutorado no Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Artes (GPEA) no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que tratou justamente dessa relação entre povos ciganos e as questões climáticas. Defendida por Priscilla Amorim, com o tema “Ciganos Kalon: Pássaros Livres Entre Voos e Pousos na Emergência Climática e Educação Ambiental”, no dia 14 de dezembro, dois dias depois de encerrar a COP 28, a tese comprovou de maneira científica algumas destas percepções que compartilho no texto.

Colaboração especial para Radis.
Aluízio de Azevedo é jornalista, pós-doutorando do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e cigano Calon
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