Espécie que reflete a consciência cósmica. Estes somos nós, para o humanocentrismo do físico Marcelo Gleiser. Um mergulho no universo, e nos arriscamos a entender de onde viemos e para onde vamos. Proposta ambiciosa, mas inevitável diante da natureza que nos invade os sentidos e nos coloca necessidades. Parte desse esforço está vivo na Ciência e, orgulhosamente, na nossa Ciência. Podemos espiá-lo na série “Cientistas Brasileiros”, que estreia neste dia 25 no Curta!, canal de TV disponível nas principais operadoras por assinatura do país.
Dividida em cinco episódios de 50 minutos, a série documental com direção de Rodrigo Grota reúne histórias, contribuições e, quando possível, relatos em primeira pessoa da Ciência feita por brasileiros — mas que ultrapassa os limites do Brasil. Falas de especialistas e colegas de profissão, incluindo a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, ajudam a dimensionar o impacto do trabalho que deixa a mente de seus inventores e entra para a nossa história comum. Vez ou outra, tangenciando a ficção, atores dão vida às personalidades cujas palavras já não podemos mais ouvir. A cada episódio, um nome.
Viajando no tempo, começamos no século 17, com o padre Bartolomeu de Gusmão, um dos pioneiros da aeronáutica; depois, visitamos o médico e sanitarista Oswaldo Cruz na transição do século 19 para o 20; até que aterrissamos na contemporaneidade e acompanhamos a psiquiatra Nise da Silveira, a astrônoma Rosaly Lopes e o físico Marcelo Gleiser.
Além do trabalho de cada um, a série nos oferece um panorama do caminhar da Ciência ao longo dos anos: desde o engatinhar, quando tentava extrapolar os limites dos mosteiros religiosos, e, depois, já firme nos dois pés, ao ganhar prestígio e adentrar as salas das instituições — não sem enfrentar percalços, como os movimentos de oposição, que ainda dificultam o seu andar. De bruxos a conspiradores, quem faz ciência continua a ser acusado de ser alguma espécie de inimigo público.
Nesse sentido, a transparência que a série confere à rotina dos cientistas ganha importância extra: a de prestar contas à sociedade e, em especial, à parcela mais distante do meio acadêmico e da pesquisa.
Nos casos mais recentes, da astrônoma Rosaly e do físico Marcelo, somos apresentados aos corredores dos institutos, aos colegas de trabalho e à bagunça dos livros, acumulada sobre a mesa. A banalidade da rotina contrasta com a imponência arquitetônica dos centros e entidades internacionais, como a Faculdade de Dartmouth, em New Hampshire, e os laboratórios da Nasa, na Califórnia, ambos nos EUA.
O olhar da câmera, tão curioso quanto o nosso próprio, admira os quadros nas paredes dos escritórios. Quase sempre estático, revela também ambientes e cenários que, ora servem para dar boas-vindas ao personagem principal, ora nos introduzem a temas mais amplos, que, longe de se restringirem ao cientista brasileiro da vez, revelam ambições e angústias de toda a humanidade.
O episódio que melhor exemplifica esse uso peculiar da imagem é o terceiro, da psiquiatra Nise da Silveira. Se até agora, viajávamos apenas no tempo, nesse episódio, Ciência e Arte, quase como uma provocação, a série nos convida para um passeio pelo inconsciente.
Em cima do palco de um teatro vazio, cadeiras, um vaso de planta e um abajur “levitam” no ar, presos por uma corda. Do chão, móveis de madeira e a estrutura de ferro de uma cama, apenas parcialmente apoiados, parecem tentar alcançar aquilo que está suspenso.
Juntos, lembram um escritório médico tradicional — ou, ao menos, o fizeram em algum momento, quando ainda não eram móveis levitantes. Parecem insinuar que não estavam satisfeitos com a condição instituída de objetos. A sensação de estranhamento é embalada pelos monólogos da atriz Simone Iliescu, que interpreta textos escritos a próprio punho por Nise. Simone participou das séries Assédio e Maysa: quando fala o coração, da TV Globo.
A presença da atriz substitui em parte os relatos e análises profissionais que dão forma aos demais episódios. Aqui, Simone oscila entre performances mais abstratas, em que simplesmente declama o texto, e outras mais concretas, nas quais parece incorporar Nise da Silveira, sem que os monólogos sejam abandonados. Ela encara o teatro vazio, semi-iluminado, e ele a encara de volta.
Mas, tal como a própria Ciência, a série também tem métodos mais práticos de mostrar a que veio. Com fotografias e documentos históricos, por exemplo, entendemos como Oswaldo Cruz e as equipes de pesquisa da época, com suas viagens de campo, foram responsáveis por levar os mais variados serviços até o interior do país, desde meios de transporte até, claro, saúde.
Oswaldo não era muito fã de política, um dos especialistas contou. Mas o médico descobriu que nada conseguiria sem ela, sem as articulações que lhe são próprias, sobretudo, em um país desigual, múltiplo e de dimensões continentais como o nosso. Nesse ponto, a série se mostra atenta à desvalorização histórica dos cientistas e dá um quase puxão de orelha ao relembrar momentos em que abrimos mão do pioneirismo por desinteresse estatal.
Não subestimemos ideias inovadoras e não deixemos os nomes de seus donos se apagarem no tempo. Faz parte do nosso dever moral de preservar a vida, diria o físico Marcelo Gleiser.
Foi uma longa caminhada para a Ciência brasileira, ainda sem previsão de chegada. Por sorte, há muita gente ansiosa por se juntar a ela, nas universidades, laboratórios e centros de pesquisa.
A nossa viagem pelos séculos de experimentos e inovações, por outro lado, chega ao fim mais depressa do que gostaríamos, em episódios de 50 minutos
Serviço
Os episódios da série “Cientistas Brasileiros” irão ao ar no canal Curta! semanalmente, às quintas-feiras, a partir do dia 25 de maio, às 23h. O conteúdo também está disponível por streaming no Curta!On.
* Estágio Supervisionado
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