A

Menu

A

Na tribuna enquanto discursava, durante a mesa de abertura da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5ª CNSTT), ladeado por diversas autoridades, como o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernanda Magano, o motofretista e presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativo do Estado de Pernambuco (Seambape), Rodrigo Lopes, não falou apenas por si. 

Naquele momento, Rodrigo representou uma categoria hoje estimada em mais de 2 milhões de trabalhadores — 37 mil desses apenas em seu estado — e alertou para a importância de se avançar em ações que desprecarizem suas condições de trabalho: “Enquanto estamos aqui brigando pelo fim da escala 6×1, os entregadores de aplicativo estão trabalhando 7 dias na semana, 10, 12, 16 horas por dia. E merecem dignidade e respeito”, declarou.

Hoje, aos 36 anos, Rodrigo lidera um movimento que ganha cada vez mais corpo e unidade, embora ainda enfrente resistências: “Não é fácil e nunca vai ser, porque faz parte da luta”. Órfão de mãe com apenas 2 anos, ele sofreu ainda o abandono paterno e foi criado por uma prima de sua mãe. Como ainda é realidade de muitos, o trabalho entrou cedo em sua vida. Aos 12 anos, já carregava e descarregava caminhões de frutas e verduras em Peixinhos, bairro de Olinda (PE), para ajudar no sustento de casa.

Aos 18, trabalhou como gari em sua cidade, durante 11 meses — tempo suficiente para tirar sua habilitação e financiar a primeira moto, o que lhe abriria novas oportunidades. “Quando comprei a moto, por volta de 2009, comecei a entregar currículos e fui chamado para trabalhar em uma empresa terceirizada, em Recife, fazendo entrega de mercadorias, farmácia, pizzaria etc. Trabalhei nesse lugar com carteira assinada até 2021”, narra à Radis.

A vida seguia um bom ritmo, até que questões trabalhistas começaram a incomodá-lo a ponto de fazê-lo buscar seus direitos. Rodrigo conta que, em 2014, a Lei nº 12.997/2014, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, passou a garantir o pagamento do adicional de periculosidade de 30% sobre o salário de trabalhadores que usam motos para transporte de passageiros ou entrega de mercadorias. No primeiro momento, Rodrigo comemorou a medida, mas conta que depois o sentimento mudou.

Segundo ele, a empresa na qual trabalhava passou a pagar o adicional por fora do contracheque, como uma ajuda de custo, o que contrariava a lei e impactava nos demais benefícios trabalhistas. “A empresa pagava, mas pagava por fora. E isso pesava no 13º, nas férias, FGTS, numa multa rescisória, INSS, refletia em tudo isso. E eu fiquei indignado”, relata. Ele diz que a partir disso começou a questionar e ser visto como um incômodo.

Anos depois, entre 2018 e 2019, conheceu Edgar Gringo, que também já vinha atuando em movimentos associativos de motofretistas em São Paulo, e foi se conscientizando sobre as lutas coletivas. Até que em 2021 acabou demitido ao tentar alertar colegas sobre a perda salarial que vinham sofrendo e apresentar um cálculo do valor que a empresa estaria lucrando com a manobra praticada há anos. Foi a senha para que Rodrigo passasse a trabalhar como entregador de aplicativo e em seguida criasse o Seambape, naquele mesmo ano.

Rodrigo Lopes é hoje uma liderança na área e se orgulha de outro feito recente: o de ter assinado um artigo científico, em coautoria com pesquisadores do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) estadual de Pernambuco, da Fiocruz e da Secretaria Municipal de Saúde de Recife, realizado a partir dos resultados de uma pesquisa com entregadores. O texto, intitulado “O Cerest como centro articulador de ações intersetoriais: uma experiência com trabalhadores de entrega por aplicativos”, foi publicado na Revista Saúde em Debate, editada pelo Cebes, na edição especial “Saúde do Trabalhador como Direito Humano: rumo à 5ª CNSTT”, lançada durante a Conferência.

Rodrigo Lopes. Foto: CNS

Entregadores reivindicam regulamentação dos aplicativos

Rodrigo e Gringo atuaram juntos em movimentos nacionais, como na mobilização e adesão aos breques dos apps. A parceria da dupla foi reeditada na 5ª CNSTT, em que o primeiro participou como convidado e o segundo esteve presente como delegado, debatendo e votando diretrizes e propostas juntamente com outros dois colegas entregadores, todos eleitos pela 1ª Conferência Nacional Livre dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil, que reuniu mais de 200 participantes. 

Rodrigo diz ter levado um número similar de motofretistas à Conferência Estadual de Pernambuco, chegando a eleger dois membros na delegação do estado. Esses, porém, declinaram da participação por conta do período que teriam de ficar sem trabalhar.

Esse episódio evidencia uma das barreiras para que a participação popular se efetive, assim como a necessidade de se pensar novas estratégias. “Eles foram eleitos, mas não conseguiram vir, principalmente por essa questão do trabalho. Para estar aqui [em Brasília], ficariam cinco dias sem rodar (e sem receber). Daí, eles com dívidas, com problemas, não conseguiram vir”, relata Rodrigo, que disse estar na mesma situação, mas compreender a importância de se fazer presente na 5ª CNSTT: “Eu também estou aqui e estou sem receber, mas eu já tenho uma visão diferente. É um sacrifício que a gente faz pela luta”, declara.

Ele afirma que muitos entregadores em seu estado já estão mais conscientes em relação a seus direitos e convencidos sobre a necessidade de regulamentação das plataformas, mas que esse trabalho foi sendo construído passo a passo, nas ruas e praças: “A gente formou a categoria. Antes, por conta da desinformação e das fake news, quando se falava de regulamentação, a categoria rejeitava, era contra. Agora eles pedem por isso, e vejo que estou no caminho certo”, relata.

Em relação ao trabalho de formação, Rodrigo faz uma crítica aos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), por enxergar um histórico de ausência nessa atuação: “A esquerda esteve 14 anos no poder [antes do atual mandato], o movimento sindical esteve no poder com o Lula. Por que não fizeram a conscientização de base? Acho que a gente precisa debater sobre isso também”, argumenta. 

Edgar Franciso da SIlva, o Gringo. Foto: CNS

Também em conversa com Radis, Edgar Gringo critica o discurso das empresas que contrasta com a realidade vivida pelos entregadores: “Eles falam que a gente vai ter liberdade, que seremos livres, mas a gente vê cada vez mais o entregador trabalhando de 6 a 7 dias por semana, 12 horas por dia, e isso vai passando. Daqui a 2, 3 anos, ele não tirou descanso e está pior do que quando entrou”. Gringo cita ainda os custos de manutenção e riscos dos equipamentos que ficam exclusivamente a cargo dos entregadores.

Na mesma linha, ele também rebate uma comparação que essas empresas costumam fazer usando o salário-mínimo como parâmetro para ressaltar o ganho médio dos entregadores: “A questão é que eles não levam em conta esse patrimônio que a gente coloca à disposição. Eles não podem comparar os entregadores com quem ganha um salário-mínimo, porque quem ganha o salário entra só com a mão de obra, nós estamos entrando com a mão de obra e com o equipamento”, sustenta. “Quem ganha um salário-mínimo trabalha 44 horas por semana, nós estamos trabalhando, às vezes, 76 horas por semana. Quem ganha um salário não exerce profissão de risco e nós sim”, acrescenta.

A 5ª CNSTT teve como lema “A saúde do trabalhador e da trabalhadora como direito humano”. Em agosto de 2020, Radis 215 teve como chamada de capa o título “O trabalho nas costas”, anunciando uma reportagem que abordava muitas das dificuldades aqui tratadas, naquela altura ainda no contexto da pandemia. Ao finalizar sua fala em um dos momentos de interlocução na Conferência, de forma não-intencional Gringo recuperou a ideia trazida naquela capa de Radis. E deixou uma mensagem: “O primeiro mandamento de uma empresa humana é valorizar quem a carrega nas costas”.

Leia também

  • Relatório inédito (Endividamento e precariedade: o retrato do trabalho em plataforma no Brasil) indica que empresas como Ifood, Uber, 99 e outras plataformas zeraram avaliação da FairWork sobre trabalho justo em uma escala que vai de zero a dez. Confira em https://bit.ly/relatoriotrabalhoemplataformanobrasil
Sem comentários
Comentários para: O peso do trabalho nas costas

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anexar imagens - Apenas PNG, JPG, JPEG e GIF são suportados.

Leia também

Próximo

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis