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É na organização do cortejo que ouvimos as primeiras ameaças, em tom de brincadeira: “Eu vou sair, hein. Estou pronto, hein”. Ao redor do pequeno trio elétrico, os corpos se ajeitam: ainda cheirosos e pouco suados, mas já animados. “Não me segura, eu quero ir!”, repete em alto e bom som o intérprete e puxador Binho do Cavaco.

Está na hora de abrir oficialmente o carnaval do subúrbio carioca e do Rio de Janeiro como um todo. Lotado de fotógrafos, foliões entusiastas, moradores da região do Méier e Engenho de Dentro e, principalmente, de profissionais e usuários da rede pública de saúde mental da capital, o Instituto Nise da Silveira ficou pequeno. Chegou a hora. E não há, de fato, quem segure essa multidão.

“Não me segure, meu bem, estou aqui! No Loucura Suburbana, onde vou me divertir”, cantavam em uníssono as ruas do entorno do Instituto no Engenho de Dentro, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A letra é chiclete e foi composta por Adilson Tiamo, músico, compositor, usuário da rede carioca de saúde mental e (mais uma vez) campeão do concurso de sambas-enredos do bloco Loucura Suburbana. Adilson é uma das muitas figuras carimbadas do carnaval de rua conduzido pelos familiares, usuários e equipes profissionais das instituições e Centros de Atenção Psicossocial (os Caps) do Rio de Janeiro. 

Quatro dias antes, lá estava ele, do outro lado da cidade, na Avenida Pasteur, no bairro da Urca, na Zona Sul, levantando um cartaz escrito “liberdade” em letras garrafais. Empolgado para mais um desfile do bloco Tá Pirando, Pirado, Pirou!, Adilson se aproximou da equipe de Radis e pediu uma foto. “Você é estudante de Psicologia?”, perguntou para uma foliã próxima. “Não, faço Letras” “Você tem cara de estudante de Psicologia. Bom, eu faço ciências ocultas e letras apagadas”, brincou. 

A cada ano, da Zona Norte à Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, os blocos de carnaval da saúde mental consolidam e fazem valer as mudanças revolucionárias previstas pela reforma psiquiátrica brasileira, assinada por lei em 2001. Longe do estigma e da violência, os pacientes são tratados com autonomia e respeito, tendo em vista seus direitos como cidadãos e seu valor como indivíduos. 

Trocas de experiência como a da cantora e usuária do serviço de saúde mental, Flávia Cristina, e do musicoterapeuta Diogo Tapler hoje são possíveis: “Quando estávamos vindo para cá, Flavinha me perguntou: ‘Diogo, por que eu não vou para o Caps todos os dias?’ ‘Você queria, Flavinha?’ ‘Eu quero!’”. Do Méier a Botafogo, Radis foi atrás dos cortejos desses dois blocos em busca de entender suas origens e seu impacto na vida dos usuários da rede de saúde mental. Embora sejam os mais antigos, não são os únicos pelas ruas da cidade todo mês de fevereiro: a receita que combina a folia carnavalesca com as boas práticas previstas pela reforma psiquiátrica brasileira se espalhou por Bangu, Jacarepaguá e até para Niterói. Zona Mental, Império Colonial e Loucos pela Vida, respectivamente, vivem sob as mesmas premissas dos seus parceiros: abrir as portas para a liberdade entrar.

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