A

Menu

A

Cena comum em qualquer grande cidade brasileira: sirene em alto volume, luz do giroflex refletindo em prédios, veículos parando abruptamente, ciclistas e olhos atentos até a ambulância passar. Está em ação mais uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192). Todo mundo conhece ou já ouviu falar, muita gente logo pensa em acionar uma de suas equipes quando se vê na iminência de risco ou de alguma emergência. Mas a maioria desconhece como realmente funciona.Quando chamar (e quando não chamar) o Samu? Quem são os profissionais que atuam no atendimento? O serviço é prestado pelo estado ou pelo município? Faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS)? É gratuito? Como funciona o atendimento? Qual a diferença para o serviço prestado pelo Corpo de Bombeiros? Radis visitou a sede administrativa do Samu da cidade do Rio de Janeiro e acompanhou uma de suas equipes de atendimento pré-hospitalar móvel, em julho de 2025 [Leia reportagem] As informações do relato a seguir partem da experiência na capital carioca, certamente úteis para quando você ligar para o número 192.

SUS no menor tempo possível

O Samu integra a rede de Urgências e Emergências (RUE) regulamentada pela Política Nacional de Atenção às Urgências do Ministério da Saúde (MS), prestando assistência pré-hospitalar móvel. É um serviço do SUS, gratuito, hoje presente em 4.143 municípios brasileiros. Funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, e se caracteriza pela “busca precoce da vítima após a ocorrência de um incidente que afete sua saúde, seja de natureza clínica, cirúrgica, traumática ou psiquiátrica”, informa o MS. Parte da constatação de que atendimento e transporte adequados evitam o agravamento da condição da vítima, minimizam o sofrimento, previnem sequelas e evitam óbitos.

A ligação para o Samu 192 é gratuita para qualquer telefone. Na central de regulação, atendentes coletam as primeiras informações sobre as vítimas, identificando dados pessoais, idade aproximada, o motivo da urgência e, principalmente, o endereço, que é confirmado por meio do sistema de georreferenciamento. Eles registram a emergência e encaminham a solicitação aos médicos reguladores, que orientam o solicitante e decidem a ação de socorro que virá a seguir. Se avaliarem necessário, direcionam uma unidade móvel para o local — ambulância, motolância, ambulancha ou aeromédicos, conforme a necessidade e a disponibilidade de cada lugar — no menor tempo possível. No Rio de Janeiro, o serviço não dispõe de ambulancha e nem aeromédico que faça atendimento primário pela aeronave.

Para isso, as viaturas são distribuídas na cidade de modo a otimizar o tempo-resposta entre os chamados da população e o encaminhamento aos serviços hospitalares de referência. Quando chegam ao local solicitado, os profissionais realizam a avaliação clínica da vítima e entram em contato com o médico da Central de Regulação, que define se o paciente será removido ou não, e para qual unidade de saúde de referência mais próxima ele deverá ser encaminhado, caso necessário. Apesar de um rigoroso protocolo, o atendimento pode apresentar pequenas variações, de acordo com os contextos da cidade onde opera, esclarece o enfermeiro Renato França da Silva, integrante do núcleo de qualidade do Samu RJ e um dos guias da visita de Radis à sede operacional do serviço [Veja o fluxo de atendimento no quadro clicando aqui].

Criado e instituído oficialmente no Brasil em 2004 pelo Decreto nº 5.055, o Samu tem financiamento e gestão compartilhados entre governo federal, estados e municípios. Na cidade do Rio de Janeiro, a gestão está a cargo da Secretaria de Estado de Saúde (SES), via Fundação Saúde, desde setembro de 2020. É na sede da Secretaria, localizada no bairro do Rio Comprido, Zona Central da cidade, que a enfermeira Bárbara Alcântara, coordenadora geral do serviço, recebe a reportagem de Radis

Na coordenação do Samu RJ desde 2024, Bárbara trabalha no serviço desde 2016. Coronel do Corpo de Bombeiros, ela está à frente de uma equipe de 2.300 profissionais, de diferentes áreas e formações, que coordenam o atendimento na capital carioca — e que têm a sua disposição 73 ambulâncias, 30 motolâncias e uma aeronave, que realiza o transporte inter-hospitalar (TIH), em cooperação com a superintendência de operações aéreas da SES. 

Ela explica que as ambulâncias se dividem  de acordo com sua capacidade de resposta aos diferentes níveis de complexidade do paciente. As unidades de suporte básico (USB) atendem pacientes de baixa complexidade, com risco de vida desconhecido, não classificado com potencial de necessitar de intervenção médica no local e/ou durante transporte até o serviço de destino. Neste caso, elas operam com um técnico de enfermagem e um condutor socorrista. As USBs também podem ser tripuladas por enfermeiros, quando atendem pacientes de média complexidade, quando estão habilitadas a realizar intervenções intermediárias e avançadas conforme protocolos definidos pela instituição.

Já as unidades de suporte avançado (USA) atendem pacientes de alta complexidade, que necessitam de cuidados médicos intensivos, com recursos para intervenções de suporte avançado de vida, explica Bárbara. Estas viaturas são tripuladas por um médico, um enfermeiro e um condutor socorrista. As motolâncias, por sua vez, operam sempre em duplas: Uma moto tripulada por um enfermeiro, outra por um técnico de enfermagem. Segundo a coordenadora, elas têm o objetivo de acessar mais rapidamente pacientes de média e alta complexidade, sendo capazes de realizar intervenções intermediárias e avançadas, também de acordo com os protocolos já definidos.

As viaturas de socorro são distribuídas estrategicamente em 40 bases descentralizadas, localizadas em diferentes regiões da cidade [Foi de uma delas que saíram os atendimentos acompanhados por Radis, que você pode ler clicando aqui]. Este é apenas um dos desafios que se coloca para a profissional, responsável pela condução de um serviço de urgência que atende uma população que ultrapassa seis milhões de habitantes, segundo o último Censo do IBGE, em que algumas regiões são zonas conflagradas pela violência [Leia entrevista clicando aqui].

Regulação e trotes

Bárbara recebe Radis no prédio onde funciona a central de regulação do Atendimento Pré-Hospitalar (APH) e do Transporte Inter Hospitalar (TIH) [Leia sobre o TIH aqui] e são tomadas as decisões que conduzem os atendimentos realizados pelas equipes que atuam diretamente no socorro às vítimas. É neste ambiente em que atuam os telefonistas auxiliares de regulação médica (Tarm), primeiro elo de comunicação entre a população e o Samu. 

São eles que recebem as quase 2 mil ligações diárias solicitando atendimento, informa Renato Gama, gerente administrativo do Samu RJ. O fluxo de atendimento, esclarece, varia de acordo com muitos fatores, como a ocorrência de um grande evento na cidade, ou mesmo o horário do dia. Segundo ele, em média, o APH, no Rio, contabiliza cerca de 18.598 atendimentos por mês. Para dar conta da demanda, há em média 15 atendentes trabalhando a cada plantão, em turnos de seis horas. Os intervalos de descanso seguem a regulamentação. 

Rute Souza é uma das TARM, atendentes do Samu: preocupação com agilidade não deixa de lado o cuidado com os trotes. — Foto: Adriano De Lavor
Rute Souza é uma das TARM, atendentes do Samu: preocupação com agilidade não deixa de lado o cuidado com os trotes. — Foto: Adriano De Lavor

Empatia e conhecimento

O descanso é importante, porque o trabalho não é fácil. Além do alto número de ligações e do estresse causado pela situação de urgência, os Tarm também funcionam como primeiros “filtros”, para tentar identificar se a solicitação é real ou um trote. A preocupação não é à toa. Das 676.350 mil ligações feitas para o Samu RJ em 2024, aproximadamente 4,6% eram ligações falsas — ou seja, mais de 31 mil eram trotes, conta Bárbara à Radis. Gama explica que os Tarm passam por um treinamento que, entre outras habilidades, oferece “script” de atendimento preparado para detectar rapidamente uma ligação falsa. Geralmente, os profissionais identificam trotes em menos de 1 minuto. Mesmo assim, há os que passam, lamenta Rute Souza, uma das Tarm de plantão, no momento da reportagem, na tarde de uma terça-feira. 

Ela conta que nos nove meses que está na função já identificou trotes, mas destaca a oportunidade de vivenciar empatia. “É um desafio para nós lidarmos com tudo isso, mas também é uma atividade muito gratificante”, diz. Rute lembra quando atendeu a ligação de uma criança, que relatou que a mãe estava desmaiada. A partir das orientações da atendente, a menina conseguiu chamar um vizinho, que passou as informações precisas para a regulação — o que permitiu que uma equipe do Samu chegasse até o local da ocorrência.

Aposentada do mercado de planos de saúde, Rute conta que o novo trabalho a estimulou na volta aos estudos e diz usar sua experiência no Samu em muitos trabalhos de extensão que produz no curso de gestão hospitalar. Ela recomenda, no entanto, atenção com a saúde mental: “Tem que estar em dia”. A atendente relata que escuta de tudo: trotes, surtos, gente que quer conversar, pessoas que ameaçam se matar. “Nossa missão é acalmar a pessoa e reunir os dados rapidamente para que o médico regulador tome a melhor decisão. Afinal, somos um canal de urgência”, assinala.

Rute não está sozinha. Além de outros Tarm e seus respectivos supervisores, trabalham no mesmo andar médicos reguladores, supervisores de área, profissionais de serviço social e rádio-operadores. Profissionais do mesmo setor se sentam próximos, divididos em baias individuais. Em cada uma delas, um monitor interligado a um sistema. O clima de urgência é explícito, embora o ambiente seja surpreendentemente silencioso. 

Além dos monitores individuais, os profissionais também têm à disposição grandes telas, nas paredes, onde estão informações on-line sobre os atendimentos em curso, a localização das ambulâncias, além de estatísticas diversas. Renato França destaca que as informações dispostas, além de orientarem as decisões tomadas, também geram dados epidemiológicos. Um de seus propósitos é estimular os colegas a registrarem sua prática como conhecimento científico. “Essa é uma maneira de tornar mais visível o trabalho do Samu e do próprio SUS”, justifica.

A médica Simone Alves é uma das profissionais que atua na Central de Regulação do Samu RJ: “Intervir na hora certa” é o objetivo. — Foto: Adriano De Lavor
A médica Simone Alves é uma das profissionais que atua na Central de Regulação do Samu RJ: “Intervir na hora certa” é o objetivo. — Foto: Adriano De Lavor

Regulação e agilidade

Alheia à conversa, de olho na tela a sua frente, a médica Simone Alves finaliza um atendimento e traz à pauta a importância da regulação no processo de atenção às urgências. “É intervir na hora certa”, resume, com a experiência de quem também já trabalhou na ponta, como socorrista. Geriatra, ela contextualiza o que defende: Há muitos idosos que ligam para o Samu, indecisos em relação a medicações prescritas. “É necessário ter precisão e dar a orientação certa”, preconiza. 

Há cerca de sete anos trabalhando com urgências, Simone está há três anos no Samu RJ, mas também atuou no serviço em São Gonçalo (RJ) e no Paraná. Também pediatra, sua lembrança mais marcante vem do interior do Rio, quando trabalhava em ambulância e atendeu a um chamado de um parto prematuro. O lugar era íngreme, até hoje ela não sabe como conseguiu chegar até à puérpera, diz, mas conseguiu trazer o bebê ao mundo e levá-lo à maternidade. “Nem sempre a gente encontra de novo com um paciente, mas saber que deu tudo certo, que você fez a sua parte, não tem preço”, justifica.

Simone considera que o Samu é uma parte do SUS que não se vê — “Que se vê, mas não se sabe que é do SUS”, contextualiza — e por isso mesmo celebra ações que promovem a visibilidade do trabalho. O atendimento, a equipe que se desloca à casa de um paciente, a orientação, a conduta, tudo é feito para que se possa deixar a pessoa bem, confortável e feliz. “Para além do que as pessoas enxergam, muita coisa acontece nos bastidores. E isso merece ser mostrado”, afirma. 

Quando chamar o Samu 192 e os Bombeiros 193?

Urgências como infarto, AVC, queimaduras, tentativas de suicídio, afogamentos, crises convulsivas e outros casos com risco de morte, sequela ou sofrimento intenso


Situações como incêndios, desabamentos, salvamentos e acidentes de trânsito com pessoas presas às ferragens


Fontes: Ministério da Saúde/Samu AL

Transporte Inter-Hospitalar também é Samu

Há uma atribuição do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) que pouca gente conhece (ou reconhece). Trata-se do Transporte Inter-Hospitalar (TIH), que consiste na remoção segura e qualificada de pacientes entre diferentes unidades de saúde, seja para tratamento ou diagnóstico. Assim como o atendimento pré-hospitalar (APH), esse transporte também é realizado pelo Samu, a partir de solicitação médica que indica a necessidade de cuidados especializados em outra unidade. No Rio de Janeiro, o transporte é de pessoas que se encontram internadas nas unidades hospitalares sob a gestão da FSERJ.

O TIH possui uma gestão própria e uma central de regulação que controla a logística de todos os transportes, informa à Radis a assessoria de comunicação da SES. Atualmente, conta com 668 profissionais e uma frota de 45 ambulâncias (33 com um médico socorrista, 3 com médico especialista para atendimento de pacientes pediátricos e neonatais, e 9 com enfermeiros e técnicos). A frota fica à disposição 24h por dia, 7 dias por semana. Em 2024, o TIH registrou 33.853 transportes finalizados.  

E como funciona o serviço? Supervisor de TIH no Samu RJ, Reinaldo Leal parte de um exemplo fictício: “Vamos imaginar que um paciente com Traumatismo Cranioencefálico (TCE) dê entrada no Hospital Carlos Chagas — que não tem especialista na área, mas não pode recusar o atendimento”, propõe Leal. O hospital recebe o paciente, o estabiliza e faz uma solicitação para a Central Estadual de Regulação (CER), que busca outra unidade hospitalar que possa recebê-lo e prestar o atendimento especializado. Quando a vaga aparece, a equipe solicita ao TIH uma ambulância para fazer o transporte do paciente, explica ele.

O atendimento no TIH segue fluxo similar ao do APH. Um atendente coleta as informações básicas do paciente e da unidade onde está, assim como detalha sua necessidade (transferência, exame etc.). A solicitação é encaminhada para os médicos reguladores, que checam as informações clínicas do paciente, classificam a prioridade do atendimento, decidem que tipo de ambulância é adequada ao caso. Finalizado o atendimento pelo médico, os dados são salvos no sistema automaticamente e ficam disponíveis para os operadores de rádio, que direcionam uma viatura ao local.

Leal explica que os transportes podem ser de internação — quando o paciente já fica na unidade — ou de avaliação, quando ele pode retornar (ou não) à unidade que fez a solicitação. Tudo vai depender da decisão do especialista responsável pelo atendimento no hospital para o qual o paciente foi direcionado. Enquanto mostra o ambiente de trabalho, ele lembra que no setor também funciona o transporte aeromédico neonatal, realizado em parceria com a Superintendência de Operações Aéreas (Soaer) da Secretaria de Estado de Saúde.

A parceria abrange o atendimento a pacientes Ped/Neo internados em unidades de saúde pública do estado do Rio de Janeiro. O transporte aéreo permite otimizar o tempo de transporte, além de ampliar as opções de unidades em que esse paciente pode ser atendido. São dois helicópteros à disposição do serviço, 24h por dia, com equipe médica e de enfermagem especializada, informa a assessoria da SES. 

Diante de uma tela com muitas estatísticas, Leal mostra os números referentes ao mês de junho de 2025: 3.930 transportes finalizados, 1.524 exames e procedimentos realizados, além de 1.348 internações e consultas. O TIH também é responsável, destaca o profissional, pelo transporte de hemoderivados, para o qual conta com dois carros administrativos, afirma. O quadro de estatísticas proporciona o cruzamento de muitos dados. “São estatísticas em tempo real, que nos ajudam a utilizar melhor nossos recursos”, diz ele, lembrando que, apesar dos números do TIH serem inferiores aos registrados pela APH, o serviço tem características diferentes, já que o trabalho nem sempre se encerra com a chegada do paciente a uma unidade hospitalar.

Contribuinte
As pessoas reagiram a este conteúdo
Comentários para: Por dentro do Samu
  • 23 de setembro de 2025

    Informações super legais !

    Responder

Escreva uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anexar imagens - Apenas PNG, JPG, JPEG e GIF são suportados.

Leia também

Próximo

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis