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Contar filhote de mosquito. Na antiga turma de oitavo ano da Escola Municipal Rodrigo Otávio, que fica na Ilha do Governador (RJ), pegar as larvinhas, com as pipetas, e colocá-las nas Placas de Petri era sempre motivo de confusão — no bom sentido, para a felicidade de Taise Salgado, professora no comando das aulas de Ciências. A bagunça era indício do entusiasmo dos alunos ao receber o Wolbito na Escola, projeto do World Mosquito Program (WMP) em parceria com a Fiocruz para combate à dengue, zika e chikungunya.

Como num laboratório, os estudantes puderam observar as fases da vida do mosquito transmissor, o Aedes aegypti. Infectado com a bactéria Wolbachia, ele não consegue propagar nenhuma das doenças. Já os adolescentes, seguros e animados com a visita inédita, aprenderam as formas de controle biológico das arboviroses — como são conhecidas as doenças causadas por vírus transmitidos, principalmente, por mosquitos —, além dos cuidados tradicionais. No caso do método Wolbachia, os mosquitos adultos que recebem a bactéria são carinhosamente apelidados de Wolbito, o que justifica o nome do projeto. [Leia mais sobre o Método Wolbachia aqui]

Com iniciativas como essa, “a gente muda o pensamento das crianças, e essas crianças são multiplicadores”, avalia a professora Taise. “Pelo menos, a geração deles e as gerações que estão chegando escutam”, afirma. Felizes em compartilhar a experiência com a reportagem, as alunas Dafne Reis e Letícia de Oliveira recordam os dias com o Wolbito em sala. Enquanto Dafne aprendeu que está “ajudando a Ilha do Governador a ter menos casos de dengue, zika e chikungunya” ao entender como funciona o método e apoiá-lo, Letícia teve uma das mais emocionantes memórias escolares criando mosquitos.

Professora Taíse (à esquerda) com a aluna Letícia (ao centro da foto): ciência na prática. — Foto: WMP Brasil.
Professora Taíse (à esquerda) com a aluna Letícia (ao centro da foto): ciência na prática. — Foto: WMP Brasil.

Wolbito na Escola

Após uma visita das equipes de educação e saúde da Fiocruz, que dão explicações mais gerais sobre a experiência e o método Wolbachia, os alunos do projeto recebem uma cápsula com ovos do aedes, todos com a bactéria. A cápsula é aberta em uma caixa apropriada com água e ração, para que os filhotes possam se alimentar. A caixa fica em uma espécie de gaiola chamada bug dorm [do inglês, dormitório de insetos], que, ao invés de ter grades, lembra muito mais um berço. Em cerca de 10 dias, o bater de asas do mosquito já pode ser visto ali dentro.

Até lá, a professora escolhe alguns dias para que a caixa seja aberta e as larvas, contadas. Para isso, são capturadas com as pipetas e colocadas, uma a uma, nas Placas de Petri. Além das mudanças corporais, os alunos podem notar as diferenças entre machos e fêmeas.

Dafne e Letícia se lembram bem desse momento. O mais comum de acontecer, ironicamente, era a perda da contagem, de tanto que os alunos se amontoavam ao redor das placas. “Fazer escala” foi a solução encontrada pela professora Taise para que todos pudessem participar.

A experiência na Escola Rodrigo Otávio aconteceu em 2022, enquanto as adolescentes estavam no 8º ano do Fundamental. Tanto o conteúdo relativo às doenças quanto à produção de soro e vacina e ao próprio método científico puderam ser melhor trabalhados graças à presença do Wolbito em sala, detalha Taise.

“A atividade é adaptável a diferentes níveis de complexidade em função da faixa etária dos alunos e segmento escolar, podendo ser realizado a partir do 4º ano do ensino fundamental”, indica o Guia para Educadores do WMP e da Fiocruz. Já no Ensino Médio, questões estatísticas e variáveis ambientais podem ser mais bem observadas com o experimento. 

Sem matar mosquito

Qual sua atitude imediata, leitor, ao ouvir o menor zumbido se aproximar? Se a reação automática for dar leves tapas na nuca ou no ar, procurando acertar a criatura minúscula que emite o som, é melhor pensar duas vezes caso o seu bairro abrigue os mosquitos do método Wolbachia.

Foi isso o que aprenderam Dafne, Letícia e seus colegas de turma. Felizmente, nem foi preciso tanto esforço assim para convencê-los de que o mosquito com Wolbachia não é inimigo da saúde: o Wolbito teve uma pequena ajuda de uma das matérias favoritas dos estudantes.

Segundo Taise Salgado, Ciências é uma disciplina que costuma despertar a curiosidade dos alunos. Então, atividades práticas como essa tomam emprestado esse entusiasmo. Talvez, os pais é que tenham ficado um pouco mais intrigados.

Taise lembra que chegou a receber alguns pais na escola. “Como assim, esse mosquito faz bem para a gente?”, ouviu. Entendendo a preocupação, mas segurando a mão da Ciência, a professora respondeu: “Confia neles [os filhos], porque eles estão aprendendo com os melhores profissionais.”

O empenho e o interesse dos alunos fazem a professora acreditar que poucas estratégias são tão eficazes para disseminar o conhecimento do que “trabalhar a base”. Com a expressão, Taise se refere ao potencial das crianças e adolescentes de levar o aprendizado para além dos muros da escola. 

É a chance que os pais têm de aprender com os filhos e que a comunidade tem de ouvir seus membros mais jovens. Dafne e Letícia, por exemplo, não escondem que contaram todas as etapas do Wolbito na Escola à família.

Wolbito na Escola: conhecer o mosquito para acabar com a dengue. — Foto: WMP Brasil.

Resgate da Ciência

Além de ajudar a combater as arboviroses, ao acompanhar etapa por etapa a transformação das larvas em mosquito, os alunos passam a entender os processos envolvidos no fornecimento dos serviços que chegam até eles, reforça a professora de Ciências. Assim, tornam-se defensores das políticas das quais usufruem, inclusive, a do SUS e a da educação pública.

“É uma forma de trazer a ciência de volta para a nossa sociedade e desmistificar todas essas mentiras que circularam recentemente”, afirma Taise. A professora confessa, ainda, ter orgulho da rede que foi criada entre ela e os alunos. As relações tecidas no dia a dia da sala de aula são ainda mais significativas em realidades de famílias vulneráveis, nas quais os adolescentes têm questões de autoestima, ela avalia.

Formada em Ciências Biológicas, Taise fica ainda mais contente em saber que as alunas recentes querem ser suas colegas de área. Dafne pensa em ser cientista ou astrônoma. Já Letícia quer fazer Biologia.

Serviço

Outras informações do Wolbito na Escola podem ser encontradas no site. As escolas cujos arredores sejam território de liberação dos mosquitos com Wolbachia e que desejarem receber o projeto podem contatar o WMP pelo endereço brasil@worldmosquito.org.

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