“Agora a igreja está deserta/ A escola, fechada e escura/ Coberta de vegetação estão todas as nossas terras/ Os bosques vazios são duros/ Agora a aldeia, nua como osso/ parece uma concha vazia/ tudo está quieto; e os túmulos sozinhos/ prosperam e tocam o sino”
Alexandre Pushkin (texto lembrado nas pandemias, como um alerta aos que furam o isolamento por razões fúteis)
Quase 400 mil mortes por covid, com mais de 4 mil mortes diárias num país com menos de 3% da população mundial, acendeu o sinal vermelho em muitos países, que já veem o Brasil como ameaça à segurança sanitária no mundo. O país que já foi referência no Programa Nacional de Imunizações (PNI) — que erradicou a varíola, controlou a poliomielite, o sarampo, a meningite e tantas outras doenças que tiraram a vida de milhares de pessoas — regrediu. Regrediu na mesma proporção que nega o consenso científico e se deixa levar por mentiras e espalha a dúvida.
Hoje, o negacionismo que alimenta a mentira criminosa é responsável pela negligência no combate à pandemia, que já mata uma pessoa a cada 20 segundos, no atraso para disponibilizar as vacinas e na insistência em promover tratamentos precoces comprovadamente ineficazes contra a covid-19, quando insumos para intubação e oxigênio já são escassos nos hospitais.
É o mesmo que ignora as origens das opressões e as desigualdades sociais, que resultam em 116,8 milhões de brasileiros que sofrem com a insuficiência de alimento, com o desemprego e a indiferença do Estado, incapaz de prover renda mínima como auxílio emergencial; e de tantos outros que sofrem violências físicas, emocionais e morais em razão da raça, gênero e credo. É o mesmo negacionismo que desmonta estruturas essenciais de Estado, que ignora o provável aumento de mortes em consequência da liberação das armas, que quer “passar a boiada” para permitir o desmatamento e queimadas da Amazônia e outros biomas, a exploração dos garimpos e minério, que não se importa com a destruição dos rios e dos povos que ali vivem.
O Brasil regrediu na medida que aceita ser um pária para o mundo e se distancia da discussão da ciência climática em âmbito internacional e ignora as ações contra o aquecimento global.
Mas o Brasil que regrediu pode ser capaz de avançar. Mesmo com tantas mortes e sofrimento, com a politização da saúde e da vida, os exemplos de empatia de tantos que cuidam de muitos nos hospitais e em casa acende uma luz capaz de mostrar um caminho ainda possível. Como um pacto pela verdade e coerência, que comece por bons exemplos dos dirigentes do país e, assim, oriente uma Política de Estado focada na luta por igualdade e adequadas condições de vida para os mais vulneráveis, desenvolvimento com respeito ao meio ambiente, e sincera união e disposição para superar todos os entraves que vierem pela frente. E um enorme respeito pela vida de cada um.
Radis, nesta edição, traz histórias de pessoas idosas, que vivem asilados em Instituições de Longa Permanência (ILPIs) e que se ressentem do afastamento forçado pela pandemia a que estão submetidos, longe do contato familiar em razão de comporem o grupo de maior risco para a covid-19. O texto aponta também a fragilidade das políticas públicas responsáveis em grande parte por não fiscalizar adequadamente os ambientes das ILPIs, que abrigam essas pessoas idosas mais vulneráveis ao risco de contrair o vírus.
Fotos e histórias captados nos mais distantes lugares do Brasil também estão presentes nesta edição. São flagrantes de uma população que acredita na ciência e na vacina e que chegam em carroças e a cavalo e de braços abertos acolhem os profissionais da linha de frente de um SUS de verdade. Emociona o encontro de quem acolhe e de quem busca levar o que pode salvar vidas. Emociona saber que contrariando todo o negacionismo de quem nega a importância da vacina, o SUS chega onde precisa. Um símbolo forte de resistência. Um SUS que está presente onde há gente, levando doses de esperança.
Boa leitura!
■ Justa Helena Franco, subcoordenadora do Programa Radis
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