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O debate sobre saúde mental esteve historicamente negligenciado nas mais diversas instituições do corpo social. A psicopatologia foi isolada do discurso público, relegada a espaços fechados, escancarando um ocultamento sintomático que evidencia o caráter utilitarista da sociedade. Entretanto, nos últimos anos a inibição em torno do assunto foi dando lugar ao ruidoso surgimento de dados epidemiológicos que fez com que o tema invadisse a coletividade com uma urgência categórica, não sendo mais passível de ser ignorado.

O Brasil, hoje, carrega o peso de ser o país com a maior taxa de transtornos de ansiedade do mundo, o que revela a falência de mecanismos sociais e institucionais que deveriam sustentar o sujeito. Nesse contexto, emerge a campanha do Setembro Amarelo, uma ferramenta de mobilização social com o objetivo de interromper o ciclo de invisibilidade que cercou uma das graves consequências do adoecimento emocional: o suicídio.

A campanha se alinha a esforços globais de prevenção ao suicídio, focando na conscientização, na redução do estigma e na promoção de um debate aberto sobre a saúde mental. No entanto, a proposta do Setembro Amarelo enfrenta o desafio de evitar a simplificação de fenômenos complexos, cujas raízes estão profundamente emaranhadas nas questões sociais, econômicas e culturais. A ansiedade, a depressão e outros adoecimentos emocionais, embora se manifestem individualmente, são muitas vezes desencadeados por contextos de desigualdade, violência estrutural e discriminação.

Neste sentido, a prevenção ao suicídio não pode se restringir a intervenções reativas e/ou pontuais; ela exige uma abordagem integrada que contemple o indivíduo em sua totalidade biopsicossocial. Isso significa garantir acesso universal a tratamentos adequados, mas também fomentar uma arquitetura social que promova um bem-estar transversal, abrangendo as dimensões políticas, econômicas e emocionais.

A promoção da saúde mental exige uma reestruturação das condições que perpetuam o sofrimento. É imperativo ampliar o conceito de saúde mental e entender que, para promovermos o bem-estar, é preciso garantir direitos básicos. O acesso equitativo à educação, habitação adequada, emprego digno, justiça social e a erradicação das diversas formas de violência estrutural são alicerces fundamentais para a promoção de uma saúde mental coletiva.

Para enfrentar esses problemas, é necessário fomentar políticas públicas robustas que combatam as múltiplas causas do sofrimento psíquico. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem um papel essencial, especialmente através dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), mas também carecemos de políticas que garantam a promoção do bem-estar em níveis que precedem o adoecimento. Isso inclui a ampliação de programas voltados para grupos vulneráveis, como a juventude periférica, as mulheres negras, a população LGBTQIA+ e os povos indígenas.

A democratização da saúde mental, portanto, ultrapassa a disponibilização de serviços de qualidade; trata-se de garantir que esses serviços estejam conectados às realidades sociais, culturais e econômicas de cada indivíduo. Políticas públicas inteligentes

precisam reconhecer que o sofrimento psíquico é atravessado por questões estruturais, e que a promoção do bem-estar depende de uma sociedade que enfrente essas desigualdades de forma direta. É imperativo reconhecer que saúde mental não se trata de uma questão exclusivamente individual. O âmbito emocional é também coletivo, e uma sociedade justa é aquela que cria condições favoráveis à saúde psíquica de todos. Portanto, devemos repensar nossas estratégias, tornando-as mais sensíveis às especificidades dos diferentes grupos, promovendo uma conscientização cuidadosa nas redes sociais e fomentando o comprometimento das instituições e da sociedade civil na promoção de um bem-estar integral.

■ Psicóloga e Psicanalista, co-fundadora da plataforma Saúde Mental para Todos. Especialista em Gestão de Projetos Sociais, ela também é mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. Catarina é Diretora Científica da Escola de Saúde Pública do Maranhão e atua como Gestora Pública. Seu trabalho é focado nas dissidências sexuais e populações vulnerabilizadas, tendo como objetivo a democratização da saúde integral.

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