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Conhece alguém que diz que não precisa do SUS? Provavelmente essa pessoa mudaria de opinião se conhecesse melhor o trabalho do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz). A Rede de Laboratórios do INCQS atua como referência nacional na análise e no controle de qualidade de produtos e serviços relacionados à saúde, incluindo alimentos, medicamentos, cosméticos e saneantes. 

Integrada ao Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, essa rede se articula com os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens) dos estados, que são responsáveis pela vigilância laboratorial em âmbito regional. Juntos, INCQS e Lacens formam uma estrutura estratégica para monitorar riscos, responder a emergências sanitárias e garantir que produtos e ambientes que impactam a saúde pública atendam aos padrões de segurança e qualidade exigidos no país.

Ou seja, o detergente que você usa para lavar a louça pode ter sido analisado pelo SUS. A pomada que você utiliza para deixar o cabelo mais bonito também. O teste que você fez para saber se estava com covid-19 na pandemia também passou pelo SUS. Isso tudo porque o Instituto realiza análises laboratoriais de medicamentos, vacinas, alimentos, cosméticos, saneantes, água, produtos para diagnóstico, entre outros.

Atualmente, o SUS funciona como a principal rede de assistência para 76% da população brasileira, mas de uma forma ou de outra está presente na vida das mais de 213 milhões de pessoas que vivem no país. Por ano, são mais de 2,8 bilhões de atendimentos e cerca de 3,5 milhões de profissionais em atuação, de acordo com dados do Ministério da Saúde. 

Mas o SUS vai além da assistência, que é quando uma pessoa precisa, por exemplo, de uma consulta médica ou de uma cirurgia. Por isso, para abordar o princípio da universalidade, nossa reportagem visitou o INCQS, localizado no campus Manguinhos da Fiocruz, no Rio de Janeiro. 

Prevenção também é universalidade: mutirão contra o Aedes Aegypti na comunidade do Amorim, Manguinhos, Rio de Janeiro, março de 2016 – Foto: Eduardo de Oliveira

SUS no controle de qualidade

O INCQS é responsável, por exemplo, pela avaliação e emissão de certificados relacionados à liberação de todos os lotes de vacinas e soros hiperimunes heterólogos, antes de serem disponibilizados pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) e para exportação. 

Esses soros são medicamentos que contêm anticorpos produzidos por animais imunizados, utilizados para o tratamento de intoxicações causadas por venenos de animais, toxinas ou infecções por vírus. No caso das vacinas, até mesmo aquelas que estão nas clínicas particulares são autorizadas pelo SUS, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ronald Silva, chefe do Laboratório de Toxicologia e coordenador do Núcleo Técnico de Cosméticos (NT-COS) do Instituto, explica como funciona um dos testes realizados nas vacinas. “Como a vacina é um produto injetável, na toxicologia, o principal ensaio é saber se aquele produto está contaminado com alguma substância pirogênica, aquelas que podem causar febre na pessoa”, conta.

Ronald Silva é chefe do Laboratório de Toxicologia do INCQS – Foto: Pedro Paulo Gonçalves (INCQS/Fiocruz)

Apesar de bastante raro, o choque pirogênico pode causar, poucos minutos após a aplicação da vacina, febre acima de 39 graus, pressão baixa, calafrios, taquicardia, mal-estar, alteração na irrigação dos órgãos, podendo levar à morte. É considerada uma emergência médica, em que a pessoa deve ser levada ao hospital imediatamente; diferente de uma reação comum à imunização, como febre baixa por um ou dois dias, dor no local da aplicação, sonolência, dor de cabeça leve e fadiga.

“Qualquer erro nosso pode causar um problema sério na população. Então a gente tem esse senso de responsabilidade, essa preocupação, sempre trabalhando com muito critério”, afirma o biólogo, que está no INCQS desde 2006. Ele garante que cada laudo emitido é revisado diversas vezes e passa por vários setores do Instituto. “Tem alguns métodos que no próprio procedimento você tem que repetir três vezes para dar um resultado com confiabilidade estatística”, explica.

Ronald também foi responsável por analisar 28 amostras de pomadas capilares de diferentes marcas, aquelas que causavam cegueira temporária em 2023. Sua equipe avaliou o nível de irritação ocular dos produtos; se eram: irritante severo corrosivo, irritante moderado, irritante leve ou não-irritante.

Sem financiamento não há SUS universal: manifestação contra cortes na saúde pública – Foto: Eduardo de Oliveira

“Com base nos resultados, a gente está ajudando a Anvisa a aperfeiçoar a legislação dessa área para evitar esses problemas no futuro”, afirma. Quando há a comunicação de algum evento adverso à Agência, a vigilância sanitária do município ou do estado recolhe a amostra e encaminha para o INCQS. 

Ronald explica que, naquele período, a Anvisa selecionou os casos prioritários relacionados à cegueira temporária junto com outras amostras que não estavam vinculadas ao prejuízo na visão para o Instituto entender se o problema estava apenas nas pomadas em que houve comunicação de efeitos adversos ou se a questão era mais abrangente e envolvia toda a categoria de produtos. O resultado foi que nem todas as pomadas capilares eram irritantes oculares. 

Já em relação aos preservativos masculinos, o INCQS/Fiocruz realiza essas análises sempre que há demanda regulatória, sanitária ou institucional, abrangendo situações como a avaliação de lotes destinados ao Programa Nacional de IST/HIV/Aids, para garantir a qualidade dos produtos distribuídos pelo Ministério da Saúde; a realização de ensaios exigidos pela Anvisa para registro, renovação ou alterações pós-registro; ações de vigilância sanitária motivadas por denúncias, suspeitas de irregularidades ou monitoramentos; e estudos institucionais vinculados a pesquisas, parcerias e programas específicos.

No caso mais recente da presença de metanol em bebidas alcoólicas, durante novembro o INCQS analisou dez amostras de destilados (cachaça, vodca e gin) que mataram ou deixaram pessoas cegas. Além disso, o Instituto vai receber sangue dos pacientes contaminados e testar a segurança dos medicamentos antídotos à substância.

Anna Maria Barreto Silva Fust, Renata Dalavia Vale, Maria Denise Neves Borges e Lilian de Figueiredo Venâncio são do Núcleo Técnico de Artigos de Saúde do INCQS – Foto: Pedro Paulo Gonçalves (INCQS/Fiocruz)

SUS nos rótulos e produtos de saúde

Renata Davalia Vale, coordenadora do Núcleo Técnico de Artigos de Saúde (NTAS), antes de falar melhor do seu setor, dá uma visão mais geral do trabalho realizado pelo Instituto, que faz também a análise de rotulagem de produtos, verificando se as informações obrigatórias estão em conformidade com a legislação, como a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 429/2020 e a Instrução Normativa (IN) 75/2020, que tratam da nova rotulagem nutricional, mencionando de forma visível se um produto tem, por exemplo, alto teor de sódio, açúcar e gorduras saturadas.

A engenheira química, que trabalha com dispositivos médicos há 19 anos, afirma que a avaliação pode envolver tanto a verificação documental do rótulo quanto a comparação com o conteúdo do produto para garantir que a rotulagem seja clara e auxilie o consumidor a fazer escolhas mais conscientes.

O Núcleo Técnico de Artigos de Saúde (NTAS) é responsável por organizar e encaminhar as análises laboratoriais relacionadas a artigos de saúde, também denominados produtos para saúde ou dispositivos médicos (DM). Entre os produtos estão: seringas, agulhas, equipos (tubos flexíveis para transportar substâncias, como soro, medicamentos ou dietas, de um recipiente para o paciente), luvas, máscaras, catéteres, dispositivos intrauterinos com cobre (DIU) e bolsas de sangue. “A nossa contribuição consiste na análise de produtos nas fases pré e pós comercialização”, afirma. 

A pesquisadora conta que o trabalho de análise pré-comercialização dos DIUs contendo cobre e das bolsas de sangue é de competência exclusiva do INCQS em atendimento às legislações específicas. O objetivo é verificar a conformidade dos produtos com os requisitos estabelecidos. Na análise do DIU, é observado se o dispositivo tem o tamanho correto, se há um fio de cobre, se tem a quantidade de cobre indicada pelo fabricante, se está estéril. 

No caso das bolsas de sangue, independentemente de o serviço ser público ou privado, elas são autorizadas pelo SUS. “Você vai doar sangue, então, precisa de uma bolsa de sangue. Essa bolsa precisa ter um registro e, para ter esse registro, a gente tem que avaliar o produto. A gente tem a visão de todas as bolsas utilizadas no Brasil”, conta Renata sobre o processo de pré-comercialização. 

Na fase pós, o trabalho visa elucidar denúncias ou suspeitas de desvios de qualidade observados em produtos, como é mais comum acontecer. São exemplos de desvios: ausência de partes do produto, presença de sujidades ou contaminação, como aconteceu recentemente com luvas cirúrgicas e de procedimentos, onde também foram encontrados furos, Renata relembra. Os dados produzidos por meio dessas análises e pesquisas servem como evidências técnicas para o aprimoramento da regulação sanitária no país. 

“Na avaliação retrospectiva do nosso trabalho, analisamos em 2024, 32 produtos por 173 ensaios; e, no ano de 2025, até o mês de outubro, 40 produtos foram submetidos a 157 ensaios de controle da qualidade”, contabiliza. 

Registro de Radis em Tamandaré, Pernambuco, em 2017: Programa Mais Médicos ajudou o SUS a ampliar o acesso – Foto: Eduardo de Oliveira

Renata faz questão de mencionar todos os setores responsáveis pelas extensas análises do Instituto: “São feitas análises físico-químicas, toxicológicas e microbiológicas, que envolvem os setores de irritação, pirogênio e LAL (lisado de amebócitos de Limulus); citotoxicidade e genotoxicidade; ensaios toxicológicos; fisiopatologia; de elementos inorgânicos; produtos estéreis e de artigos de saúde, onde se concentra o maior número de avaliações, em torno de 70%”, explica. 

A engenheira química se empolga ao falar sobre como seu trabalho é gratificante: “Eu sou muito feliz em trabalhar com vigilância sanitária, porque quando a gente vai a qualquer serviço médico você vê a dimensão do seu trabalho. Você vê aqueles produtos sendo utilizados, em um momento tão sensível para a população”, observa.

E complementa: “Você vê que pode ajudar. Você é uma formiguinha, mas esse trabalho está contribuindo para a qualidade de vida de uma pessoa com um serviço de qualidade. A gente tem muito orgulho do que faz aqui”, diz. 

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