Gostaria inicialmente de saudar a todas, todes e todos os presentes e realizar os cumprimentos formais me dirigindo ao Presidente Lula e sua esposa Janja, a nossa presidenta Dilma e cumprimento as autoridades ministeriais aqui presentes em nome das minhas colegas excelentíssimas ministras (Ministra Luciana Santos, Margareth Menezes, Esther Dweck, Nísia Trindade, Cida Gonçalves, Ana Moser, Marina Silva, Simone Tebet, Daniela Carneiro e minha companheira nesta cerimônia, a Ministra Sônia Guajajara).
Antes de começar meu discurso, eu preciso agradecer a algumas pessoas.
À minha família, por todo suporte, carinho e cumplicidade, especialmente aos meus pais Marinete e Toinho, ao meu esposo Fred, às minhas filhas, a minha sobrinha Luyara e também a minha irmã Marielle Franco, em nome de quem eu aceitei este desafio. Obrigada por serem minha base e sustentação. Obrigada por toda paciência e cuidado. Obrigada por me fazerem ser a minha melhor versão a cada dia.
Agradeço àquelas que vieram antes de mim, as minhas mais velhas, às minhas irmãs de alma, mulheres negras que seguraram a minha mão desde o dia 14 de março de 2018 e que nunca mais soltaram. Em especial Sueli Carneiro, Lúcia Xavier, Jurema Werneck, Conceição Evaristo, Angela Davis, Vilma Reis, Vanda Menezes, Bianca Santana, Benedita da Silva, Nilza Iracy, Pamella Passos, Fátima Lima, Janaína Cardoso, Marcelle Decothe, Flavia Oliveira, Rachel Barros, Glaucia Marinho, Regina Adami e tantas outras que permanecem comigo.
Agradeço também e saúdo, em nome da minha amiga Talíria Petrone, todas as pessoas, em especial mulheres negras, que se disponibilizaram a seguir na linha de frente da política institucional mesmo depois de tanta dor.
Agradeço ao Padre Gegê e Mãe Leiria que vem me acompanhando e guiando nessa caminhada.
Agradeço à equipe do Instituto Marielle Franco, que sem elas nada teria sido possível nesses últimos 4 anos, e que foram fundamentais, nos ajudando a realizar essa travessia do luto à luta. Além das parceiras e parceiros que nos ajudaram a plantar essa semente, a quem comprimento referenciando aqui os queridos Pedro, Átila, Marcelo, André, Henrique, Carô, Carol Proner e Carol Lourenço.
Agradeço em especial o GT de transição pelo precioso trabalho realizado, em tão curto tempo, e que nos servirá de horizonte para orientar as nossas pautas e ações nos próximos anos.
Agradeço também a equipe com quem tenho trabalhado incessantemente desde antes da posse para construir o Ministério da Igualdade Racial que a população brasileira merece. É uma honra e uma responsabilidade muito grande suceder nomes como Matilde Ribeiro, Martvs Chagas, Edson Santos, Elói Ferreira Araújo, Luiza Bairros e Nilma Lima Gomes, pessoas a quem dirijo a minha mais sincera deferência e admiração.
Quero aproveitar esse momento para apresentar a vocês e saudar nossas futuras secretárias e equipe do ministério: Roberta Eugênio, que assumirá a Secretaria Executiva do Ministério, Flávia Tambor, que topou a missão de ser nossa Chefe de Gabinete, Márcia Lima, que aceitou comandar a Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo, Iêda Leal, que estará à frente da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – Sinapir; e Ronaldo dos Santos, nosso Secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos. A vocês dirijo o meu mais profundo agradecimento por aceitarem o desafio de reconstruirmos e avançarmos com as políticas de igualdade racial deste país.
Por fim, mas não menos importantes, agradeço às pessoas que aceitaram o nosso convite para estar aqui hoje no palco desta cerimônia de posse, que representam o Brasil que queremos construir, com o protagonismo de mulheres, mulheres negras, quilombolas, povos de matriz africana, ciganos, juventudes, favelados e periféricas, povos e comunidades tradicionais.
Desde o dia 14 de março de 2018, dia em que tiraram Marielle da minha família e da sociedade brasileira, tenho dedicado cada minuto da minha vida a lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes de minha irmã. Nesse caminho fundamos o Instituto Marielle Franco, organização que se tornou referência no combate à violência política de gênero e raça e na defesa de direitos de mulheres negras, pessoas LGBTQIAP+ e periféricas.
Os dias desde o golpe contra a presidenta Dilma têm sido difíceis, em especial depois de 2018. Tenho certeza que para todas que estão aqui. Mas em meio a uma política de morte, nossa resposta foi a luta pela vida.
Luta essa que nos trouxe até aquele 1º de janeiro deste ano quando, finalmente, o povo brasileiro subiu a rampa deste palácio, em um gesto marcante que emocionou o mundo inteiro pois passou um recado: quando nosso presidente Lula recebeu a faixa presidencial do povo, colocada por uma mulher negra periférica, mostrou que o caminho para o Brasil do futuro será sim liderado por aqueles e aquelas que há séculos resistem ao projeto violento que fundou esse país.
A cerimônia de hoje guarda um simbolismo muito especial. Depois dos atentados sofridos por esta casa e pelo povo brasileiro no último domingo, pisamos aqui em sinal de resistência a toda e qualquer tentativa de atacar as instituições e a nossa democracia. O fascismo, assim como o racismo, é um mal a ser combatido em nossa sociedade.
O mesmo projeto que permite que as vidraças deste palácio tenham sido destruídas, é o projeto que mata todos os dias pessoas como o catador Dierson Gomes da Silva, da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Combater o racismo e o fascismo parte — também — da luta por justiça, reparação e por democracia.
Precisamos identificar e responsabilizar quem insiste em manter esta política de morte e encarceramento da nossa juventude negra, comprovadamente falida. Assim como estamos identificando e responsabilizando quem executou, provocou e financiou a barbárie que assistimos no último domingo.
Precisamos, enquanto sociedade, ter uma conversa franca e honesta, que países no mundo inteiro já estão fazendo. Encarar a realidade de que essa política da guerra nas favelas e periferias nunca funcionou. Pelo contrário, apenas segue dilacerando famílias e alimentando um ciclo de violência sem fim.
Se o mundo em que queremos viver é um mundo onde todas as pessoas tenham o igual direito e oportunidade de serem felizes, com sua liberdade, respeitando uns aos outros, em paz, harmonia, justiça e dignidade, já passou da hora de pararmos de repetir as fórmulas fracassadas que não entregam nada disso!
E neste ano de 2023, que estamos celebrando 20 anos do primeiro governo Lula, que criou em 2003 a primeira Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil, daremos um passo à frente na institucionalização da luta política antirracista com este Ministério. Trazendo o racismo para o debate público e institucional de um modo até então não vivenciado na política brasileira, uma conquista fruto das mobilizações sociais incessantes que antecederam e culminaram neste momento.
Digo isto porque o sujeito mais importante a quem devo agradecimentos nesta data de hoje é o povo brasileiro, especialmente o povo negro e indígena, que há séculos resistem contra a violência do estado e se articulam para ocupar e permanecer em espaços como este.
Hoje nós possuímos um Ministério da Igualdade Racial no Brasil e gostaria de firmar um compromisso com cada um de vocês afirmando que a tarefa que me foi confiada, de ocupar o cargo de Ministra, será exercida com transparência, seriedade, técnica, combatividade, cuidado, respeito à trajetória e conquistas dos movimentos sociais e muita escuta.
As portas do Ministério da Igualdade Racial estão abertas para que possamos dialogar e construir juntas. Digo essas palavras pensando também nos excelentíssimos ministros e ministras com quem compartilho o desafio da união e reconstrução.
E, para nós, não seria possível falar em reconstrução sem que pensemos na nossa memória e naqueles que nos antecederam, na restauração das conquistas que foram ameaçadas pelos retrocessos dos últimos anos e na reparação, sobretudo, daquilo que ainda não conseguimos olhar com a devida atenção e cuidado.
Após quase quatrocentos anos de escravidão negra, e 133 anos de uma abolição que nunca foi concluída, a população brasileira ainda enfrenta múltiplas faces do racismo que gera condições desiguais de vida e de morte para pessoas negras e não negras no país. Isso não pode ser esquecido e nem colocado de lado.
É lamentável e inadmissível pensar que diante de um dos marcos sociais mais cruéis da nossa história, se não o mais cruel, a escravização de pessoas negras trazidas do continente africano, mediante torturas, estupros, assassinatos e uma série de outras violências, ainda existam pessoas que questionem a importância de um Ministério como o Ministério da Igualdade Racial no Brasil.
Desde o sequestro dos nossos bisavós e tataravós em África, à luta pela garantia de políticas públicas e da existência do Ministério da Igualdade Racial, inclusive no que diz respeito aos recursos orçamentários, temos nos empenhado visceralmente em um projeto de sobrevivência. Projeto este que vai desde o enfrentamento ao racismo científico e suas políticas eugenistas, do branqueamento e da aniquilação da população negra, à desmistificação das narrativas de meritocracia e de democracia racial na sociedade brasileira.
A desigualdade econômica; a fome; a falta e a precarização de emprego; o desmonte de políticas de ações afirmativas; a insuficiência de políticas sociais; o colapso do sistema de saúde; o racismo religioso e ambiental, a violência estatal e o encarceramento são alguns dos exemplos que podemos citar para ilustrar múltiplas dimensões do genocídio da população negra.
Também não podemos deixar de mencionar o negacionismo do último governo federal com relação às políticas de prevenção e enfrentamento à covid-19, bem como o atraso na vacinação, dentre outras questões que culminaram em resultados que atingiram de forma desigual a população brasileira, sendo a população negra a mais afetada. Me solidarizo com todas as pessoas que perderam familiares, entes queridos e amigos em decorrência da pandemia que atravessamos. Cumprimento todos os profissionais de saúde que atuaram na linha de frente desse momento tão duro em nossa história, em especial as mulheres e homens negros que atuam na ponta deste sistema.
Estamos falando de diferenças raciais hierárquicas que instituem condições materiais desiguais de vida e de morte de brasileiros e brasileiras. Não podemos mais ignorar ou subestimar o fato de que a raça e a etnia são determinantes para a desigualdade de oportunidades no Brasil em todos os âmbitos da vida. Pessoas negras estão sub-representadas nos espaços de poder e, em contrapartida, somos as que mais estamos nos espaços de estigmatização e vulnerabilidade.
Apesar de a maioria da população brasileira se autodeclarar negra, é possível observar que os brancos ocupam a maior parte dos cargos gerenciais, dos empregos formais e dos cargos eletivos. Por outro lado, a população negra está no topo dos índices de desemprego, subemprego e de ocupações informais, além de receber os menores salários.
A população negra está mais exposta ao analfabetismo, às piores condições de moradia, sendo inclusive a grande maioria das pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. Os negros também são os que mais são mortos no Brasil, sobretudo vítimas da letalidade policial; e as mulheres negras também são as mais vitimadas por feminicídio e as que mais estão expostas à mortalidade materna e à violência obstétrica.
Os homens e as mulheres negras também correspondem à maior parcela da população carcerária no país, e muitas dessas pessoas estão presas provisoriamente, sem uma condenação formal.
Afinal, de que Estado de Direito estamos falando? Definitivamente, não é esse o modelo de democracia racial que queremos. Como nos lembra a Coalizão Negra por Direitos, composta por mais de 200 organizações negras do país: enquanto houver racismo não haverá democracia.
Reitero o que foi dito no pronunciamento de posse do Presidente Lula: O Brasil do futuro precisa responder às dívidas do passado! E é por isso que em um governo de reconstrução, nós gostaríamos também de falar com os não negros. O enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial é um dever de todos nós. A população brasileira não pode ser onerada com o custo das violações das quais é vítima.
Esperamos poder contar com vocês nessa tarefa de reconstrução em prol de respeito, cidadania, dignidade e igualdade de oportunidades. E, me dirijo especialmente aos demais ministros e ministros cujas pastas não poderiam funcionar sem um recorte pontual e transversal sobre o racismo e a racialidade no Brasil. E, também por isso, o Ministério da Igualdade Racial se coloca à disposição para reconstruir esse novo Brasil coletivamente. O compromisso com a Igualdade Racial no Brasil não pode ser o compromisso apenas deste Ministério!
Às queridas ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, contem com o Ministério da Igualdade Racial para defender nossos povos indígenas e nosso meio ambiente lutando contra o que reconhecemos como Racismo Ambiental e pela justiça climática. Afinal, somos nós quem mais sofremos com as enchentes, deslizamentos e doenças produzidas pelas mudanças do clima.
Às queridas ministras Simone, Esther e ministro professor Haddad, contem com o Ministério da Igualdade Racial, para materializarmos a promessa que o Presidente Lula tanto repetiu ao longo da sua campanha: colocar os pobres no orçamento. Sabemos qual a cor da população mais pobre desse país e trabalharemos incansavelmente para dar dignidade através de políticas públicas ao nosso povo.
Às queridas ministras Nísia Trindade, Margareth Menezes, Ana Mozer, Luciana Santos e ministro Camilo Santana, contem com o Ministério da Igualdade Racial para pensarmos políticas de Educação, Saúde, Cultura e Esporte, Ciência, Tecnologia e Inovação que serão essenciais para garantir o direito ao futuro e à vida digna da população negra brasileira.
Aos queridos ministros Flávio Dino, Silvio Almeida e minha querida ministra Cida Gonçalves Contem com o Ministério da Igualdade Racial para promovermos a verdadeira justiça social, racial e de gênero que esse país precisa alcançar.
A todos os demais colegas ministros, advocacia geral da união liderada por meu colega Jorge Messias, controladoria geral da união por meu querido Vini, secretarias, e demais parlamentares e autoridades aqui presentes, contem com o ministério da Igualdade Racial para impulsionarmos políticas internas e externas que garantam efetivamente a democracia que tanto sonhamos.
Só iremos vivenciar uma verdadeira democracia a partir do momento em que a preocupação com a dignidade da população negra seja também uma preocupação de cada um dos outros ministérios, e esperamos poder contar com vocês para enfrentar este desafio. Só conseguiremos dar uma resposta eficaz às dívidas do passado se trabalharmos juntas.
Reconhecemos a demanda dos movimentos sociais com relação à necessidade de uma institucionalidade própria para a formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes governamentais para a promoção da igualdade racial. Aos movimentos, organizações, sociedade civil, contem com o Ministério da Igualdade Racial para retomar o nosso poder de agência institucional.
Nós precisamos confrontar o esvaziamento e o enfraquecimento das políticas raciais conquistadas e construídas ao longo da história do enfrentamento ao racismo e da promoção da igualdade racial no Brasil. É nossa prioridade lutar pelo fortalecimento e ampliação de políticas que culminem na dignidade da vida do povo negro brasileiro.
E neste dia histórico em que o verdadeiro Brasil toma posse, a partir da caneta de nosso presidente Lula e com o peso de uma luta de gerações pela criminalização do racismo, damos mais um passo no caminho da promoção de reparação e igualdade. Saúdo a todos os juristas, ministros e secretários envolvidos na construção do PL que será assinado agora e que sinaliza um país do futuro sem racismo.
Nos comprometemos aqui também com a revogação dos atos que não reflitam a missão do Ministério da Igualdade Racial e com a promoção de políticas concretas.
- Trabalharemos nos próximos quatro anos para fortalecer a Lei de Cotas e ampliar a presença de jovens negros e pobres nas universidades públicas;
- Buscaremos aumentar a visibilidade e presença de servidores negros e negras em cargos de tomada de decisão da administração pública;
- Relançaremos junto a ministérios parceiros o plano juventude negra viva, que promoverá ações que visem a redução da letalidade contra a juventude negra brasileira e a ampliação de oportunidades para jovens de nosso país;
- Avançaremos em uma articulação interministerial pelo fortalecimento da política nacional de saúde integral da população negra;
- Retomaremos programas que propaguem direitos para comunidades quilombolas e ciganas, incidindo para a regularização fundiária, a infraestrutura, a inclusão produtiva e o desenvolvimento local com direitos e cidadania para estes povos;
- Será, também, a partir da maior estruturação e fortalecimento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial que iremos realizar ações que busquem a equidade racial em diálogo com todos os municípios, estados e órgãos da união.
Essas serão as primeiras medidas de uma longa caminhada para recuperar o que foi destruído e fortalecer e ampliar o legado que vem sendo construído há tantas gerações.
É preciso reconhecer que este país foi sedimentado sob hierarquias raciais, consequências do colonialismo escravocrata, das políticas eugenistas, e das narrativas pautadas na desigualdade racial. Aqui se desenvolveu o “racismo à brasileira”, negando a nossa história e falseando uma memória em prol da farsa da democracia racial. O racismo merece um direito de resposta eficaz e nós gostaríamos de convidar a todas, todos e todes, negros e brancos, para que possamos formular e executar juntas essa proposta.
Nós estamos aqui porque temos um outro PROJETO DE PAÍS: Um projeto de país onde uma mulher negra possa acessar e permanecer em diferentes espaços de tomada de decisão da sociedade, sem ser interrompida ou violentada.
Um projeto de país onde uma mãe de um jovem negro não sofra todos os dias na dúvida se o seu filho vai voltar pra casa porque ele corre o risco de ser assassinado pelo próprio estado.
Um projeto de país onde nossos jovens negros possam ter acesso a educação pública, gratuita e de qualidade, através de escolas, universidades e serviços públicos que lhes permitam sonhar e construir outras possibilidades de futuro.
Um projeto de país em que negros, brancos, indígenas, populações tradicionais, e todas as pessoas independentemente de sua raça, cor, etnia, gênero e sexualidade tenham seus direitos constitucionais garantidos, e sejam tratados com dignidade e igualdade de oportunidades.
Um projeto de país pautado na busca pelo bem viver coletivo, pela melhoria da qualidade de vida e pela garantia da cidadania.
Nós temos um projeto de país e esperamos contar com vocês nessa construção. E é por isso que eu faço esse pedido a toda a população brasileira: caminhem conosco.
Caminhem conosco nessa estrada por onde nossos antepassados caminharam e por onde os nossos filhos e filhas caminharão.
Caminhem conosco até que nosso povo seja verdadeiramente livre, protagonista de sua própria trajetória, acessando direitos, dignidade e uma vida plena com justiça, reparação e felicidade.
Caminhem conosco até que os sonhos de nossas ancestrais se tornem realidade.
Gostaria de encerrar este pronunciamento com um poema muito especial para mim e que representa um pouco de tudo isso que quisemos trazer aqui no dia de hoje:
Vozes-Mulheres — Conceição Evaristo
A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.Ecoou lamentos
de uma infância perdida.A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favelaA minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonânciaO eco da vida-liberdade.
Nós somos essas filhas e não vamos nos furtar à fala e ao ato. Não recuaremos!
Iremos construir o Ministério da Igualdade Racial que a população brasileira merece. Agradeço a cada um de vocês que vieram até aqui, aos que não conseguiram entrar, aos que estão assistindo em casa, na rua, no transporte coletivo, agradeço sobretudo a todas as mulheres negras que construíram esse país no anonimato.
Como diz os versos de uma música considerada um hino para o movimento de mulheres negras, cantada no encerramento o 1º encontro nacional de mulheres negras em 1988, em Valença, no Rio de Janeiro:
África liberta,
em suas trincheiras
Quantas anônimas
Guerreiras brasileiras
mais uma vez
África liberta,
Tem suas trincheiras
Quantas anônimas
Guerreiras brasileiras.
Agradeço novamente a confiança depositada neste projeto coletivo, não chegamos aqui sozinhas e seguiremos juntas reafirmando nosso compromisso em trabalhar dia e noite por um Brasil do futuro com igualdade, justiça e reparação para todas as pessoas.
Vamos juntas.
* Anielle Franco é jornalista e ativista feminista e antirracista, cofundadora do Instituto Marielle Franco após o homicídio da irmã, Marielle Franco, então vereadora no Rio de Janeiro, em 2018.
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