Ex-ministra da saúde do presidente uruguaio Pepe Mujica, falecido em maio de 2025, Susana Muñiz esteve em agosto no Rio de Janeiro para participar do 18º Congresso Latino-americano de Medicina Social e Saúde Coletiva. Atualmente ela é secretária nacional de cuidados e deficiência do Ministério do Desenvolvimento Social do Uruguai. Radis aproveitou o evento para conversar com a ex-ministra, que desde criança quis trabalhar na saúde por se considerar sensível às questões sociais.
Susana iniciou a carreira como médica em um Centro de Saúde de Atenção Primária de seu país, onde tornou-se vice-diretora, no início do governo progressista da Frente Ampla, em 2005. Foi também diretora de 11 hospitais de atenção secundária no interior do Uruguai. Em 2013, o presidente Pepe Mujica (1935-2025) a nomeou ministra da saúde. A médica presidiu ainda a Administração Estatal de Serviços de Saúde, serviço público do Uruguai, que atende atualmente metade da população do país.
No Uruguai, o Sistema Nacional Integrado de Saúde (SNIS), criado em 2007, unificou diferentes prestadores públicos e privados sob um mesmo sistema, seguindo os princípios da universalidade, equidade, integralidade e participação social.
Em 2015, o Ministério do Desenvolvimento Social criou o Sistema Nacional de Cuidados, com o objetivo de garantir o direito ao cuidado a quem precisa e o direito de cuidar com dignidade, como forma de reconhecimento a esse trabalho, realizado, na maioria das vezes, por mulheres. Durante sua apresentação no Congresso da Alames, Susana disse que os principais objetivos desse sistema são desmercantilizar o cuidado (tirar o peso econômico das famílias), desfeminizá-lo (promover divisão mais equitativa entre gêneros) e torná-lo profissional.
Como é o sistema de saúde no Uruguai?
O sistema de saúde no meu país é um Sistema Nacional Integrado de Saúde, ou seja, um sistema público com prestadores públicos e privados. No modelo de financiamento, existe um Fundo Nacional de Saúde, administrado pelo próprio Ministério da Saúde e pelo Ministério da Economia e Finanças, onde são alocadas contribuições de trabalhadores e empregadores. O Estado também financia, assim como toda a população, que escolhe a qual prestador recorrer, e que paga de acordo com o número de habitantes, ajustado também por idade e sexo. Por exemplo, meninos e meninas pagam mais, assim como mulheres em idade fértil e idosos. O sistema opera em todo o país e é um seguro público único e obrigatório. Já estamos no processo de desenvolvimento do terceiro plano nacional de assistência, que está próximo de ser aprovado pelo Presidente da República e pelo Conselho Nacional de Assistência. Nos cinco anos anteriores, houve um governo neoliberal de direita [Luis Alberto Lacalle Pou, entre 2020 e março de 2025], que retirou recursos da assistência. Neste momento, estamos perto de aprovar uma nova lei orçamentária que priorizará essas duas áreas.
O que o Uruguai pode aprender com o Sistema Único de Saúde brasileiro?
Uma das coisas mais interessantes que aprendi com o SUS brasileiro é a figura do agente comunitário, algo que nunca conseguimos implementar completamente bem. Acho isso maravilhoso.
O que o SUS pode aprender com o Uruguai?
Por exemplo, alguns dos projetos que temos com a Universidade da República. Por exemplo, criamos unidades de ensino e assistência onde o ensino é feito, mas a assistência é prestada ao mesmo tempo. Portanto, alunos de graduação e pós-graduação estudam enquanto prestam assistência. E isso melhora muito a qualidade dos serviços.
O que mudou na área da saúde desde que a senhora começou?
Eu me formei em 1995. Naquela época, embora a Declaração de Alma-Ata já tivesse sido emitida [em 1978] e a atenção primária à saúde tivesse sido discutida, os governos tinham uma concepção muito biológica de saúde, que ainda existe. Essa é, sem dúvida, uma concepção hegemônica, mas não havia sido desenvolvido o conceito de atenção primária à saúde. As populações viviam menos, as taxas de mortalidade infantil e de gravidez na adolescência eram maiores. Os prontuários médicos eram escritos em papel, mas, além disso, os anos 1990 foram uma época de políticas neoliberais e grandes desigualdades na América Latina. Estávamos saindo do que haviam sido as ditaduras fascistas na América do Sul, mas éramos dominados por essas abordagens neoliberais que tiveram uma enorme influência na saúde.
Durante a Alames, a senhora apresentou algumas sugestões sobre política de cuidado, como as redes integradas de serviços sociais e de saúde e a regulamentação do trabalho da pessoa cuidadora, para facilitar o cuidado de populações com menos autonomia. Essas sugestões já estão sendo implementadas no Uruguai?
As ideias que apresentei estão sendo implementadas no meu país e lá existe o Sistema Nacional de Assistência Médica. Há uma lei que consagra o cuidado como um direito e como o quarto pilar da proteção social. Este sistema de assistência funciona bem, com benefícios para populações com falta de autonomia, como crianças, pessoas com deficiência e idosos.
A senhora enfatizou que geralmente são as mulheres que cuidam. Como seria um mundo onde a assistência médica fosse prestada apenas por homens?
Bem, na verdade, a assistência médica foi prestada por homens praticamente até meados do século XX. Embora existissem muitas mulheres, elas eram delegadas por homens. A assistência médica era muito menos empática, muito mais vertical, em que as mulheres que trabalhavam tinham a posição de enfermeiras, mas não as enfermeiras de hoje, mas muito dependentes do poder médico. Era um mundo onde, além disso, se dizia que as mulheres, por exemplo, não morriam de doenças cardiovasculares. Isso porque nunca haviam pesquisado.
Que medidas de curto e médio prazo podem ser implementadas para melhorar a saúde pública no Uruguai?
Desenvolvimento do nível primário de atenção, com a descentralização e a saúde rural, que é algo que praticamente deixou de existir em nosso país. Acredito que precisamos expandir essa cobertura para certos grupos elegíveis para o seguro nacional de saúde. Acredito que precisamos trabalhar muito mais arduamente, com foco em comitês de qualidade e segurança do paciente. E quanto a medidas para regulamentar o trabalho dos cuidadores, sim, existem várias. Estamos trabalhando para que eles atuem nas negociações coletivas. Esses cuidadores são treinados. O Estado paga às famílias que contratam cuidadores, que estão em uma lista compilada pelo Ministério do Desenvolvimento Social com base em sua formação. As pessoas, por exemplo, escolhem quem são os cuidadores e recebem o dinheiro para que possam contratá-los. Mas ainda temos alguns problemas. Por exemplo, quando são demitidos, a pessoa que está sendo cuidada tem que resolver isso e geralmente é alguém mais vulnerável do que o cuidador. Estamos trabalhando arduamente no desenvolvimento cooperativo de serviços de cuidadores e assistentes pessoais.
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