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Junto com sua carga viral, o SARS-CoV-2 promoveu uma incalculável quantidade de bytes de informações em circulação pelas redes. Batizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de infodemia, essa inundação de conteúdos dificulta encontrar e discernir fontes idôneas e orientações confiáveis entre outras que falseiam e omitem dados para atender a determinados interesses — as populares fakes news. Essa produção e disseminação das mais variadas mensagens em tempo real e em paralelo a uma emergência sanitária marca a pandemia de Covid-19, e provavelmente marcará também as próximas. A sociedade tenta responder como está formatada e pode. No entanto, é preciso ir além das agências de checagem.

Outra semelhança entre pandemia e infodemia é o fato de representarem contágios produzidos por desequilíbrios: no caso do vírus, uma desarmonia fruto da alta exploração dos biomas e a consequente perda de habitats, associada à intensificação das produções comercial e industrial de animais para abate e consumo, aproximando zoonoses das populações humanas. No caso das fake news, o completo desbalanceamento das formas de validação e amplificação de mensagens e sentidos por ela carregados, valorizando canais e lógicas privadas, afetivas e anônimas, eivadas de interesses escusos, em detrimento de canais e lógicas públicas e referenciadas na ciência, na razão e no debate social.

As respostas à pandemia e à infodemia também só podem ser entendidas dentro de seus contextos. A capacidade de extensão e garantia de direitos é uma das formas de fazer esses enfrentamentos. Ao enxergarmos o Brasil sob tais lentes, vemos que, mesmo inscritos na Constituição, há limitações nesse exercício. Com todo esforço e dedicação em salvar vidas pelos profissionais de saúde que atuam no SUS, o desinvestimento no sistema público, o descaso pelas populações historicamente vulnerabilizadas, as sucessivas disputas políticas e corrosões corruptivas em plena pandemia fazem com que brasileiras e brasileiros acessem ações e serviços de saúde e exerçam esse direito de maneira desigual.

Assim também ocorre na comunicação. Com todo esforço e dedicação de cientistas, pesquisadores e comunicadores em transmitir mensagens fundamentadas, o desinvestimento e o esvaziamento de um sistema público de comunicação, o descaso pelas instituições, as sucessivas disputas e corrosões do mercado de mídia fazem com que brasileiras e brasileiros acessem informações e exerçam o direito à comunicação de maneira desigual.

No entanto, outros ventos vêm soprando e impulsionando esses direitos, mostrando que eles podem se fortalecer para além das políticas públicas. Tanto o SUS como a comunicação da sociedade civil ganharam espaço na agenda pública e imprimiram pautas à mídia comercial. Associações de moradores e de comunidades; entidades científicas da educação e da saúde e instituições de ensino e pesquisa encararam o desafio de comunicar ciência e saúde e aprofundar os usos das ferramentas digitais em meio às adversidades da pandemia: o medo da doença, a rotina do home office, as inúmeras lives e reuniões mediadas pelo computador, o isolamento. Há comunicação para além das fake news palacianas e da velha e conhecida gramática da imprensa comercial.

O enfrentamento da infodemia passa necessariamente pelo fortalecimento do direito à comunicação na ponta, nas organizações da sociedade civil. São mais de 820 mil entidades, segundo dados do GIFE, de 2018. O fortalecimento, a qualificação e o investimento em processos e estratégias que materializam a comunicação dessas organizações têm condições de fazer frente à disseminação de informações tóxicas; de ampliar e aproximar as pessoas da comunicação em saúde e direitos; de se tornar opção de conteúdo aos sites e portais das empresas de mídia, que se fecham cada vez mais em pay walls. Para isso, contudo, são necessárias políticas públicas por parte do Estado e a valorização do trabalho de comunicação pelas próprias entidades.

* Bruno C. Dias é mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e coordenador de Comunicação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco

https://radis.ensp.fiocruz.br
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