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O segmento das pessoas com deficiência levou a diversidade para corredores e salas da 17ª Conferência Nacional de Saúde com um número recorde de participantes. Quase 300 delegados com deficiência apresentaram suas pautas, defenderam propostas e mostraram a necessidade de cuidado a essa população em suas necessidades específicas. 

“Tivemos a maior delegação de pessoas com deficiência da história das conferências nacionais de saúde”, afirmou Vitória Bernardes, conselheira nacional de saúde pela entidade Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), que representou o segmento nas mesas de abertura e de encerramento. Dentre tantos momentos simbólicos, Vitória destacou a interpretação em Libras do hino nacional por um artista surdo, na cerimônia de abertura: “É histórico porque a gente faz arte, a gente faz luta, a gente faz o controle social, a gente continua existindo”.

A conselheira ressaltou a importância da participação das pessoas com deficiência em diferentes grupos de trabalho: “Avalio que há maior maturidade, enquanto movimento político, de entender a importância da nossa luta e de fazer as disputas sobre nossa invisibilidade e sobretudo sobre nosso protagonismo”, salientou. “Mostramos o quanto saímos diferentes desse processo de pandemia, de cerceamento de direitos e de silenciamento da participação social, demonstramos que estamos organizados para reivindicar e que não aceitaremos mais sermos submetidos a um Ministério da Saúde que não dialoga e que não defende o SUS acima de tudo”.

Em suas palavras, “saímos da 17ª mostrando que nós temos força”. Segundo Vitória, isso foi resultado da mobilização iniciada na primeira Conferência Livre Nacional sobre a Saúde da Pessoa com Deficiência, realizada em abril. A maior parte das diretrizes e propostas levadas para Brasília foram aprovadas. “Agora, a gente vai ter mais fôlego para lutar para que as deliberações da conferência sejam incorporadas nos três níveis de gestão, nos próximos planos municipais, estaduais e no plano nacional de saúde”, afirmou. “O documento final será mais uma ferramenta de luta para que nossa voz seja ouvida, para que o que a gente construiu seja de fato considerado e contemplado pelo governo”. 

“A gente vai avançando. Nós precisamos sempre bater nessa tecla de que, se é universal, tem que ser para todos. Não vamos atingir a universalidade sem a equidade.”

Luciana Costa

Viver sem limites

Na atividade autogestionada Amanhã Será Outro Dia para Todas: Debate, Participação, Planejamento e Recursos Orçamentários para a Efetivação do Direito à Saúde das Pessoas com Deficiência, as pessoas com deficiência foram protagonistas ao encaminharem propostas e sugestões a serem incorporadas ao Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, conhecido como Plano Viver Sem Limite, que recebeu contribuições da sociedade civil até 26 de julho.

Em uma sala pequena, que contemplou com dificuldade os participantes e suas necessidades específicas, pessoas com diferentes deficiências e provenientes de várias regiões levantaram os problemas enfrentados em uma sociedade capacitista. No plano da assistência e dos cuidados, tratou-se da necessidade de formação e capacitação de profissionais de saúde para melhor atender esse grupo da população, de incentivo e produção de tecnologias assistivas e da ampliação do acesso a equipamentos, órteses e próteses, da garantia de acessibilidade em diferentes espaços sociais e do contexto de pessoas com deficiência institucionalizadas e em situação de rua, entre outros temas.

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A secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Anna Paula Feminella, reconheceu e lamentou os problemas que dificultaram ou impediram a participação das pessoas com deficiência na conferência em igualdade de condições com os outros participantes. E garantiu que as resoluções da conferência vão incidir no Plano Plurianual do governo federal. Para ela, no SUS que está sendo construído, devem ser ampliados o controle social e a gestão participativa. 

Titular da Coordenação-Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência, Arthur Medeiros reafirmou que a pauta das pessoas com deficiência é prioritária para o governo, que luta para recuperar uma rede de cuidados “que foi desestruturada nos últimos seis anos”.

O diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Marco Menezes, ressaltou o desafio de integrar as políticas públicas: “Essa pauta é transversal e necessária para ampliar o debate. Precisamos pensar no pós-conferência e em como podemos monitorar a implementação nas políticas governamentais”.

Marco Menezes, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). — Foto: Eduardo de Oliveira.

Pesquisadora da Ensp/Fiocruz e à frente do movimento Acolhe PcD, Laís Costa, delegada usuária pelo Rio de Janeiro, considerou o saldo positivo, destacando o papel da conferência livre, que teve a participação de 1,3 mil pessoas. “Foi um recado de que há uma população que está sendo esquecida, e que não vai haver mais conferência sem as PcD. Temos que combater as barreiras comunicacionais, porque se eu não me comunico eu nunca vou chegar no território existencial do outro e não vou reconhecer o ser humano na sua integralidade”, afirmou.

Hellosman de Oliveira, delegado usuário da Paraíba, ressaltou que, além da conferência livre, houve uma participação efetiva dessa população nas conferências municipais e estaduais. Também para ele, o movimento saiu fortalecido para discutir o direito à saúde e o acesso nos mais diversos contextos e nas mais diversas realidades e perspectivas: “Esperamos que o que foi debatido e proposto na 17ª gere políticas públicas para melhorar o acesso à saúde nos diversos níveis de atenção e, principalmente, a qualidade de vida das milhares de pessoas com deficiência de nosso país”.

Presente ao ato público em defesa do SUS, ocorrido em 4 de julho, Luciana Costa, delegada usuária de São Paulo, reforçou as necessidades da população negra. “Mesmo com a política nacional de saúde integral da população negra, há um desconhecimento dos profissionais de saúde em relação à cor ou raça de pessoas com deficiência”, afirmou à Radis. Luciana foi diagnosticada tardiamente com autismo com suporte 1. “Tentei fazer as avaliações e os acompanhamentos pelo SUS e não consegui fazer o teste neuropsicológico. Tive que pagar. É perceptível que muitas mulheres, principalmente mulheres negras, vão sofrer a vida toda e não vão conseguir acessar o serviço”, afirmou.

Ela luta para que as avaliações neuropsicológicas, que fazem parte do diagnóstico de pessoas neurodivergentes, sejam gratuitas pelo SUS e acessíveis a pessoas adultas: “Quando falamos de autismo, sempre temos o olhar voltado para crianças. Mas as pessoas com deficiência crescem, se desenvolvem e envelhecem”. Luciana, que é surda, disse esperar que a presença de pessoas com deficiência, como ela, não cause mais estranhamento. “A gente vai avançando. Nós precisamos sempre bater nessa tecla de que, se é universal, tem que ser para todos. Não vamos atingir a universalidade sem a equidade”.

Laís Costa, pesquisadora da Ensp/Fiocruz e à frente do movimento Acolhe PcD. — Foto: Eduardo de Oliveira.

Acessibilidade comprometida

A participação de mais pessoas com deficiência trouxe desafios que devem ser enfrentados na realização de novos eventos. Pessoas surdas e com baixa audição tiveram dificuldades na compreensão dos debates, a mobilidade foi reduzida para pessoas em cadeiras de rodas, pessoas autistas reclamaram de luz forte e som muito alto. “Falta uma conexão e um conhecimento real das nossas necessidades”, opinou Sabrina Lage, delegada usuária pelo Rio de Janeiro. “O que é dito sobre acessibilidade é bonito, mas a responsabilidade de fazer melhor é de todos que participam, em qualquer condição”, salientou ela.

Antônio Luiz dos Santos, delegado usuário de Sergipe, destacou barreiras especialmente referentes à logística: “Certamente o que está acontecendo é reflexo tanto do desmonte quanto do desprezo do governo anterior para com a participação social. É efeito dominó”.

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