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Pesquisadores da Fiocruz, do Museu Nacional e da Universidade Nacional da Colômbia desembarcaram em Tabatinga, no extremo oeste do estado do Amazonas, para coletar amostras de morcegos em três ambientes distintos do município, localizado na Tríplice Fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.

A missão, realizada entre os dias 12 e 22 de junho de 2025, integra o Projeto Mosaic, uma iniciativa internacional que visa enfrentar os efeitos das mudanças climáticas e da degradação ambiental sobre a saúde de populações que vivem em regiões de fronteira.

As amostras coletadas, de 100 morcegos que correspondem a cerca de 20 espécies diferentes, servirão para fazer o primeiro mapeamento da região, composta por uma área florestal preservada, uma zona de transição com desmatamento e uma comunidade indígena.

Os pesquisadores explicam que os morcegos são considerados indicadores estratégicos em programas de vigilância epidemiológica. O objetivo foi identificar a presença de patógenos zoonóticos que podem ser transmitidos entre animais e humanos, e entender como as características de cada ambiente influenciam a circulação desses patógenos.

Mas no que essa iniciativa se difere de outras pesquisas tradicionais? Basicamente a articulação e o envolvimento com as comunidades e saberes locais. Intitulado como “Aplicação multilocal da ciência aberta na criação de ambientes saudáveis envolvendo comunidades locais” (ou Mosaic, na abreviatura em inglês), o projeto visa construir sistemas de informação e redes de colaboração para apoiar as comunidades na avaliação e mitigação dos impactos das transformações ambientais sobre seu bem-estar.

Coleta de material biológico de morcegos. — Foto: equipe MOSAIC.
Coleta de material biológico de morcegos. — Foto: equipe MOSAIC.

Parcerias com as comunidades

Entre os dias 23 e 28 de junho, uma segunda missão foi realizada na região de Tabatinga. Foram feitas reuniões com as lideranças locais, os gestores de saúde e representantes indígenas. “Ao articular ciência, participação e diversidade de saberes em contextos de vulnerabilidade climática, o Projeto Mosaic busca não apenas produzir conhecimento acadêmico, mas transformá-lo em ferramenta prática de fortalecimento das comunidades que vivem nas fronteiras (geográficas, sociais e ambientais) do planeta”, avalia José Cordeiro, pesquisador da Fiocruz Ceará e diretor da Plataforma Internacional para Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PICTIS), que também participou da missão. 

Coordenado pelo Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), um consórcio que reúne instituições da Europa, América do Sul e África, o projeto atua simultaneamente em três regiões de fronteira: a tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru (na Amazônia Ocidental), a fronteira entre Brasil e Guiana Francesa (Amazônia Oriental) e a região entre Quênia e Tanzânia (África Oriental). O Projeto Mosaic é dividido em grupos de trabalho (chamados de pacotes) que se articulam, de maneira transversal e transdisciplinar.

Um dos principais objetivos é integrar e traduzir dezenas de bases de dados existentes para que possam ser utilizadas de forma prática pelas comunidades locais, fortalecendo sua capacidade de adaptação e resposta às mudanças climáticas e ambientais. Na prática, a ciência aberta e participativa se expressa no diálogo direto com os territórios e na valorização dos saberes tradicionais.

Para Martha Suárez-Mutis, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), esse intercâmbio é promissor, mas também desafiador. “O mais difícil é construir confiança entre os mundos. Comunidades bem-informadas e cujo conhecimento seja valorizado trabalhando juntas nesse diálogo de saberes levarão a melhores resultados”.

Tânia Araújo-Jorge, diretora do IOC, destacou a importância da iniciativa: “O Mosaic alavancou a nossa capacidade de relação com vários grupos no exterior. É um projeto africano-brasileiro-europeu, que trabalha com diferentes tipos de fronteiras — geográficas, sociais e de saúde”.

Na fronteira dos saberes

No continente africano, o povo Massai realiza o monitoramento ambiental das savanas, enquanto comunidades indígenas amazônicas e os povos originários do Oiapoque colaboram com seus calendários ecológicos. 

Martha cita o exemplo da comunidade multiétnica Tiwa, na região de Letícia, na Colômbia, formada por povos deslocados pelo conflito armado. “Esses povos desenvolvem milenarmente calendários ecológicos sobre doenças, animais, plantas e estações do ano, que agora estão compartilhando conosco. Eles também iniciarão a medição de variáveis climáticas, ambientais e de saúde, enquanto compartilhamos os conhecimentos gerados pelo projeto para que juntos possamos pensar, com base em dados, estratégias mais eficazes de mitigação”, afirma.

Desde 2024, a Fiocruz participa do projeto como uma das 15 instituições parceiras, por meio da Plataforma PICTIS, associação científica sem fins lucrativos sediada em Portugal.

Os pesquisadores da PICTIS e da Fiocruz Amazônia (ILMD), Alessandra Nava e José Joaquín Carvajal, estiveram à frente das duas missões realizadas pelo Mosaic na região da Tríplice Fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, no mês de junho, junto com a pesquisadora Martha Suárez e José Cordeiro.

A PICTIS articula diferentes unidades da Fiocruz, com destaque para o IOC, o Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) e a Fiocruz Ceará. “No Brasil, temos duas áreas de pesquisa no território: na Tríplice Fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, na região do Alto Solimões, e na bifronteira entre Brasil e Guiana Francesa. Já na fronteira entre Quênia e Tanzânia, área que visitamos, a pesquisa é conduzida por colegas do Centro de Conservação Africana (ACC)”, explica Martha, que também é co-coordenadora do pacote de trabalho WP5.

Segundo ela, embora haja pesquisadores da Fiocruz atuando em diversos pacotes, a instituição lidera três deles: o WP1, dedicado à identificação e engajamento de atores locais e à ciência compartilhada; o WP2, responsável pela coleta de dados e conhecimentos multidisciplinares transfronteiriços; e o WP5, voltado à comunicação, disseminação e educação científica.

Paulo Peiter, pesquisador da Fiocruz e coordenador do projeto Mosaic no Brasil, e líder do principal pacote de trabalho, o WP1, menciona que o diferencial do projeto está tanto em sua abrangência geográfica, que envolve simultaneamente América do Sul e África, quanto na construção colaborativa do conhecimento. “O projeto adota uma abordagem baseada na ciência aberta, no conceito de Uma Só Saúde (One Health) e nas ciências participativas, com forte compromisso com a sustentabilidade”, afirma.

Desde o início, o projeto já realizou missões de campo nas três regiões de atuação, incluindo seminários com profissionais da saúde humana, animal e ambiental, reuniões comunitárias, oficinas participativas e levantamentos de dados. “Essas ações proporcionaram aprendizados importantes e estão ajudando a refinar nossa metodologia de atuação em campo”, pontua Peiter.

Para Letícia Barbosa, assistente de pesquisa no WP1, o projeto pretende construir um diálogo mais efetivo com a sociedade. Um dos propósitos é envolver todos os atores no processo científico, valorizando diferentes formas de conhecimento. “Ao invés de só entregar uma solução que não se sabe ao certo se vai ser boa ou que sequer considera outros saberes, o Mosaic reforça a importância da translação dos conhecimentos e da participação de todos os atores (do meio científico ou não). Só assim conseguimos construir soluções mais equânimes, integrativas e eficientes”, descreve.

A pesquisadora conta como a participação no projeto também ajudou em sua formação, como egressa da pós-graduação stricto sensu. “Sabemos que a inserção de mestres e doutores no mercado de trabalho é difícil, e a contratação via PICTIS me proporcionou uma oportunidade de trabalho no campo científico, dentro da minha área de formação e atuação”, declara.

Carlos Rocha, analista sênior do IOC/Fiocruz e pesquisador do Laboratório Setorial de Inovação PICTIS, ressalta a importância da PICTIS, um mecanismo inovador de cooperação internacional. A plataforma surgiu a partir do acordo de cooperação firmado, em 2021, entre a Fiocruz e a Universidade de Aveiro. “Foi instituída a partir do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, em ação coordenada pelo IOC/Fiocruz, estimulando a internacionalização da ciência brasileira”, resume.

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