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Fotografias de Juliana Duarte

A 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) mobilizou cerca de 9 mil pessoas, representando mais de 200 povos indígenas, em Brasília, entre os dias 22 e 26 de abril de 2024. Sob o tema “Nosso marco é ancestral! Sempre estivemos aqui!”, o acampamento mostra o vigor da luta organizada dos povos originários brasileiros, que em sua primeira edição, em 2004, reuniu apenas 240 indígenas no Distrito Federal.

Vinte anos depois, ativistas e apoiadores enfrentam basicamente os mesmos problemas, relacionados à garantia de direito ao território e de respeito aos seus modos de vida e à biodiversidade. Em cinco dias de reuniões e articulações, a maior mobilização do movimento popular indígena do Brasil não somente cobrou as promessas por demarcações feitas pelo governo Lula, como também afirmou o compromisso com a luta contra a emergência climática e em defesa da democracia.

Entre as pautas levantadas, a defesa pela terra guiou os debates, foi pauta de manifestações públicas, tema de documentos e agenda de comunicadores indígenas. Neste contexto, o debate principal não poderia ser outro que não fosse a Lei 14.701/2023 — que flexibiliza a tese do Marco Temporal e é considerada pelos indígenas como lei do genocídio —, sem deixar de lado a diversidade cultural e a defesa da natureza.

A luta política que percorreu e coloriu as ruas de Brasília em 2024 teve como símbolo uma grande serpente, pintada em jenipapo e urucum. A cobra do tempo, idealizada pelo artista Denilson Baniwa, do Alto Rio Negro (AM), simboliza a resistência e a resiliência dos povos originários, que atravessam e sobrevivem a conjunturas políticas e governos diversos, mas também indica a urgência dos temas levantados, que não afetam apenas indígenas. 

— Foto: Juliana Duarte.

Emergência indígena

“Seguimos afirmando a urgência para as demarcações de nossas terras!” Em carta endereçada aos “Três Poderes do Estado”, os participantes do ATL 2024 cobram celeridade nos processos que afetam seu modo de vida e sua existência. No documento, redigido em 22 de abril, os indígenas pedem fim ao que qualificam de “genocídio legislado”, criticando, entre outros 25 pontos, a entrada em vigor da lei que flexibiliza a tese do Marco Temporal e, segundo os indígenas, impulsiona ações violentas contra lideranças e comunidades. 

“A nova lei proporciona a ‘legalização’ de crimes e premia os invasores dos territórios”, diz o texto da carta. O documento associa o direito à terra à garantia dos direitos fundamentais dos povos originários e é taxativo: “Sem demarcação não há democracia! Diga ao povo que avance!”

A carta na íntegra pode ser acessada em https://bit.ly/atl2024carta 

O que é o marco temporal?

Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas teriam direito somente às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A tese foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2023. Porém, desprezando o que decidiu o STF e os limites fixados pela própria Constituição, a Lei 14.701/2023 volta a usar o marco temporal como base, deflagrando um conflito constitucional e institucional que perdura até hoje.

A frase

“Não podemos mais permitir que esse país ignore nossa presença. Porque lutar contra o garimpo ilegal, lutar contra a liberação [do garimpo], lutar contra a exploração de madeira que segue matando o nosso povo é muito doloroso para nós. Porque a luta que a gente faz é um enfrentamento muito pesado. A gente enfrenta o próprio Estado brasileiro. A gente enfrenta as forças econômicas, forças políticas fortes, que estão aí há muitos anos. E a gente chega ali com a nossa cara, com a nossa força ancestral, muitas das vezes ignorados. Olhares para nós atravessados, que a gente finge que não vê. Pra gente seguir defendendo a vida de cada um, de cada uma que está aqui.”

Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, no encerramento do ATL (26/4/24)

Manifesto LGBTQIAP+

“Nossa identidade LGBTQIA+ indígena não é contemporânea, não é moda. Nós existimos e resistimos na luta pela terra desde o princípio. Nós somos herdeiras do legado de Tibira [no século 17, um indígena Tibira – termo genérico tubinambá alusivo à homossexualidade – foi assassinado, no que pode ter sido a primeira morte documentada por homofobia no país]”. Em um manifesto divulgado em 25 de abril, durante o ATL, um grupo de indígenas afirmou sua diversidade e reivindicou o direito de serem livres como a terra pela qual lutam há séculos. “Como LGBTQIA+ indígenas, nós temos orgulho de nossas identidades sexuais e de gênero, pois elas se tornaram ferramentas de luta política que se articula e soma ao nosso orgulho de sermos centenas de pessoas em diversas terras indígenas do Brasil”. 

O manifesto completo pode ser lido em https://bit.ly/atl2024manifestolgbtqiap 

Terra, tempo e luta

As entidades que organizaram o ATL divulgaram, no último dia da mobilização, outro documento. A carta final, intitulada Terra, tempo e luta — Declaração Urgente dos Povos Indígenas do Brasil, é taxativa ao reafirmar as reivindicações apresentadas: “Os direitos territoriais dos povos indígenas são inegociáveis e devem ser preservados a todo custo”. O texto critica ainda a abertura de territórios “a empreendimentos que contrariam a urgência da crise climática e do aquecimento global”. 

Os indígenas consideram que esses empreendimentos representam “uma ameaça direta à mãe natureza, às florestas, aos nossos rios, à biodiversidade, à fauna e à flora, assim como a todas as riquezas e formas de vida que preservamos ao longo de milênios”, diz o texto, que questiona: “Se há recursos disponíveis para compensar invasores, por que não utilizá-los para demarcar as Terras Indígenas?”

O documento pode ser lido em https://bit.ly/atl2024cartafinal

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