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A terra e o quintal foram as referências utilizadas pelo ambientalista Ailton Krenak para falar de justiça ambiental no encerramento do 12o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA). Com o lema “Agroecologia na boca do povo”, o encontro — organizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) — reuniu participantes vindos de todo o Brasil para pensar alternativas que garantam comida saudável para toda a população e promovam uma agricultura capaz de respeitar e cuidar do planeta.

“A agroecologia tinha que acontecer numa escala planetária”, afirmou o escritor e filósofo recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), em entrevista coletiva com a participação de Radis. “A gente não pode continuar comendo a Terra”, completou, chamando atenção para os impactos ambientais e sociais das queimadas recentes no Pantanal mato-grossense e da seca na Amazônia.

Krenak reforçou a necessidade de participação dos povos originários, populações quilombolas e outras comunidades tradicionais na construção de políticas públicas. Para ele, o governo brasileiro tem uma dívida com essas populações. “Toda vez que há alguma tragédia, elas são o alvo da caridade”, lembrou. Mas ações assistencialistas pontuais não são suficientes, na visão do líder indígena. “Política pública tem que ser entregar terra para o povo fazer floresta”, afirmou, em uma fala potente na plenária de encerramento do 12o CBA, na Fundição Progresso, no bairro da Lapa, no Centro do Rio.

A participação popular em um governo democrático e o respeito aos povos originários e populações tradicionais estiveram presentes na fala de Krenak e no encontro que começou no Dia da Consciência Negra (20 de novembro) e foi encerrado com um cortejo, em 23 de novembro. Toda a construção do congresso foi feita de forma coletiva e destacou o protagonismo da agricultura familiar e de povos e comunidades tradicionais em produzir alimentos saudáveis e cuidar da natureza.

— Foto: Eduardo de Oliveira.

Na boca do povo

Você sabe o que é agroecologia? Sabia que ela está mais presente na sua vida do que você pode imaginar? E mais: que ela é capaz de unir pessoas, crenças e saberes dos mais diversos em um único propósito: cuidar da Mãe Terra?

As discussões propostas pelo 12o CBA buscaram aproximar esse tema do cotidiano da população, mostrando que saberes e experiências agroecológicas já são praticados historicamente por populações tradicionais, como povos indígenas e quilombolas, e por agricultores familiares. O encontro também chamou atenção para o fato de que é possível produzir alimentos para toda a humanidade, reduzir desperdícios, reparar injustiças e ainda garantir que todas as pessoas possam desfrutar do direito à comida.

Como destaca o tema central do CBA, a agroecologia está no campo e nas cidades. Nos assentamentos rurais e nas favelas. Nas feiras e nas universidades. Na luta pelo feminismo e na juventude. E necessita de políticas públicas para se fortalecer como uma alternativa viável de promoção de saúde e de soberania alimentar.

— Foto: Eduardo de Oliveira.

Nas ruas e nas mesas

Não faltaram também protestos contra o desmatamento, o avanço do agronegócio, a degradação dos recursos naturais e o Projeto de Lei (PL) 1.459/2022, o PL do Veneno. Ao mesmo tempo em que o Congresso acontecia no Rio de Janeiro, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou regime de urgência, em 22/11, para a votação desse projeto, que afrouxa o controle sobre a produção e a comercialização de agrotóxicos no Brasil [Leia a matéria da Radis 243 aqui]

“Ninguém quer comer alimento com veneno. Precisamos pensar o quanto a população tem adoecido muito mais cedo pelo envenenamento”, afirmou a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), que integra a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Célia ressaltou que só existe produção de comida de qualidade se existir agroecologia. Segundo ela, é preciso pensar também o tema da descolonização da alimentação e compreender que todos os biomas produzem alimentos de qualidade. “Alimentação para mim é saúde. Saúde não é doença. A nossa luta é principalmente para não adoecer”, disse à Radis.

De forma descentralizada, a agenda do 12o CBA contemplou conferências, rodas de conversas e apresentações de trabalhos científicos. Também envolveu a organização do Terreiro de Inovações Camponesas, com tecnologias sociais desenvolvidas pelos próprios agricultores, o Festival de Cinema Agroecológico e a Feira da Biodiversidade, com produtores de todo o Brasil, além de apresentações culturais e místicas de povos indígenas. 

Se o assunto é comida saudável, o encontro contou ainda com duas iniciativas de produção de alimentos: a Cozinha das Tradições, espaço que buscava valorizar as culturas alimentares dos povos originários, quilombolas, caiçaras e de terreiro; e a Cozinha da Reforma Agrária, que recebeu a doação de 20 toneladas de alimentos produzidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e distribuídos pela Ação Contra a Fome para a população em situação de rua do Centro do Rio.

— Foto: Eduardo de Oliveira.

Nas políticas

“Precisamos de um sistema agroalimentar fundado na agroecologia para enfrentar as injustiças climáticas e superar as enormes desigualdades sociais do nosso país”, afirmou André Burigo, o Deco, assessor da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz, uma das instituições apoiadoras do congresso.

Segundo ele, a agroecologia é fundamental para a superação da mazela da fome e a garantia do direito humano à alimentação adequada, para todas as pessoas. “O agronegócio representa a concentração de riquezas, terra e poder”, destacou à Radis. Para André, é preciso desenvolver uma nova geração de políticas públicas capazes de transformar as realidades sociais. “A agroecologia é a força para tudo isso”. 

No CBA, representantes do governo federal anunciaram a retomada de políticas públicas para a agroecologia, como o programa Ecoforte, instituído em 2013, e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), composta por 444 representantes de governo e sociedade civil. Esse colegiado tem como objetivo promover a participação da sociedade na elaboração e no acompanhamento do Plano e da Política de Agroecologia.

— Foto: Eduardo de Oliveira.

No respeito e no diálogo

Um padre, uma indígena e uma candomblecista — em um gesto simbólico de respeito interreligioso, essas três lideranças participaram da benção das sementes crioulas, em uma das atividades propostas pelo 12o CBA. Segundo o Padre Josafá Castro de Siqueira, vigário episcopal da Arquidiocese do Rio de Janeiro para as questões de meio ambiente e sustentabilidade, é preciso ampliar a reflexão sobre outras formas de desenvolvimento, que valorizem a cultura e os saberes de povos tradicionais. “Temos muito o que aprender”, resumiu. 

Em conversa com a Radis, o padre citou a Encíclica Laudato Si, conhecida também como Encíclica Verde, escrita pelo Papa Francisco, em 2015, na qual o pontífice chama atenção para o cuidado com o meio ambiente e para as mudanças climáticas, além de criticar o consumismo e a degradação ambiental.

Nas palavras de Verônica de Odé, integrante do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA), o ato simbólico da bênção das sementes perpetua os ensinamentos de seus ancestrais. “Eles lutaram para que a natureza não fosse agredida e destruída. Apesar de hoje nós nos encontrarmos numa situação difícil, nós continuamos lutando, porque orixá é ar, orixá é terra, orixá é árvore”, afirmou à Radis.

— Foto: Eduardo de Oliveira.

No campo e na cidade

“A cidade também planta”. A frase de Luísa Mushu, integrante do Coletivo Nacional de Agricultura Urbana e da Rede de Agroecologia da UFRJ, lembra que agricultura urbana é um dos temas principais para pensar a agroecologia no cotidiano das cidades. “Não tem como falar de soberania alimentar e agroecologia sem falar de agricultura urbana”, observou.

Segundo Luísa, essa é uma prática presente em diferentes espaços, como remanescentes de florestas, terrenos baldios, hortas comunitárias, quintais, lajes e favelas. Há também grupos diversos que praticam a compostagem como modo de aproveitamento de recursos, gerando vivências sustentáveis na cidade.

“Nossos desafios são a especulação imobiliária que vai imprensando os espaços de plantio e também a necessidade de diálogo com a sociedade para compreender que esta é uma prática fundamental para a gente conseguir se manter e combater a fome”, explicou.

Para Daniela Adil, do Coletivo Nacional de Agricultura Urbana e do Grupo de Estudos de Agricultura Urbana da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o interesse em torno desse tema tem crescido. “Observamos o aumento da fome no Brasil e ela está concentrada nos espaços urbanos. A fome tem um recorte de raça e gênero e a agricultura urbana começa a ser percebida como uma prática presente nas cidades brasileiras”, observou.

Para além da produção de alimentos, a agricultura urbana ajuda a pensar na crise que as cidades enfrentam, destacou Daniela. “Essa é uma via para as pessoas se engajarem a partir da solução de um problema, como a fome, e buscarem incidir politicamente para levar a sociedade a rever de onde vem os nossos alimentos e de como os sistemas alimentares são organizados”, pontuou. Ela lembrou ainda que a agricultura é um caminho para reconectar a população urbana com quem produz os alimentos.

— Foto: Eduardo de Oliveira.

Nas favelas e nos quilombos

Uma agroecologia construída no chão dos territórios, nos quilombos e nas aldeias. Essa é a mensagem trazida por Fran Paula, quilombola do Mato Grosso do Sul e coordenadora do GT Povos e Comunidades Tradicionais, Ancestralidade e Etnicidade da ABA. Para ela, as comunidades e povos tradicionais já praticavam agroecologia há muitas gerações, ainda que não dessem este nome às suas práticas: “Sistemas alimentares saudáveis fazem parte das práticas agrícolas dos povos e comunidades tradicionais”, disse à Radis.

Do quilombo para as favelas, a agroecologia também pode ser um caminho para enfrentar a fome e a insegurança alimentar. Essa é a visão de Richarlls Martins, coordenador executivo do Plano de Saúde Integral nas Favelas do Rio de Janeiro, que lembrou que a favela já entendeu que saúde e agroecologia têm tudo a ver. 

“As favelas contribuem ativamente para a construção agroecológica, seja por meio das hortas comunitárias, das cozinhas comunitárias e da necessidade de reflorestamento, ampliando a participação social em uma agenda de saúde integrada na qual a população demanda os seus direitos e constrói efetivamente uma política de saúde”, pontuou o pesquisador da Fiocruz, consultor do Fundo de População das Nações (UNFPA) no Brasil e coordenador-geral da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento (REBRAPD).

Pela primeira vez, as atividades autogestionadas do CBA ocorreram em Barracões de Saberes e mostraram a extensa pauta contemplada pelo movimento agroecológico. Houve uma articulação das lutas feministas, indígenas, antirracistas e das juventudes com a agenda de democratização dos sistemas agroalimentares. 

O CBA é mais do que um evento científico. É um encontro de expressões artísticas, culturas, modos de vida, ideias e experiências, em defesa de uma agenda que não é apenas uma utopia, mas que deve ser viável para toda a população — e estar “na boca do povo”, como propôs o tema do encontro. Assim também destacou a Carta Política aprovada na plenária final, ao ressaltar que campo e cidade devem juntos buscar outro modelo de desenvolvimento.

— Foto: Eduardo de Oliveira.

Acompanhe a cobertura completa de Radis sobre esse tema no site, nas redes sociais e nas próximas edições da revista.

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