■ Coordenador e editor-chefe do Programa Radis
São duas as principais matérias desta edição. Uma fala do lugar do trabalho na vida e na saúde de trabalhadores e trabalhadoras. A outra, da síntese brasileira de raiz africana que reúne cultura, música, jogo, ginga… Rodas que constroem memória, identidade e resistência antirracista, elementos sem os quais não há saúde.
O trabalho traz dignidade à pessoa, é uma necessidade e um direito humano. Mas o exercício desse direito fundamental não pode subtrair outros direitos, como o de uma vida digna e saudável. Chegou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe o fim da escala de seis dias de trabalho por apenas um de descanso.
Isso, para o trabalho formal, porque, enquanto a redução de jornada é uma tendência nos países mais industrializados, no Brasil, a perversa Reforma Trabalhista de 2017 seguiu o caminho oposto, desregulamentando e empurrando o trabalho para a precarização e a informalidade, situações ainda piores do que as que abordamos aqui.
A matéria de capa assinada por Luiz Felipe Stevanim, Adriano De Lavor e Izabelly Nunes mostra como a demanda pelo fim da escala 6×1 expressa um movimento crescente nas ruas e nas redes digitais. À frente de manifestações e empenhado em discutir a importância da redução das jornadas de trabalho, o movimento Vida Além do Trabalho (VAT) representa os anseios de milhões de pessoas que passam a maior parte dos dias no trabalho e em trânsito.
O operador de logística Wesley Fabio, que integra a coordenação do VAT, argumenta que os empregadores se iludem ao considerar que o trabalhador alcança o máximo de produtividade nesse esquema. “É impossível falar de produtividade se o trabalhador não tem qualidade de vida e o direito ao descanso respeitado… O trabalhador está doente, cansado e estressado”. Lembra que as pessoas querem trabalhar com dignidade, que precisam se alimentar adequadamente, ter tempo para estudar e ter uma vida com seus filhos, com sua companheira ou companheiro.
A pesquisadora Monica Olivar, do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz), acrescenta que essa rotina gera aumento de acidentes de trabalho e doenças no aparelho circulatório e transtornos mentais relacionados ao trabalho, como fadiga, irritabilidade, estresse, depressão e burnout.
“Capoeira é saúde”, conclui o editor Luiz Felipe na reportagem sobre a prática que celebra a herança ancestral africana e ajuda a promover saúde mental e consciência coletiva, como destaca o título da matéria. Com entrevistas e ida a campo em rodas de capoeira, a reportagem aborda de forma leve e abrangente a relação dessa prática cultural com saúde, educação, autocuidado, experiência coletiva, diversidade e visão de mundo.
“A pedagogia afrocentrada que é a roda de capoeira — onde há uma horizontalidade, pois dentro da roda todo mundo está olhando todo mundo, aprendendo com todo mundo —, precisa ser trazida para a educação brasileira”, reflete Valter Fernandes, o mestre Curumim. Ele coordena projetos em escolas públicas cariocas e conduz pesquisa de doutorado inédita que busca medir os efeitos da capoeira no cérebro humano e no desenvolvimento cognitivo infantil.
A arte da capoeira ganhou o mundo. “A capoeira é um caminho muito forte de expansão da educação antirracista, não só para o povo brasileiro”, destaca Maria Cristina Bahia de Almeida, a mestra Morena, que coordena projetos de capoeira em Guaratinguetá (SP), voltados à diversidade, com pessoas com deficiência e em unidades do SUS.
Nesta edição, registramos as primeiras ações do presidente estadunidense Donald Trump contra saúde, ciência, diversidade, imigrantes e acordos sobre o clima. Medidas anunciadas por donos de plataformas digitais, aliados de Trump, tornam explícita a tendência em favor de discursos de ódio e desinformação. Artigo na seção Pós-Tudo também analisa o impacto da administração Trump, em especial para a população LGBTI+.
Egressa da categoria mais numerosa entre os profissionais de saúde, a auxiliar de enfermagem e escritora Lilia Guerra fala, em entrevista à Radis, sobre direito à cidade, memória e literatura: “Sou mulher preta, periférica, uso transporte público e tudo isso diminui a minha expectativa de vida. Vai que eu morro e não falei de tudo que eu queria falar?”.
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