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Temos nesta edição duas matérias apuradas e redigidas com primor que mostram, em síntese, que não respeitar a liberdade do outro e não ouvir a fala do outro faz muito mal à saúde.

Em nossa reportagem de capa, o editor Luiz Felipe Stevanim e o repórter fotográfico Eduardo Oliveira registram uma experiência exemplar do processo de fechamento de um hospital psiquiátrico e a construção de uma rede de atenção psicossocial integrada ao SUS, com acolhimento, assistência e convivência voltados aos cuidados de saúde mental em liberdade, no município de Carmo, no Rio de Janeiro.

A reportagem mostra como é possível promover saúde mental com ênfase no respeito à autonomia das pessoas. Nesse caso, dos egressos do Hospital Estadual Teixeira Brandão, manicômio fundado em 1947 e desativado em 2005. Inquérito Civil do Ministério Público havia constatado falta de habitabilidade e arejamento das instalações, infestação de sujeira e doenças, pacientes em cárcere privado e dormindo no cimento, uso da mão de obra dos internos para servir aos funcionários, ausência de projetos terapêuticos individuais, aprisionamento em cubículos, transferências como forma de punição e até desaparecimentos.

É notável a diferença entre uma instituição asilar e o modelo que respeita o ser humano introduzido pela Reforma Psiquiátrica, resultante da longa luta antimanicomial protagonizada por profissionais e usuários da saúde mental.

Em Carmo, nossos repórteres visitaram o antigo manicômio, hoje um museu voltado a relembrar os tempos de horror para que nunca se repitam. São comoventes os relatos e a documentação. É notável a diferença entre uma instituição asilar e o modelo que respeita o ser humano introduzido pela Reforma Psiquiátrica, resultante da longa luta antimanicomial protagonizada por profissionais e usuários da saúde mental. “O fim dos manicômios é produção de vida”, escreve, em artigo na seção Pós-Tudo, o médico e pesquisador Paulo Amarante, uma das principais lideranças desse movimento, desde 1980.

A maior riqueza da reportagem é o registro dos encontros e conversas que nossa equipe teve com os profissionais de saúde, conscientes de seu protagonismo na transformação de pensamento e práticas, e com os egressos, vivendo hoje com autonomia e liberdade em residências terapêuticas. Essas moradias coletivas, criadas como uma alternativa para aqueles que já não tinham vínculos familiares ou sociais após anos de isolamento, são uma inovação da Reforma Psiquiátrica.

Com a desativação da unidade, mais de 150 egressos tiveram que ser inseridos nos serviços residenciais terapêuticos. Vale a pena conferir na reportagem como vivem Paulo, o mais idoso dos egressos, Luiz Carlos e Fabiana, que receberam a equipe de Radis em sua casa para almoçar e conversar com seus amigos. Luiz Carlos é mais conhecido como Roberto Carlos, por suas concorridas interpretações das músicas do cantor, de quem é um fã assumido.

A reportagem é a primeira de Radis sobre as iniciativas cadastradas na Plataforma IdeiaSUS da Fiocruz, que reúne experiências de trabalhadores e unidades do SUS em todo o país. A iniciativa também foi premiada na 4ª Mostra do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (Cosems RJ).

O quanto cada indivíduo é respeitado pelos profissionais ou pelo sistema de atenção à saúde é também a questão central da matéria sobre gaslighting médico, expressão que se refere a quando um profissional de saúde minimiza, desacredita ou ignora os sintomas relatados por um paciente, fazendo com que a pessoa duvide da própria percepção ou experiência.

O repórter e subeditor Glauber Tiburtino entrevistou pessoas que sofreram diversas formas de negligência e invalidação antes de terem finalmente suas doenças diagnosticadas e tratadas adequadamente. Entre os relatos dos pacientes, em especial os acometidos por doenças raras, há casos em que as pessoas passaram décadas perambulando por consultórios em busca de uma explicação para seus sintomas, vistos como exageros ou invenções, ou creditados apenas à ansiedade, antes que finalmente encontrassem escuta adequada.

O jornalista ouviu também médicas e pesquisadoras que analisam os processos de invalidação, descrédito ou minimização dos relatos e das vivências dos pacientes por parte dos médicos. Entre as explicações encontradas para essa forma de violência está o poder que muitos profissionais de saúde exercem devido à posição de autoridade e à confiança depositada neles pelos próprios pacientes, que se veem em uma posição vulnerável. A superação desse contexto de desrespeito dentro da prática médica pode começar por mudanças na formação de médicos e outros profissionais de saúde, com o reconhecimento da necessidade de uma comunicação dialógica, com melhor escuta aos pacientes. Nessa nova formação tem que estar presente, sobretudo, a discussão acerca da relação que há entre preconceito, racismo e desigualdades existentes na sociedade e a ausência, no campo da saúde, do devido e igualitário respeito a que todas as pessoas têm direito.

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