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  1. Editorial

Trabalhadoras do Brasil

Adriana Nunes da Silva chegou à capa desta revista, que alcança mais de 120 mil leitores no país, por ser uma mulher trabalhadora. O seu sorriso em foto no Museu de Arte do Rio, tendo ao fundo um painel que retrata a celebrada escritora Carolina de Jesus, representa o lado vibrante e humano de outras 5,8 milhões de trabalhadoras (elas são 92% dos trabalhadores domésticos, sendo 65% negras) que “ralam” diariamente num dos ofícios menos valorizados em nossa sociedade.

Na matéria de capa produzida pela repórter Ana Claudia Peres com a participação da estagiária Luíza Zauza e do fotógrafo Eduardo de Oliveira, Adriana fala de sua família e do trabalho, enquanto percorre a exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os Brasileiros. Ela se identificou com as histórias que leu em Quarto de Despejo e se emocionou ao entrar em contato com outras dimensões da obra da autora que admira. Carolina se notabilizou por ter conseguido romper com a invisibilidade e o silenciamento a que são relegadas as vozes das pessoas subalternizadas na estrutura social.

Enquanto ouvia e fotografava Adriana, nosso colega Eduardo se emocionou lembrando de sua mãe, Jucirlete de Oliveira, também trabalhadora doméstica, com quem ele e sua irmã dividiam um quarto de empregada na infância e adolescência. Suas memórias afetivas e a história de dona Nicinha, como era conhecida, acabaram sendo incorporadas à matéria.
Outros relatos potentes integram a reportagem. A diarista Maria Izabel relata como o racismo atravessa as relações no trabalho doméstico. Consciente e crítica, integrou um grupo de teatro formado por trabalhadoras domésticas e, hoje, se dedica à representação da categoria no sindicato, o que lhe dá uma ampla visão do contexto em que atua.

Janaína Costa vem de uma família de irmãs, primas, mãe e avó trabalhadoras domésticas. Trabalhando como faxineira, diarista e babá, enfrentou obstáculos que seguem lhe atormentando em sonhos: “Há mecanismos estruturais no Brasil que fazem com que a gente vivencie hoje, no trabalho doméstico, uma modernização da escravidão”. Com muito esforço, ela concluiu o segundo grau, formou-se em História, fez mestrado e acaba de ser aprovada no doutorado. Agora, tem um perfil nas redes sociais digitais, com cerca de 50 mil seguidores, em que publica denúncias, relatos e reflexões sobre o trabalho doméstico.

Há 10 anos, o Congresso Nacional aprovou e a presidenta Dilma Roussef sancionou a Emenda Constitucional n. 72, proposta pela deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ), que assegura direitos importantes ao trabalho doméstico. No retrospecto dessa luta de mais de 70 anos, Benedita figura ao lado de grandes nomes como Laudelina de Campos Mello, Lenira Maria de Carvalho e Creusa Maria de Oliveira.

A “PEC das Domésticas” foi um grande avanço na legislação de proteção aos direitos da categoria, mas há muito o que conquistar. O número de meses da licença maternidade ainda é menor que o das demais profissões, assim como o tempo e o valor do seguro desemprego. Apenas 25% das trabalhadoras domésticas têm carteira assinada. Assegurar cuidados à saúde dessas trabalhadoras é essencial.

Há disputas simbólicas a serem enfrentadas, como acabar com a mistificação de quando os patrões dizem que a trabalhadora doméstica “é quase da família”. A pesquisadora Adriana Castro, da Fiocruz, entende que é preciso “desnaturalizar” a visão de uma “atividade afetiva” e reconhecê-la “como trabalho”. Ressalta que muitas pessoas da classe média só estão no mercado de trabalho porque há outra pessoa trabalhando por elas no cuidado da casa, da comida, das crianças, dos idosos.

Na linha de tiro

Cuidar é o trabalho cotidiano de quem atua na saúde, garantindo o direito à vida.
Romper com a invisibilidade de pessoas e populações, como se vê na reportagem de capa, deve ser um trabalho cotidiano do jornalismo, garantindo o direito à informação e à comunicação.

Uma nota na seção Súmula sobre a guerra na Palestina faz refletir. Guerras afrontam o direito à vida, à saúde e à comunicação.

O bombardeio diário desencadeado por Israel sobre Gaza já matou, em dois meses, mais de 18,8 mil pessoas e feriu mais de 51 mil, a maioria crianças e mulheres. Em meio à destruição em massa de infraestrutura e edificações urbanas, acima de 1 milhão de palestinos se encontram desabrigados no inverno, com fome e indisponibilidade de água.

Os profissionais e os serviços de assistência à saúde se tornaram alvos. Em dois meses, as autoridades de saúde palestinas contabilizaram a morte de mais de 300 profissionais de saúde e a destruição de 22 hospitais e mais de 100 ambulâncias. Nas instalações da ONU, as bombas mataram outras 300 pessoas abrigadas e 100 trabalhadores humanitários.

Chama a atenção ainda o impacto sobre os jornalistas que registram, no território, o massacre que está se configurando como o primeiro genocídio da história a ser presenciado mundialmente, em tempo real. Em dois meses, mais de 60 deles foram mortos, número considerado relativamente maior, dado o curto período, do que em qualquer conflito anterior.

Rogério Lannes Rocha, coordenador e editor-chefe do Programa Radis

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