Não há por que se conformar com a exclusão, a falta ou a ausência de direitos, sejam eles o direito ao alimento, à saúde integral, à moradia digna, à saúde mental com liberdade ou à soberania de um povo.
A produção agroecológica de alimentos por pequenos agricultores e a constituição de uma rede de cozinhas solidárias no país promovem soberania alimentar e acesso a outros direitos, constatam os repórteres Adriano De Lavor e Paula Passos, em nossa reportagem de capa. Eles entrevistaram ativistas sobre experiências em diferentes estados, os limites do trabalho voluntário e remunerado, a dimensão do cuidado com a saúde contido no ato de alimentar de forma saudável e sobre as cozinhas solidárias como um modelo de tecnologia social que resulta em políticas públicas.
Visitaram o restaurante Raízes do Brasil, no bairro carioca de Santa Teresa, que fornece 300 marmitas solidárias semanalmente a moradores de favelas e serve café e refeições a um preço justo, como parte do Sistema Popular de Alimentos do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Os alimentos são cultivados por 200 famílias do Rio e Minas Gerais.
“Para nós, do MPA, a fome é uma decisão política. Para acabar com a fome, é preciso mudar o sistema de produção e distribuição. Enquanto o sistema de produção e distribuição for concentrado, enquanto a terra estiver concentrada na mão de poucas pessoas, enquanto a distribuição de alimentos for concentrada em poucas empresas, a fome vai existir, porque a fome é um negócio”, resume Humberto Palmeira, coordenador do MPA.
A repórter Lara Souza escreve sobre novo tratamento no SUS para a forma resistente da tuberculose e sobre as condições socioambientais e econômicas que atuam na transmissão da doença. Tuberculose é uma doença das desigualdades sociais. Durante o tratamento, pacientes em condições de vulnerabilidade — privados de liberdade, que residem em moradias precárias ou em situação de rua — acabam tendo outras doenças detectadas e tratadas.
A favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, a mais numerosa e de maior densidade demográfica do Brasil (48 mil habitantes por quilômetro quadrado), registra os maiores índices da doença no país. Ali, a reportagem encontrou o influenciador digital Ruan Juliet, que produz vídeos sobre prevenção.
“Os movimentos populares ainda conseguem se organizar e apontar o caminho da luta pela conquista, garantia e ampliação de direitos.”
Para a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz, o Brasil não vai conseguir eliminar a doença até 2030. Entre as razões, cita o retrocesso com a pandemia de covid-19, a questão habitacional, a dificuldade no tratamento de pessoas em situação de rua e a prevalência nas prisões. “As prisões brasileiras, pelas condições absolutamente desumanas em que a maioria delas opera, são um celeiro de transmissão quase compulsória”, diz.
O SUS se estruturou na atenção primária, com a saúde da família, vacinação e unidades básicas. Avançou na atenção terciária, com tratamentos de alto custo e cirurgias complexas. No entanto, exames e atendimentos de especialidades são um gargalo no sistema. A regionalização dos serviços de saúde em consórcios intermunicipais é uma das alternativas para reduzir desigualdades e ampliar acesso. Nesta edição, o subeditor Glauber Tiburtino registra a experiência do maior dos 300 consórcios existentes no país. Sediado em Nova Iguaçu, reúne 12 municípios da Baixada Fluminense, com 3,7 milhões de habitantes. A matéria discute ainda o subfinanciamento do SUS e a dependência da atenção especializada em relação à iniciativa privada.
Artigo na seção Pós-Tudo expressa o pensamento da articulação de movimentos, militantes e organizações empenhados na Campanha nacional contra as comunidades terapêuticas. O texto repudia o financiamento público das “comunidades” que desrespeitam a Lei 10.216 da Reforma Psiquiátrica. “Há uma robusta literatura acadêmica e inúmeros relatórios de órgãos fiscalizadores do Estado brasileiro, que caracterizam as CTs como uma mistura de manicômios, prisões, igrejas e senzalas”, diz o texto, acrescentando que elas recorrem ao trabalho forçado em condições degradantes, por vezes em regime de servidão por dívida.
No mundo ideal dos políticos e eleitores conservadores, o SUS nem mais existiria, dado o desprezo que têm pelo seu financiamento, a remuneração dos trabalhadores e a priorização da saúde pública em detrimento dos interesses privados. Ainda assim, o SUS resiste e cresce.
No mundo ideal dos que são contra a democracia, os movimentos sociais não teriam lugar. Porém, como demonstram os pequenos agricultores e as cozinhas solidárias, os movimentos populares ainda conseguem se organizar e apontar o caminho da luta pela conquista, garantia e ampliação de direitos, como o pilar da cidadania, da democracia e das transformações que o mundo real necessita.



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