O SUS, instituído na Constituição de 1988 e criado formalmente em 1990, chega aos 35 anos como o maior sistema público e universal de saúde no planeta e admirado internacionalmente por oferecer atenção à saúde de forma gratuita para todos. Visto de perto e de dentro, no entanto, sabemos que há muito o que melhorar.
O seu financiamento foi negligenciado desde a origem. A ideia de saúde como um direito foi desacreditada e atacada sistematicamente por uma concepção neoliberal de restrição de direitos. A visão de alguns governantes e até de parte da sociedade é que a saúde poderia ser tratada como mercadoria, uma concepção que não se sustenta, porque a busca de lucro leva à exclusão de pessoas, menor abrangência de serviços, cobrança maior ou até negação de procedimentos caros, mesmo que necessários à preservação da vida. Não faltam esforços do mercado e da mídia para consolidar essa visão e justificar um SUS precário voltado “para quem não pode pagar”.
O valor do SUS ficou evidente na pandemia de covid-19, quando foi o principal aliado da população não somente contra o vírus, mas também contra o projeto de deixar adoecer e morrer os mais frágeis ou vulnerabilizados. Naquele momento, os princípios do SUS contrastaram com a irresponsabilidade sanitária e nenhuma solidariedade de muitas autoridades nos três níveis de governo, em especial o federal, somadas à desinformação intencional.
Apesar das forças contrárias, o SUS resistiu e cresceu em abrangência, diversificação e qualidade, resultado do empenho de trabalhadores que permaneceram comprometidos, de gestores que demonstraram compromisso público, de movimentos sociais que participaram do controle social e do lento, mas crescente apoio social.
“Apesar das forças contrárias, o SUS resistiu e cresceu em abrangência, diversificação e qualidade, resultado do empenho de trabalhadores que permaneceram comprometidos”
Radis entende que as chances de um futuro melhor para o SUS não estão em privatizar nem em ser complementar ao sistema privado. Pelo contrário. A continuidade e melhoria do SUS depende do quanto pode se renovar como um sistema 100% público, mantendo-se fiel aos princípios concebidos pela Reforma Sanitária que lhe deu origem. Um de seus principais desafios é lidar com a extrema desigualdade social que constitui e atravessa a sociedade brasileira e, por isso, condiciona também o sistema de saúde.
Em nossa reportagem de capa, o editor Luiz Felipe Stevanim problematizou a relação dos princípios de universalidade e equidade com a questão da desigualdade em entrevista com a conselheira nacional de saúde Heliana Hemetério. “Não podemos tratar os direitos da população negra, LGBTQIA+, das pessoas em situação de rua, dos povos de rios e floresta e comunidades tradicionais, dentro do discurso da igualdade universal, porque essas populações nunca foram tratadas com igualdade”, afirma. “A equidade é um olhar diferenciado para as pessoas que são diferentes em suas necessidades… O caminho para a equidade é a escuta do outro”.
“Falar de equidade é a gente compreender que não somos iguais, que o Brasil é um país que tem especificidades regionais e territoriais”, completa Mateus Brito, mestre e doutorando em Saúde Coletiva e atuante na Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). “Não passamos pelo mesmo processo de constituição dos lugares sociais, seja do negro, do quilombola, do indígena, do cigano, da mulher, do LGBT. Não estamos no mesmo barco. Estamos no mesmo mar, mas em embarcações diferentes”, descreve Mateus.
Para falar sobre a história e o futuro do SUS, e do seu subfinanciamento como um dos maiores impasses da política pública brasileira, o repórter Jesuan Xavier foi a São Paulo acompanhar o Seminário SUS 35 anos, organizado pelo portal Outra Saúde em conjunto com o Instituto Walter Leser, a Fundacentro e a Santa Casa de São Paulo. A presença do SUS no cotidiano da população é exemplificada pela repórter Paula Passos ao tratar da amplitude do trabalho da vigilância sanitária e do controle da qualidade em saúde.
Para falar da integralidade no SUS, o subeditor Glauber Tiburtino entrevistou Roseni Pinheiro, pesquisadora do Laboratório de Pesquisas e Práticas de Integralidade em Saúde da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Relata também a experiência do Grupo de Apoio ao Laringectomizado Total (Galt), em funcionamento há 25 anos no Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio. É emocionante conhecer as histórias das pessoas que passaram por essa cirurgia no tratamento de câncer e vêm construindo, com os profissionais de saúde, o que o repórter descreve como “um cuidado ao ser humano em sua totalidade”.



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