A disputa de agendas com repercussões na economia, na política e, consequentemente, na garantia de direitos sociais têm tensionado o governo Lula. Segundo o economista Pedro Rossi, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o governo federal tem arbitrado entre duas agendas econômicas, uma distributiva e outra neoliberal. No Sistema Único de Saúde (SUS), o professor Jairnilson Paim (ISC/UFBA) aponta que a disputa envolve três projetos: um mercantilista, o da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) e um racionalizador. Para o sanitarista e pesquisador do Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS), o governo Lula não pretende desarticular as classes dominantes, mas precisa da mobilização das classes dominadas para avançar em conquistas sociais.
No Grande Debate que encerrou a programação do 5º Congresso Brasileiro de Política, Gestão e Avaliação em Saúde (5ºPPGS), realizado em Fortaleza pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Pedro Rossi afirmou que o desenvolvimento econômico não é suficiente para atender as demandas da população brasileira, que quer mudança. O docente acredita que a derrota do partido democrata nos Estados Unidos para o conservador de extrema-direita Donald Trump, mesmo com a entrega de resultados econômicos do governo Biden, deve ser observada pelo governo brasileiro. O desejo de mudança tem sido associado de maneira difusa com um discurso autoritário e aberto o caminho para a extrema-direita, avalia.
O debate público tem sido pautado pela ideia de que é imprescindível um teto de gastos e uma agenda de restrição fiscal. Rossi defende que é preciso explicitar as relações entre a economia e a política, a função do Estado — gastar — e o retorno desse gasto para o próprio Estado. “O neoliberalismo é incompatível com a democracia. […] A disputa entre agendas econômicas posta aqui, a meu ver, vai continuar no Brasil nos próximos anos, mas eu sou ainda otimista. Há uma mudança necessária e o Brasil tem capacidade”, afirma.
Diante da diversidade de projetos em disputa na saúde — um que atende ao mercado, o da RSB e o racionalizador, que é limitado pela primazia do setor econômico e insuficiente diante das necessidades da sociedade brasileira —, Jairnilson Paim destacou elementos que precisam ser considerados no debate de uma agenda de defesa do SUS.
Para o sanitarista, desde 2016, temos um “arremedo de SUS” marcado por um modelo de “desatenção” à saúde, pela intensificação da terceirização de serviços do sistema, pela competição política entre o público e o privado e pelo fortalecimento do setor privado de saúde, atualmente o terceiro grupo empresarial mais poderoso no Brasil. Esse quadro inclui ainda elementos estruturais, como a financeirização e o impacto da dinâmica do capitalismo financeirizado sobre um conjunto de esferas sociais, entre eles a velhice, a saúde, o câmbio, a água; a precarização de empregos e trabalhos; e a ambiguidade da atuação do Judiciário na garantia de direitos sociais. O pesquisador ressaltou que no novo modelo de capitalismo, a população se tornou dispensável para a geração de capital, consequentemente a garantia das condições para a reprodução social — políticas sociais de saúde, ambiente, educação, habitação, etc — também.
Com esse panorama, Paim destacou a importância de identificar pontos de encontro e de desencontro entre as agendas do governo e do movimento sanitário: “Não podemos rebaixar as nossas demandas, um conjunto de princípios e orientações que transcendem governos. Isso não significa fazer oposição, é até uma forma indireta de ajudar o governo”.
“No governo Lula 3 na saúde, apesar de todos os esforços de diálogos e retornos de ações e programas, isso é tentar voltar ao que era há 10 anos, que também não era bom. A Abrasco tem o papel fundamental de apontar a ausência de um projeto abrangente, a fragilidade das políticas, a baixa regulação da saúde suplementar e a manutenção do processo de privatização na saúde”, reiterou.
O caminho, aponta Paim, é apostar na radicalização: “Nossa agenda é a radicalização da Reforma Sanitária Brasileira, é a defesa do SUS democrático, público, participativo, integral. Tem sim convergência com a agenda do governo Lula, a de redução de desigualdades e de luta pela democracia e emancipação dos sujeitos e da humanidade”.
■ Inês Costal é jornalista do Observatório de Análise Política em Saúde.
O texto foi originalmente publicado no site do OAPS. Leia na íntegra.
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