A enfermeira e presidente da Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade (Abefaco), Renata Barros, conversou com Radis por mais de uma hora, às vésperas do primeiro Congresso Brasileiro de Enfermagem de Família de Comunidade, realizado de 14 a 16 de novembro, no Rio de Janeiro. Durante a entrevista, Renata detalhou parte de sua formação e atuação profissional na Estratégia Saúde da Família (ESF), modelo ordenador da atenção primária em saúde no Brasil que completa 30 anos em 2024, destacou a importância da residência em enfermagem de família e comunidade e explicou como o olhar diferenciado do especialista pode aprimorar a qualidade no cuidado e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS).
Ela abordou ainda o papel do enfermeiro de família e comunidade no modelo de atenção primária praticado no Brasil, a necessidade de revisão do número de usuários por equipes de saúde da família (eSF) e de adequação no financiamento da ESF, além das discrepâncias salariais e a importância de valorização desses profissionais. “Eu posso atuar sem ser especialista, mas o conhecimento técnico que eu vou ter para oferecer a qualidade de atendimento para o usuário, sendo especialista, é infinitamente maior. O especialista oferece a seus usuários técnicas e saberes estruturados”, defendeu.
Falou também sobre a atuação político-social e científica da Abefaco, que no próximo ano completa sua primeira década, e deixou uma mensagem à população assistida pela ESF, no SUS: “Estamos esperando vocês na cidade, na saúde indígena, na saúde prisional, ribeirinha, quilombola, enfim, onde houver um enfermeiro de família e comunidade, ele está pronto, está apto a atuar dentro da complexidade que é o ser humano”. Leia a entrevista completa.
Como a saúde da família entrou em sua vida e trajetória profissional?
A saúde da família entra na minha vida ainda na universidade, há 20 anos. Eu me formei em enfermagem em dezembro de 2004, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Lá pela metade do curso, quando a gente começa a ter conhecimento de campo, nos estágios, eu fui vendo que a área hospitalar não era o meu forte, para onde puxava mais o meu coração. Não era onde eu gostaria de estar. Naquela época, a gente ainda tinha poucas ofertas de estágio em saúde da família. Imagina, eu entrei em 2000, a saúde da família ainda estava engatinhando no Brasil. Naquela época, ainda eram poucas as ofertas de ensino na atenção primária na graduação, mas o meu primeiro contato com a saúde da família foi de acompanhamento de consultas com a enfermeira local e daí eu fui me aproximando, gostando mais de estar perto da comunidade, de poder ter essa troca.
Com isso, durante a graduação, sempre que podia escolher um campo que se aproximasse mais da saúde da família, eu procurava por isso. Naquela época, a gente ainda tinha aquela fama que era: — Ah, você gosta de postinho. Tinha muito isso e eram estágios pouco procurados. A maioria das colegas disputavam uma vaga em CTI e eu sempre odiei CTI. É um lugar que eu gosto de passar longe. Porque eu gosto da interação, de poder conversar, de estar perto das pessoas. Então, naquela época, ainda havia poucas oportunidades, mas as que tinham eram minhas. Porque eu era a ‘colega do postinho’, e está tudo bem.
E depois da graduação, como foi esse percurso?
Bom, terminando a faculdade, eu já fui procurando de que forma eu poderia continuar essa formação de atenção primária, de família e comunidade. E aí eu fui descobrindo algumas residências. Naquela época também havia poucas oportunidades de residência na área da enfermagem para o campo de saúde coletiva, de atenção primária, de família e comunidade. Eram poucas ofertas no Brasil, mas na minha cidade [Porto Alegre], tinha o Centro de Saúde Escola Murialdo, vinculado à Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. Eram apenas sete vagas por ano e uma das poucas residências do país. Ainda assim, eu queria continuar minha formação. Obviamente, a graduação não aprofunda o campo que a gente quer, ela dá aquele panorama geral, mas eu já sabendo o que queria, comecei a procurar. Então eu fiz o processo seletivo. Saí da graduação em dezembro, fiz o concurso para residência e entrei. Daí, em fevereiro de 2005, eu já começo a residência multiprofissional em saúde coletiva no Murialdo, que é um lugar histórico de formação.
Entre 2005 e 2006, eu faço essa residência, que é uma experiência que recomendo para qualquer pessoa que queira seguir no campo da enfermagem de família e comunidade. Inclusive, para a Abefaco [Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade], a residência é o padrão ouro de formação, é o caminho que a gente orienta para a pessoa que quer ser uma enfermeira de família e comunidade, que quer ser uma especialista. Claro que existem também os cursos de especialização mais curtos, mas a residência de dois anos te dá uma carga de conhecimento que uma especialização mais curta não vai trazer. Então foi muito rico, eu recomendo para todo mundo que queira ser um especialista. A residência me transformou como profissional. Eu saio uma profissional da graduação e outra após a residência. Realmente me sinto uma especialista ao término dela, tanto prática como teórica. E a minha residência ainda foi multiprofissional. Logo depois, as residências multiprofissionais foram apartadas da medicina, por uma resolução do Conselho Federal de Medicina. Então foi muito rico para mim poder aprender com os outros colegas, nesses dois anos.
E como foi colocar todo esse conhecimento de formação como enfermeira de família e comunidade em prática?
Quando você se apaixona pelo campo, pela sua formação, você não para. Então, eu termino a residência já pensando: ‘E agora, em que eu vou trabalhar?” Daí, quando estou terminando a residência, sai um concurso para a Prefeitura de Porto Alegre, para saúde da família, bem no final do ano da residência, em 2006. Em março de 2007, eu já começo a trabalhar em Porto Alegre, na Estratégia Saúde da Família (ESF), como funcionária da Prefeitura. Aí começa a minha carreira. Entro na saúde da família, em Porto Alegre. Mas já pensando: ‘Eu preciso de mais formação, porque eu quero entender esse campo pelo qual me apaixonei’. Essa é outra questão, também: acho que a gente tem que estar sempre querendo aprender mais. A formação nunca para, ainda mais na saúde. Então eu começo a trabalhar em Porto Alegre já pensando na minha próxima formação, quando vem o curso de sanitarista, pela Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, que é uma complementação da residência. Uma formação de sanitarista que eu faço junto com o trabalho. Sigo em Porto Alegre até o início de 2011, atuando na saúde da família, quando começa a expansão da ESF no Rio de Janeiro. Eu tinha algumas amigas que vieram contribuir com essa expansão. Uma delas me chama, eu venho fazer o processo seletivo para uma dessas vagas e passo. Então, ainda em 2011, eu começo a atuar na ESF do Rio de Janeiro.
Vir para o Rio de Janeiro, mudar de cidade e estado, deve ter sido desafiador.
Foi um marco bem importante, para a cidade e para mim. Apesar de eu já ter residência, já ter experiência e já ser sanitarista, foi muito importante essa vinda pra cá, por poder viver essa expansão, de poder pensar um modelo, em maneiras novas de formação de Clínica da Família, de novas estruturas que em Porto Alegre não existiam. Isso foi muito importante para meu conhecimento como enfermeira de família e comunidade: poder conhecer e participar dessa expansão, desses movimentos todos e ao mesmo tempo começa a surgir outras oportunidades de aprimoramento da formação. Na saúde da família do Rio de Janeiro, surgem os primeiros mestrados profissionais em atenção primária com ênfase em saúde da família. E aí, então, em 2014, eu entro no mestrado da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], em atenção primária, que é um convênio com a Prefeitura do Rio de Janeiro, pela Secretaria Municipal de Saúde. Eu complemento mais uma vez a minha formação e continuo atuando no Rio de Janeiro, quando vem a oportunidade também de ser preceptora do Programa de Residência do município [SMS-RJ], onde fiquei por 3 ou 4 anos. Daí, pulando mais um pouco, vem o doutorado, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), que finalizarei em junho de 2025.
Tem alguma passagem profissional que tenha te marcado nesses anos de atuação em Porto Alegre ou no Rio de Janeiro e que possa compartilhar?
Houve duas situações que aconteceram comigo que diziam muito sobre o vínculo [afetivo]. Uma, em Porto Alegre, com uma família que realmente passava muita necessidade, uma mãe sozinha com cinco filhos, e cuja renda era do programa Bolsa Família. Era uma família que eu acompanhava muito de perto e criei um vínculo muito forte. E eu lembro que uma vez eles ficaram sem o auxílio social e pude ajudá-los. Eu tinha um vínculo muito bom com eles. Todo dia ela vinha falar comigo, eu praticamente era da família, fazendo o trocadilho. Isso mostra a relevância do olhar do especialista sobre o outro, entender o quanto é essencial aquela alimentação e as questões sociais que envolvem aquela família. E isso o especialista consegue fazer. Esse é um dos olhares importantes em relação à população que a gente pode ofertar.
E o outro caso foi quase no final da minha atuação na enfermagem de família, aqui no Rio, que para mim foi uma surpresa, porque eu nem achei que eu tivesse feito tanta coisa, mas foi um vínculo que eu fiz com um pai, um idoso com Alzheimer, e o filho dele. Eu fiz duas visitas domiciliares, para entender o caso, para ajudar naquela questão de organização da família. A meu ver, tinha sido uma coisa simples, duas visitas. Fiquei lá por pouco tempo e quando eu saio dessa equipe, o filho me deixa um livro lindo do Francisco de Assis, com uma carta linda, agradecendo o cuidado que eu havia tido com o pai dele e com ele, e que me surpreendeu, pois eu não tinha percebido o quanto aquilo tinha sido importante para aquela família. Então, de novo, a questão do vínculo. De novo a questão de o especialista ter um olhar diferente sobre uma família, sobre uma pessoa. De entender a complexidade daquele ser humano. E isso, a especialidade nos traz: esse olhar diferenciado.
Falando mais sobre a especialidade, o que difere um profissional de enfermagem com essa formação de família e comunidade de um generalista?
Essa é uma discussão que a gente vem fazendo. A Abefaco participa de um grupo de trabalho com o Ministério da Saúde sobre práticas de enfermagem no Brasil. A gente vem discutindo justamente esse ponto agora, de qual é a diferença do enfermeiro generalista para o enfermeiro de família e comunidade. Porque, por exemplo, se eu tivesse me formado na graduação, lá em 2004, e começado a trabalhar na saúde da família de Porto Alegre sem a residência, não teria problema nenhum, eles não exigiram título. E a gente tem essa questão, de vários lugares no Brasil não exigirem título para atuar na saúde da família, na enfermagem. E isso acontece com a medicina também. Na teoria, legalmente é igual.
Então eu posso me formar na graduação e atuar na saúde da família. Não tem problema, não existem atribuições específicas, técnicas, procedimentos do enfermeiro de família e comunidade que um generalista não possa fazer. A diferença está na qualidade técnica e na formação. E aí entra também a questão do médico de família, porque a gente tem uma complexidade na atenção primária, na saúde da família, muito grande. Culturalmente e clinicamente, eu diria. A enfermeira de família acompanha um pré-natal, uma criança, um idoso, acompanha todos os ciclos de vida e vários outros programas, pois hoje em dia se faz diversos tratamentos.
Então, qual é a diferença? A técnica que eu vou usar. Porque se eu me graduo e vou atuar como enfermeira de família sem ter feito uma residência, que me dá uma gama muito melhor de conhecimento, eu vou ter dificuldade no início. Eu posso aprender atuando? Posso, mas o tempo que isso vai demandar para o sistema, muitas vezes pode ser fatal. E no aspecto financeiro também. Porque os dois anos que eu estou na residência, estou aprendendo a fazer um pré-natal, a fazer uma puericultura, com uma gama absurda de questões que precisamos estar atentos, questões da sala de vacina, que também são super complexas. E são questões que a gente não consegue aprofundar numa graduação. Então, eu posso atuar sem ser especialista, mas o conhecimento técnico que eu vou ter para oferecer a qualidade de atendimento para o usuário, sendo especialista, é infinitamente maior. O especialista oferece a seus usuários técnicas e saberes estruturados.
Há algo que dificulte essa compreensão?
Muitas vezes o gestor tem alguma dificuldade de pensar sobre isso, que se for um especialista vai ter que pagar mais a ele. Vai? De preferência sim, porque é um especialista. Mas qual é o ganho que você vai ter para o sistema? Saúde não é mercadoria, o dinheiro investindo na saúde não é gasto. Quando eu tenho especialista, eu posso gastar um pouco mais com ele em salário, mas eu vou ter um atendimento melhor à população. Então, a economia para o sistema é maior, porque teremos menos internações, casos mais bem resolvidos, um acompanhamento de pré-natal com desfecho melhor. Logo, o ganho para o sistema e para o usuário é imensamente maior entre ter um especialista e um generalista, que vai precisar aprender com o usuário enquanto atua. Essa é a importância do especialista para o sistema.
E hoje, quais são as principais reivindicações da enfermagem de família e comunidade?
O que eu brigo muito é justamente pelo reconhecimento da categoria, da especialidade, e isso inclui a diferença de salário. Infelizmente a gente ainda tem diferença de salários discrepantes no Brasil. Eu não quero apontar os médicos de família, porque eles não têm culpa, não quero falar sobre isso, mas também em relação a outras categorias. A gente tem salários de três a quatro vezes menores até em relação à odontologia, que hoje em dia também tem salários diferentes dos da enfermagem. Então, dentro de um sistema em que a gente tem um cuidado compartilhado e multidisciplinar, não cabe mais uma diferença salarial estratosférica da enfermagem em relação às outras categorias profissionais. Sendo que o cuidado da enfermagem é tão complexo e numeroso quanto o das outras especialidades.
Uma residente minha fez uma pesquisa em relação ao número de atendimentos da enfermagem e médicos referentes à pré-natal, puericultura e tuberculose. Das quatro linhas que ela estudou, em três a enfermagem tinha mais atendimento. Então a gente já tem, hoje, comprovado por pesquisa científica que a enfermagem atende tanto quanto as outras categorias, tem um escopo de trabalho ampliado, que não justifica mais uma diferença salarial absurda, além de outras atividades que são inerentes à enfermagem na saúde da família.
Como você enxerga a Estratégia Saúde da Família na atenção primária?
Nós temos um modelo de atenção primária no Brasil de referência mundial, que é a Estratégia Saúde da Família. E isso sempre tem que ser pontuado. A gente tem um atendimento de uma equipe multidisciplinar que a maioria dos países não tem, e isso é muito importante. A gente tem um modelo de atenção primária e a precisamos reforçá-lo e protegê-lo. É por conta disso que há a especialidade de enfermagem de família e comunidade, porque temos um modelo de atenção primária no Brasil. Socialmente, a enfermagem é vista como procedimento. Quando a gente pergunta para uma pessoa leiga: o que é enfermagem? Eles falam “vacina; medicação; injeção”. A população associa a enfermagem ao procedimento. Ela não associa a enfermagem ao atendimento, à consulta, a exames. E a população tem acesso a essa enfermagem, que faz consulta, que faz tratamento, que prescreve e faz exames, geralmente, pela saúde da família, pela atenção primária. As pessoas desconhecem esse campo de trabalho da enfermagem e quando conhecem, reconhecem e se importam. E até preferem, às vezes, passar em consultas conosco. Não é uma disputa com ninguém, mas é um reconhecimento.
A atenção primária vem passando por uma mudança muito benéfica nos últimos 10, 15 anos, no Brasil, que é uma questão de descentralização. A gente tinha uma atenção primária seletiva, quando era o modelo do Programa Saúde da Família (PSF) e que depois muda para estratégia. E não é só a mudança de um nome, é uma política. No PSF, a gente tinha uma atenção primária mais seletiva, que atuava por programas. Então era outra atenção primária, com forte eixo comunitário, com forte eixo de vigilância e ligada a programas. A demanda era espontânea da população, que praticamente não acessava o PSF porque o nosso modelo era de uma atenção primária seletiva, de programas. Então, quando vira a Estratégia Saúde da Família, esse modelo começa a mudar e não temos mais uma atuação por programas. Não temos mais, por exemplo, o dia da puericultura, o dia do pré-natal, o dia da pessoa com diabetes, como era antigamente. Começamos a absorver na saúde da família as demandas desses usuários que têm essas questões do dia a dia. Passamos a fazer tratamentos que antigamente só eram referenciados — como exames de HIV e hepatites, por exemplo. Assim, a gente começa a ampliar a gama de trabalho da atenção primária na saúde da família e isso muda o modelo, passa a ser outra atenção primária.
O que mais muda nessa atuação e qual a importância do enfermeiro de família e comunidade nessa engrenagem?
Com essas mudanças, o enfermeiro de família e comunidade ganha um papel muito importante no sistema. Porque ele começa a ter mais autonomia, ele começa a fazer mais atendimentos, a dar diagnóstico, a fazer tratamento, coisas que antigamente eram só de programas e que a gente não faria. Então a gente participa desse acesso ampliado ao sistema. A enfermagem de família e comunidade, com a mudança de escopo de trabalho e de ampliação da atenção primária, começa a oferecer o seu trabalho de acesso à população. A gente deixa de ser um modelo médico centrado, porque até então quem prescrevia, quem tratava, quem fazia referência para outro equipamento de saúde era o médico. E quando se muda a atenção primária e ela deixa de ser por programas, amplia-se a autonomia da enfermagem. Ela ganha muito mais escopo de trabalho e reconhecimento científico e social, porque agora a equipe multi e interprofissional é mais forte do que nunca, quando eu divido esses papeis e esse cuidado com meu colega médico.
Em termos de orçamento, como você vê o financiamento da ESF? É suficiente para as atribuições da enfermagem? A Política Nacional de Atenção Básica (Pnab), por exemplo, tem impactado essa questão?
A alteração da Pnab é uma promessa desse governo, é o que a gente sabe nos bastidores, que ela está sendo discutida. Então, por enquanto, a Pnab atual continua valendo, que é uma política que trouxe algumas distorções para a ESF, retirando um pouco da questão de modelo prioritário da estratégia, dividindo o financiamento com outros modelos de equipe. E isso enfraqueceu de certa forma o modelo, com outros desenhos de equipe, e mexeu um pouco sim com a qualidade da ESF. A nova Pnab é uma discussão que a gente vem tentando participar, a gente vem pontuando com o Ministério a necessidade de discussão, tanto a Associação Brasileira de Enfermagem (Aben) como a Abefaco, e outras entidades ligadas à atenção primária.
E no mais? O que ainda é tido como dificuldade?
Acredito que o financiamento poderia estar com um desenho um pouco melhor em relação ao número de usuários. Com um modelo mais de incentivo à redução do número de usuários por equipe nos grandes centros urbanos, porque a gente tem uma questão, sim, de qualidade, de dificuldade de atuação dos profissionais em relação a uma atenção primária tão complexa, de atendimento para tantos usuários, e de como conseguimos dar esse acesso com qualidade. Acho que ainda caberia mais discussão em relação ao financiamento, um formato mais eficaz junto aos municípios em relação ao número de usuários, com incentivo melhor, um incentivo mais amarrado, para que os municípios diminuíssem o número de usuários, porque é difícil falar para o prefeito que onde ele tem 50 equipes, ele vai precisar ter 100. Isso é financiamento.
Se quero diminuir o número de pessoas por equipes, eu vou precisar de mais financiamento, é uma coisa óbvia. Se onde havia 50, vamos precisar de 100, é necessário financiamento, porque o município sozinho não tem como fazer. E como isso vai ser acompanhado pelo Ministério? Qual é a garantia? Quem vai acompanhar que realmente essa equipe não vai ter mais 4, 5 mil usuários? — “Ah, mas são 4 mil usuários em uma área de Zona Rural, com pouco acesso”. Claro, tem essas diferenças, mas o que a gente vê nas cidades médias, com população em torno de 100 mil habitantes, e até com mais de 50 mil, nos grandes centros, é que as populações de cada equipe continuam com 3 a 4 mil usuários e para este modelo de atenção primária não é efetivo. A gente não consegue ofertar qualidade.
Então o financiamento precisa estar atrelado ao número de usuários, ele precisa ser mais bem acompanhado em relação a isso. Acho que sempre tem que bater nessa questão: o financiamento da saúde precisa estar ligado à qualidade da saúde. É óbvio. E o que é qualidade na atenção primária? A gente está falando de número de usuários, porque eu preciso dar qualidade. Então eu preciso de uma equipe multidisciplinar, que também vai entrar no financiamento. A saúde da família precisa de apoio. O médico, o enfermeiro, o técnico, o agente comunitário, eles precisam de apoio, porque uma pessoa, um cidadão, ele é complexo. Ele vai precisar de apoio social, do educador físico, da nutricionista, do apoio da equipe multidisciplinar. A equipe multidisciplinar da ESF. Ela é importante e é financiamento puro.
Você hoje é presidente da Abefaco. Fale um pouco sobre como a associação foi criada e como você chegou à Presidência.
A Abefaco foi fundada em 2015, no Congresso Brasileiro de Enfermagem, em João Pessoa (PB), com apoio do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e da Sociedade Brasileira de Médicos de Família e Comunidade (SBMFC). Essas são as três principais entidades que deram apoio e suporte básico para que a associação existisse. Antes disso, nossas reuniões ocorriam durante os congressos brasileiros de medicina de família. Isso também ocorria nos congressos da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Então, a gente começa a usar os congressos para fazer essas reuniões nacionais, para chamar o pessoal para criar a nossa associação. Daí temos a primeira diretoria, eleita em 2015.
Eu não participei dessa eleição, mas integrei a primeira gestão como diretoria ampliada, como a gente chama. Como eu sempre fui uma pessoa muito ativa, comecei a participar bastante, a estar sempre presente e a assumir algumas questões, a participar de eventos, e a preparar esse caminho para minha gestão, a partir de 2021. Daí, veio a segunda eleição e a gente organizou uma chapa única, quando eu já tinha um apoio também de alguns diretores da primeira gestão e vim como presidente nessa segunda diretoria.
E qual é a missão da Abefaco?
A Abefaco é uma associação sem fins lucrativos, uma associação científica e social. E é importante separarmos as associações de especialidades da questão sindical, que muita gente confunde, e dos conselhos, que são três coisas diferentes. Três atuações distintas, mas que muitas vezes têm pautas semelhantes. Então a gente tem o sindicato, o Cofen e o Coren (Conselho Regional de Enfermagem dos estados) e temos as associações. A Abefaco visa à formação e ao desenvolvimento da especialidade. Então, nosso principal foco é promover o desenvolvimento da enfermagem de família e comunidade. E o que envolve isso? Envolve cursos, congressos, políticas de saúde etc. A gente sempre atua com o Ministério [da Saúde], em relação às políticas que envolvem a enfermagem de família e comunidade e a atenção primária. Então, politicamente e cientificamente, a Abefaco está presente nessas discussões. Em nossa atuação, a gente prevê o desenvolvimento da categoria, mas obviamente o nosso foco final é o sistema de saúde [SUS] e o usuário.
Falando nisso, para encerrarmos, que mensagem você deixa à população? O que os usuários do SUS podem esperar dos enfermeiros de família e comunidade?
O enfermeiro de família e comunidade está na sua porta. Ele está dentro da sua casa. Ele está na unidade de saúde, esperando para receber você, o cidadão, o usuário, dentro da complexidade imensa que é o ser humano. Um profissional tecnicamente especializado em cuidado em todos os ciclos de vida. O ser humano não é só doença, então um especialista tem técnicas para manejar diversidade cultural e social. Um especialista que entende toda a sua complexidade enquanto ser humano. Então, procure a Unidade Básica de Saúde, seja recebido por um enfermeiro de família e comunidade. Essa é a nossa diferença, nós estamos tecnicamente formados para cuidar de você em todas as suas necessidades, em toda a sua complexidade. Seja ela social, seja ela de saúde, seja ela cultural. Estamos esperando vocês na cidade, na saúde indígena, na saúde prisional, ribeirinha, quilombola, enfim, onde houver um enfermeiro de família e comunidade, ele está pronto, está apto a atuar dentro da complexidade que é o ser humano em todas as suas frentes.
As pessoas reagiram a este conteúdo
Que orgulho! Meu respeito ao todos os colegas EFC, que desempenham um papel tão extraordinário na APS, sempre buscando o melhor para fazer o melhor nas ESF desse Brasil! Parabéns a ABEFACO pelo importante trabalho que realiza pela EFC. E viva a ESF! Viva a EFC! 💙
Parabéns, maravilhosas por mais Enfermeiras como vocês…
Muito orgulho de ser Enfermeira de Família e Comunidade. Viva o SUS, viva a ESF.
Muito importante para a Enfermagem de Família e Comunidade (EFC) e para nosso modelo de APS Brasileira. O mundo precisa saber quem é essa especialista, EFC.
Parabéns pela reportagem!
Parabéns a nossa EFC – e por toda representatividade e luta que a ABEFACO tem buscado.
Somos engrenagem na ESF e sinto muito orgulho da nossa enfermagem e de todo cuidado que entregamos na ponta!!!!
VIVAAAA EFC 🩵🩵🩵