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As mulheres que constroem a agroecologia no chão de seu território não só ensinam seus filhos a plantar e a colher alimentos sem agrotóxicos. Fazem muito mais. Por isso, a frase “Sem feminismo não há agroecologia” ecoou nos muitos espaços onde aconteciam as atividades do 12o Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado no Rio de Janeiro, de 20 a 23 de novembro de 2023. 

São as mulheres que também estão na linha de frente para construir alternativas ao agronegócio e coibir o desmatamento. “Nós fazemos esse combate o tempo inteiro”, disse à Radis Ajurimar Bentes de Oliveira, integrante do Fórum Popular da Natureza e da organização Teia dos Povos, ao ressaltar o direito de permanecer e viver em seu território.

Os olhos de Ajurimar acompanham de perto as mudanças que têm ocorrido na terra por conta das alterações climáticas e ela sabe que boa parte da natureza já está envenenada pelo agronegócio. “Fora as pessoas que estão doentes pelo envenenamento dos rios, das fontes, dos mares, das nascentes, de onde o povo tira seus alimentos”, disse. Como Ajurimar, camponeses e camponesas, empreendedores e povos de comunidades tradicionais que participaram da Feira Nacional de Sabores e Saberes da Agroecologia e Economia Solidária também chamaram atenção para o protagonismo das lutas populares em defesa da terra e do meio ambiente.

A Feira foi instalada no Passeio Público, região central do Rio, e expressou toda a potência do movimento agroecológico. Nela, foram expostas mais de três toneladas de alimentos dos assentamentos e acampamentos do Movimento Sem Terra (MST), como amostra e comercialização de uma produção diversificada e totalmente limpa, cultivada sem o uso de veneno ou produtos químicos e que cresce no ritmo da natureza.

Frutas, hortaliças, legumes, plantas alimentícias não convencionais (PANCs), ervas, chás, sementes nativas e artesanato eram vendidos nas barraquinhas ocupadas por 270 agricultores familiares, indígenas, quilombolas e outros produtores. Além de gerar renda, os participantes vivenciaram intensa troca cultural, fortalecendo tradições alimentares e trazendo novidades.

A empreendedora Rosa Maria Ferreira veio de Paulista (PE) para vender produtos de limpeza. Na barraquinha, explicava a importância de preservar sem poluir. Ela era mais uma voz a se levantar contra a destruição da natureza. Mas isso tem mesmo a ver com agroecologia? “Tudo a ver”, explicou. “Com o sabão jogado no chão não se consegue plantar. Ele mata os peixes, as plantas, destrói tudo. Um litro de óleo polui 26 mil litros de água. Como vai ter água [limpa] para aguar a planta?”, indagou. Além de não jogar o óleo na pia, a produtora, que comercializa seus produtos por via direta e por seu perfil no instagram (@casa_do_sabao_ecologico), também recomenda que seja feita a coleta seletiva dos resíduos. “Isso ajuda o meio ambiente e a você também”.

Plantar nas cidades 

A cidade também planta e alimenta, apesar das violências, ameaças, disputas e expulsões vividas nos territórios urbanos, principalmente pela especulação imobiliária. As práticas agrícolas feitas nos centros urbanos, nos morros, nas favelas e nas periferias ganharam destaque em um dos Barracões de Saberes, espaço que promoveu atividades autogestionadas, tais como rodas de conversa, troca de experiências, debates e apresentações. 

Para Erika Segae, coordenadora de Projetos do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), organização sediada em Florianópolis (SC), a agricultura urbana (AU) é um vetor importante para combater a fome e a insegurança alimentar e também produz saúde. Ela explicou à Radis que a agricultura urbana pensa a saúde de forma mais integral. Como exemplo, ela citou um trabalho de autoconsumo realizado em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e que promove bem-estar e qualidade nas relações psicossociais. “Cultivar traz importantes repercussões na saúde”, afirmou.

Jeilza Correa dos Santos, integrante da Rede Sergipana de Agroecologia pelo Movimento de Trabalhadores Urbanos de Sergipe (Motu), afirmou que o campo e a cidade se aproximam na produção de alimentos. Para ela, a reforma urbana, com a regularização fundiária e a ocupação de espaços que cumpram com a função social, é um caminho para ajudar o Brasil a sair do Mapa da Fome. “A cidade precisa saber de onde vêm os alimentos. Não adianta querer levar saúde e sustentabilidade ao planeta, se as pessoas não estão comendo e não sabem diferenciar um produto convencional de um agroecológico”, observou. 

Diversidade de vozes

Jane Santos, quilombola: “A agroecologia já era praticada pelos nossos avós”. — Foto: Eduardo de Oliveira.
Jane Santos, quilombola: “A agroecologia já era praticada pelos nossos avós”. — Foto: Eduardo de Oliveira.

A agricultora Jane Santos, quilombola do município de Barra do Turvo, no Vale do Ribeira (SP), reforça que a agroecologia caminha junto com os saberes dos povos tradicionais. “Agroecologia é um tema que nós estamos escutando muito de uns tempos pra cá. Quando a gente era criança, a gente não sabia, mas já era praticada pelos nossos avós”.

“Nosso papel é cuidar da natureza, da água que vamos beber, educar as crianças na tradição quilombola, do jeito que ‘nós’ se criou, trabalhando na terra”. Com a agroecologia, ela observou que seu povo aprendeu também a gerar renda. Jane integra a Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (Rama) e conta que, no Quilombo Terra Seca, a união entre as mulheres é um elo fundamental para o cultivo da terra e o cuidado com a natureza. “No Vale do Ribeira, as mulheres se uniram. Com a agroecologia, o mundo se abriu”, declarou à Radis.

No Barracão dos Povos Indígenas, no Passeio Público, lideranças de comunidades indígenas de todas as regiões dialogaram com instituições como Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fiocruz, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), entre outras.

“Agroecologia é a leitura da vivência das comunidades indígenas, centrada na autonomia, no desenvolvimento sustentável e em um modo de viver mais harmônico”, resumiu Lina Apurinã, da Aldeia Camicuã do Sul, do Amazonas. Ela trabalha no Ministério dos Povos Indígenas e destaca a importância desse modelo sustentável para a política e a ciência. “É uma pauta importante inclusive para a gestão ambiental e territorial”, salientou. Segundo ela, os territórios indígenas têm seus espaços ameaçados com a invasão de grileiros e a expansão agrícola, o que impacta fortemente em sua condição de vida.

Sementes do futuro

Lideranças religiosas de diferentes crenças abençoaram as sementes, em um gesto simbólico de promoção à diversidade. — Foto: Liseane Morosini.
Lideranças religiosas de diferentes crenças abençoaram as sementes, em um gesto simbólico de promoção à diversidade. — Foto: Liseane Morosini.

De diferentes cores e formatos e vindas de todos os cantos do país, as sementes crioulas espalhadas sobre as mesas instaladas no Passeio Público, no Rio de Janeiro, durante a Feira da Agrobiodiversidade, lembravam que a agroecologia é diversidade. Aos poucos, 70 guardiãs e guardiões da biodiversidade foram chegando e expondo as suas sementes para troca. Compartilharam conhecimentos e experiências, fortaleceram a rede e mostraram alternativas para a conservação das sementes tradicionais, necessárias para enfrentar o mercado de sementes transgênicas das empresas privadas.

Os participantes celebraram, também, a diversidade de sementes cultivadas em cada bioma e região do Brasil. Na troca, exaltaram a potência das sementes nativas e crioulas, cultivadas sem modificação genética e que são a garantia de futuro para uma alimentação saudável. 

Maria Helena Caroba era uma das guardiãs que trouxe o seu banco de sementes para a feira.  Assim como a mãe, que armazenava as sementes em recipientes de vidro, ela aprendeu a amá-las. “Minha mãe escolhia a melhor semente para o próximo ano”, lembrou.

Ela afirmou à Radis que hoje já não se encontra tanta variedade de sementes. “Estão em extinção. São sementes puras que fazem a diferença”, ressaltou. Ela contou que esse cuidado que aprendeu com a mãe é comum entre as famílias, que vão passando o conhecimento de uma geração para outra.

Carta Política

A Carta Política do Rio de Janeiro, documento de referência construído por muitas mãos ao longo do 12º CBA, reforça os múltiplos significados da agroecologia e destaca que ela precisa estar “na boca do povo”, especialmente em um país de “desigualdades abissais”. “O campo da agroecologia se vê desafiado a tratar de temáticas sensíveis, produzindo estratégias de enfrentamento à fome, ao racismo, às desigualdades de gênero, à devastação ambiental e às injustiças climáticas. Esse é o papel de uma ciência engajada em movimentos de transformação das estruturas geradoras dessas mazelas”, diz o documento.

O documento reforçou também que “onde há racismo, não há agroecologia” e lembrou que o encontro abordou as várias facetas do racismo estrutural reproduzidas no acesso à terra e ao território. Também destacou o papel da comunicação e da cultura para a promoção de outros olhares e vivências em relação à natureza. E políticas públicas voltadas para a permanência no campo, a agricultura urbana, a participação social, a educação popular e os direitos das mulheres, das populações tradicionais e das pessoas LGBTQIAP+.

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