Poucas pessoas testemunharam tantos momentos contundentes da pandemia de covid-19 como o carioca Peter Ilicciev. Fotógrafo da Fiocruz, com longo histórico de coberturas jornalísticas, são dele os registros de momentos marcantes do período [Alguns ilustram a edição 270], como a rotina dos trabalhadores que atuaram na linha de frente do combate ao vírus na instituição, a transferência de pacientes para o Centro Hospitalar para a Pandemia de Covid-19 do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e a aplicação das primeiras vacinas no país.

Um período de muito trabalho, lembra o fotógrafo, que atua na instituição há 27 anos. Acostumado a grandes coberturas de saúde e a expedições científicas, como acompanhar a atuação da Fiocruz na Antártida, Peter destaca a pandemia de covid-19 como um momento no mínimo desafiador em sua carreira. Em conversa com Radis, com quem colaborou ativamente no período, ele rememora um pouco de como foram aqueles dias, quando a maioria das pessoas estava em casa: “Eu vinha trabalhar com orgulho de saber que as pessoas acreditavam no meu trabalho, que meu trabalho era muito importante porque registrava um momento histórico. Ainda mais na Fiocruz, que estava na linha de frente. Isso me marcou muito”, revela.
O ritmo de trabalho era intenso, já no primeiro ano de pandemia (2020). Peter revela que “a ficha caiu” quando soube da morte de um amigo, o roteirista Adolfo Paiva, com quem estava produzindo um documentário sobre os entregadores durante a pandemia. Não poder ir ao enterro do amigo ficou marcado em sua memória. Com a falta dele, o projeto não vingou. Depois de Adolfo, pelo menos cinco fotógrafos se foram. “Foi aí que eu percebi que a coisa era séria, mas não deixei de ir às ruas”, explica.

O olhar experiente do profissional de imagens — que também está à frente da Agência Enquadrar — recusava-se a registrar apenas os movimentos institucionais de combate ao vírus. Morador de Copacabana, no Rio de Janeiro, ele passou a registrar também as ruas do bairro, a rotina dos profissionais que não podiam permanecer em casa, a resistência dos negacionistas, o movimento das pessoas que viviam em situação de rua.
“Eu pensava: sou fotógrafo e a minha função é contar a história. Eu não posso ficar dentro de casa com uma pandemia lá fora”. Ele conta que mesmo saindo com todos os equipamentos de proteção, ele sabia os riscos que corria. “Eu sabia que podia me contaminar e que poderia ser sério, principalmente antes da chegada da vacina”, conta, revelando que teve covid duas vezes.

Foi em uma destas saídas que ele registrou um momento icônico, que inspirou a reportagem de capa da Radis 212 (maio de 2020). Caminhando pela avenida Atlântica, cartão postal de Copacabana, vazio naquele momento, ele avistou a cena: No mesmo prédio, em um andar, uma mulher se exercitava na esteira; em outro, uma empregada doméstica limpava a vidraça de um apartamento. A contradição estampada na imagem foi a ilustração perfeita para a reportagem, que narra como as medidas contra a covid-19 esbarravam na realidade marcada por desigualdades sociais e na ausência de direitos básicos, como moradia, emprego e saúde.
A partir daí, muitas outras parcerias aconteceram entre Peter e Radis, sempre pautadas pela defesa das respostas da ciência às ameaças e pelo respeito aos direitos das pessoas durante a pandemia. Foi assim quando cedeu imagens de entregadores de aplicativo nas ruas do Rio (Radis 215), quando fotografou a pneumologista Margareth Dalcomo (Radis 221) para uma grande entrevista, e quando registrou a primeira vacina aplicada na Fiocruz (Radis 221). “Foi um período muito intenso. Parecia que estávamos vivendo um filme”.
Mesmo correndo riscos, Peter não se recusava a atender um chamado de trabalho. “Gosto muito do que eu faço, então não tinha como recusar”, explica. Além de tudo, revela, ele tem muito orgulho do trabalho que realiza com a Fiocruz, e da oportunidade de ter sido testemunha ocular da história. E, olhando para trás, além do medo de que algo semelhante volte a acontecer, ele espera que os registros possam contribuir para que a vida siga adiante e a memória dos que se foram permaneça — como suas fotografias.














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