Em 7 de março de 2006, entrava na redação da Radis na Avenida Brasil para o meu primeiro dia como um profissional de Comunicação formado. Abria as portas da profissão repetindo as regras que acabara de aprender na faculdade. Do outro lado, estava a jornalista Marinilda Carvalho, então editora da revista, e sua bagagem de uma vida inteira dedicada ao jornalismo — tendo passado por Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Veja, IstoÉ e Observatório da Imprensa.
Foi com ela que aprendi que o principal pilar do jornalismo não é imparcialidade ou neutralidade, como repetiam na sala de aula, mas justiça. “A Radis tem lado”, me disse antes da minha primeira reportagem, a cobertura da 3ª Conferência de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, em Brasília, uma semana depois da minha contratação.
Ao longo de quatro anos de parceria, Marinilda me alertava sempre que nosso lado era a defesa do SUS e dos direitos humanos, da liberdade, da democracia, contra todo tipo de opressão e autoritarismo. Que estávamos nessa profissão para praticar um jornalismo do bem, cumprir uma função social [Leia BOX clicando aqui] — uma visão compartilhada pelo coordenador do Programa Radis, Rogério Lannes, e por aqueles que vieram antes da própria revista Radis existir, nas publicações Súmula e Tema.
E assim fui a Bom Jesus da Serra, no sertão baiano, registrar as consequências da exploração do amianto na saúde dos trabalhadores (Radis 122), antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) votar pelo banimento desse mineral no país. Ali conheci Alcides Antônio da Silva, um dos ex-funcionários diagnosticados com asbestose, ou “pulmão de pedra”, depois de anos voltando para casa com os cabelos cobertos pela fibra desprendida das pedras. “Era um pó medonho, que entrava pelo nariz, pela orelha e pela boca”, lembrou, sentado em uma poltrona ao lado da porta de casa, onde passava boa parte do dia, dada sua dificuldade de andar.
“Aprendi que nosso lado era a defesa do SUS e dos direitos humanos, da liberdade, da democracia, contra todo tipo de opressão e autoritarismo.”
Bruno Dominguez
Em São Paulo, estive por duas vezes na região do bairro da Luz que ficou conhecida como “cracolândia” (Radis 158 e 178). Uma área que concentra pessoas em profunda situação de vulnerabilidade, que em vez de receberem cuidado têm sido varridas para fora da cidade. “O extremo vulnerável produz em nós uma ameaça, e em nome dessa ameaça muito já foi feito para excluir”, ouvi de Teresa Cristina Endo, assistente técnica da área de Saúde Mental da prefeitura de São Paulo.
O desafio era contar a história daquela população sem expor ou estigmatizar. O que precisava estar exposto era como os interesses de construtoras e seguradoras, que adquiriram terrenos e imóveis na região, em certo momento ganharam mais peso do que a dignidade das pessoas que ali habitavam — com o encerramento de uma política pública baseada em trabalho, renda, moradia e redução de danos. Atenção que se refletiu, por exemplo, na escolha das fotografias de Eduardo de Oliveira e na diagramação de Felipe Plauska, que não revelavam rostos.
Em outra reportagem, com as histórias de vida de pessoas trans (Radis 164), o objetivo era o extremo oposto: mostrar a cara de mulheres e homens que buscam simplesmente a liberdade de serem quem são. Em comum nos depoimentos de Helena de Souza, Barbara Aires, Hanna Mendes, Cristiano Lima, Laylla Monteiro, Kakau Ferreira e Biancka Fernandes, o reconhecimento de um “acúmulo de experiências ruins de preconceito” e o reforço de que a restrição de direitos de uns é uma violência a ser combatida por todos.
Como ser imparcial em uma situação de clara injustiça? Como dar espaço ao contraditório em situação de clara opressão? Pautas, palavras, fotografias, ilustrações e diagramação surgem na Radis a partir de uma reflexão coletiva com os colegas da equipe que você está conhecendo melhor nesta edição (Adriano, Ana Cláudia, Fábio, Ingridi, Justa, Liseane, Luiz Felipe, Licia e tantos outros que por essa redação passaram), embasada no jornalismo crítico e no conceito ampliado de saúde, que convoca todos os direitos humanos. No Brasil de 2022, uma reflexão cada vez mais necessária.
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