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  1. Editorial

Contra as pedras da exclusão

“A Terra está falando. Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Não é 2030 ou 2050, é agora”.

(Ativista indígena Txai Suruí)

No Brasil, cresceu a discussão sobre a pobreza menstrual, que afeta brasileiras que vivem em condições de pobreza sem recursos para adquirir produtos de higiene e não têm acesso a serviços de saneamento básico, e educação sobre a saúde menstrual e cuidados com o próprio corpo.

O veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que previa a distribuição gratuita de absorventes a estudantes de baixa renda de escolas públicas, presidiárias e mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade extrema, escancarou a negligência e a falta de empatia com que o tema é tratado no país. 

O estigma e os tabus que trazem a vergonha por sangrar, os sofrimentos e as implicações do Transtorno Pré Menstrual – TPM, que acomete muitas meninas, mulheres e homens trans, não podem afastá-las das escolas, do trabalho e do direito de não serem humilhadas, como relata nesta edição a entrevistada sobre este tema, Anna Cunha.

O repórter da Radis, Adriano de Lavor, entrevistou e acompanhou um dia de trabalho do padre Julio Lancellotti, nome bastante conhecido por sua atuação em defesa da população em situação de rua e por seu envolvimento em um incidente com a Prefeitura de São Paulo, quando quebrou a marretadas as pedras colocadas sob os viadutos que serviam de abrigo para pessoas sem moradia.

Entre os bancos da igreja, a inauguração de um supermercado e uma roda de conversa num boteco, o repórter ouviu o testemunho dos que o seguem e comprovou o quanto sua presença e palavra são demandadas. 

A trajetória de um velho padre com disposição de um menino, que optou por cuidar dos miseráveis e invisíveis, emociona quem conhece sua história de luta, que já foi contada em livro. A força e a coerência de suas palavras inspiram em quem o ouve a reflexão sobre o papel de cada um para resistir às opressões. Seu conhecimento sobre as dores, a solidão e o que chama de incomunicabilidade mostra o quanto ele caminha entre os esquecidos e oprimidos — e o que aprendeu com essa população durante a pandemia, lendo os olhares das pessoas. Ele sabe que não é fácil acolher gente com históricos de sofrimentos e rejeições, conhece o que acontece nas ruas onde o dia e a noite se alternam, sem oportunidades, segurança e respeito. 

 Sua fala é de luta sem armas e sem ódio, mas ao contrário, aceitando a diversidade e a pluralidade que existe por onde anda, com solidariedade e cuidado com a dor do outro. Enquanto o Brasil permanece sem política social de enfrentamento à pobreza e igualdade, Padre Júlio segue retirando as pedras do caminho.

A pandemia evidenciou e aprofundou uma crise social sem precedentes no Brasil, como consequência principalmente de investimentos em projetos desconectados da realidade e na demora em responder às necessidades sanitárias urgentes. O atraso na aquisição de vacinas e a falta de transparência nos contratos, a recusa e a indiferença para propor o isolamento social, as informações mentirosas, a negligência para realizar um programa de rastreio de contatos e testagem, a aposta numa imunidade de rebanho em contradição ao que dizia a Ciência e a não orientação da população, contribuíram para o vírus se espalhar e causar mais de 610 mil mortes.

Estas e outras causas estão apontadas como graves erros e constam do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a atuação do Governo Federal. Para um Brasil que sofreu e sofrerá por muito tempo as consequências desta pandemia, é fundamental uma rigorosa apuração de quem fez a opção pela ignorância e oportunismo de ocasião, que provocaram dores tão profundas que não podem ser esquecidas ou ignoradas. Todos os seus autores devem figurar como baluartes das trevas, com as respectivas penalizações.  

Às famílias dos mortos e os que sobreviveram ao vírus e sofrem com as sequelas, aos profissionais de saúde que estiveram presentes na luta salvando vidas e aliviando a dor, aos que não foram indiferentes e souberam dividir e acolher com generosidade as necessidades do outro, está reservado um lugar no panteão da História. 

Justa Helena Franco, subcoordenadora do Programa Radis
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