A

Menu

A

A

Menu

A

Relembre os cinco anos de covid-19 com a Radis

Como Radis contou as histórias da pandemia, com as transformações, o luto, a defesa do SUS e da ciência e as vozes mais impactadas

11 de março de 2020. A partir do decreto da pandemia de covid-19 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e com as mudanças impostas pelo isolamento social, tudo mudou também para Radis. Desde o modo de fazer as reportagens, o trabalho à distância e as entrevistas remotas com seus interlocutores, mas, especialmente, as pautas que ganharam as nossas páginas buscavam ir além dos números e dados e se preocupavam em contextualizar e ouvir as pessoas que tinham menos chance de ter voz, assim como os que estavam fazendo a sua parte, seja na linha de frente ou desmentindo as fakes news. Era o convívio com o medo e a insegurança e, ao mesmo tempo, a esperança de que aquele momento iria passar.

A primeira capa sobre o assunto, “Emergência Internacional”, em março de 2020 (Radis 210), buscou explicar o surgimento da covid-19, a diferença entre os termos pandemia e epidemia, e como o SUS estava se preparando para encarar a situação. Radis preocupou-se em trazer não apenas os dados, mas as consequências diretas do que já estava acontecendo e as previsões do que ainda estava por vir — mesmo que a ameaça ainda parecesse distante da realidade brasileira.

Relembre em dez temas as nossas abordagens sobre a pandemia de covid-19, ao longo das várias fases desse acontecimento que marcou a humanidade.

O SUS e os trabalhadores da linha de frente

Na linha de frente no combate à covid-19, profissionais de saúde revelam rotinas em que enfrentam incertezas, solidão, riscos e trabalho exaustivo
— Capa: Ilustração digital de Felipe Plauska.

Profissionais de saúde da linha de frente da covid-19 relataram o seu dia a dia e o trabalho exaustivo em uma edição que se tornou emblemática, “Heróis de carne e osso” (Radis 213, junho de 2020). Pedro Campana, médico infectologista da Santa Casa de São Paulo, que estampou a capa da edição, afirmou ao repórter Luiz Felipe Stevanim: “A grande angústia é a gente não saber quando isso vai diminuir ou acabar. Como infectologista, sou bem cético. Acredito que só se resolverá quando a gente tiver uma vacina eficaz”. Pedro foi entrevistado novamente por Adriano De Lavor nesta edição de Radis sobre os 5 anos da covid [Leia clicando aqui].  

Na mesma edição, a agente comunitária de saúde (ACS) do município de Nova Iguaçu (RJ), Ana Iara Souza, relatou como as visitas domiciliares foram uma das ações mais afetadas na atenção primária, pois não se podia realizá-las com a proximidade habitual e, ao mesmo tempo, o vínculo fazia falta para os usuários cadastrados. “Existem dias que me sinto angustiada pela situação do próximo, seja pela perda de um familiar, internação e até falta de alimentos e coisas elementares. São muitos relatos que chegam até mim”, disse.

Notórios anônimos

Não apenas médicos e profissionais da enfermagem, mas os chamados “trabalhadores invisíveis” desempenharam papel fundamental na pandemia, como mostra a Radis 228, de setembro de 2021. Eram maqueiros, motoristas de ambulância, auxiliares de serviços gerais, muitos deles trabalhadores “anônimos” da saúde. “Em muitos momentos, precisei trabalhar 24 horas ininterruptas porque colegas de trabalho eram afastados por conta da covid”, relatou Victor Hugo Sousa, condutor de ambulância no Oeste do Pará [Leia como está a vida de Victor hoje, clicando aqui]. 

Além disso, a edição também contou com a entrevista de Maria Helena Machado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) sobre seu estudo “Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da covid-19 no Brasil”. Como ela disse na época, “são ‘invisíveis’ não porque inexistam, mas porque muitas vezes não são percebidos como deveriam no cotidiano. Nem pela equipe de trabalho nem pelos usuários, muito menos pelas instituições”.

Pandemia comprova que é necessário vestir a camisa e defender o maior sistema público de saúde do mundo
— Capa: foto de Eduardo de Oliveira

E exatamente no ano em que o Sistema Único de Saúde completava 30 anos, em 2020, veio o seu maior desafio que foi a pandemia de covid-19. Apesar de todo o processo de desmonte sofrido ao longo de vários governos, se não fosse o SUS, a tragédia no país poderia ter sido ainda maior. A edição 219 (dezembro de 2020), com o título  “Tamanho Universal”, fala desses desafios enfrentados pelo sistema e como sua defesa cresceu em um momento em que ele se tornou imprescindível.

Vulnerabilidades escancaradas

Moradias precárias, desrespeito a direitos básicos e ausência de proteção social: medidas contra a covid-19 esbarram em realidades marcadas pela desigualdade
— Capa: foto de Peter Ilicciev

Em um contexto que mudou radicalmente a situação econômica e social de boa parte da população, Radis buscou reportar como estava a vida das pessoas consideradas em situação de vulnerabilidade social em meio à pandemia de covid-19. A edição 212 (maio de 2020), “Nós, os vulneráveis”, expunha as primeiras contradições de cara, ao exibir uma foto de Peter Ilicciev na capa: no mesmo prédio, de uma janela, via-se uma pessoa se exercitando em casa e, de outra, uma mulher realizando um trabalho doméstico [Leia depoimento em breve clicando aqui].

Radis ouviu indígenas, moradores de favelas, pessoas com HIV e em situação de rua. Vanilson Torres, conselheiro nacional de saúde e integrante do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), questionou: “Quando começaram a falar em covid-19 e disseram ‘fiquem em casa’, isso dilacerou nossos corações. Para a população em situação de rua, como vai ficar em casa?”. 

Hoje deputada federal (PSOL-MG), Célia Xakriabá, na época líder indígena e doutoranda em antropologia social, afirmou que a luta histórica dos povos originários para permanecer nos territórios tornou-se, mais do que nunca, uma medida de sobrevivência: “Quando se fala em ‘fique em casa’ ou ‘fique na aldeia’, as pessoas ainda não entenderam que essa sempre foi a nossa luta: a garantia de ficar na casa, de ficar na aldeia”.

“A expansão da pandemia de covid-19 pelas favelas, periferias e interiores do Brasil escancarou a perversa desigualdade social e econômica entre as classes sociais, naturalizada e aceita por grande parte da sociedade e das instituições do Estado, o que representa uma barreira às recomendações de higiene básica, distanciamento físico e permanência em casa”, escrevia Rogério Lannes, editor-chefe e coordenador do Programa Radis, no editorial de maio de 2020.

 

Cada vez mais brasileiros vivem o risco de não ter o que comer. — Capa: foto de Eduardo de Oliveira.
— Capa: foto de Eduardo de Oliveira.

O medo de ser infectado pelo vírus convivia também com outras situações preocupantes, como o aumento da fome e a insegurança alimentar (Radis 225), e as condições precárias de trabalho enfrentadas pelos entregadores de aplicativo (Radis 215). Quanto à educação, as desigualdades de acesso no período de aulas remotas trouxeram uma sobrecarga aos professores (Radis 217) e mais dificuldades para os alunos que não tinham acesso facilitado à internet e às telas (Radis 215). As comunidades quilombolas sofriam com o racismo e o abandono do Estado (Radis 214) e as mulheres com a violência doméstica, ou se desdobrando em jornada tripla, especialmente as mães solo (Radis 213). Radis ouviu muitas pessoas que passavam por questões de sobrevivência não apenas em seu cotidiano, mas estavam envoltos em cenários de incertezas.

Territórios protegidos

Resistência que vem do mar

A dor e o luto pelas vítimas

O impacto nas famílias atingidas pela covid-19. — Capa: Ilustração digital de Felipe Plauska
— Capa: Ilustração digital de Felipe Plauska

As consequências mais tristes deste acontecimento foram as mais de 715 mil mortes no Brasil. A maior parte dessas centenas de milhares de vidas foram ceifadas nos dois primeiros anos da pandemia. Ainda em 2020, Radis trouxe em sua reportagem de capa, de Adriano De Lavor e Ana Cláudia Peres, da edição 214 (julho de 2020), relatos sobre as dores de perder um ou mais entes queridos para a doença. 

A psicóloga Maria Helena Franco questionou se essa seria uma nova forma de perceber o luto, visto que a perda era acrescida de mais mortes, do distanciamento da pessoa que estava doente e das restrições a velórios e enterros. “Tudo o que vem com esse tipo de morte compõe um jeito muito específico de viver a experiência do luto”, comentou. Além disso, ela apontou para um luto coletivo denso. “Não sei medir isso. Mas posso dizer de um sofrimento que talvez vá durar mais que a pandemia, porque necessita de um tempo de elaboração maior”.

Amazônia sem respirar

No início de 2021, quando a variante P.1 estava predominando, houve a grande tragédia de Manaus, no Amazonas. Um misto de descaso, decisões erradas de autoridades e alta transmissibilidade fez com que a região ficasse sem cilindros de oxigênio e com falta de vagas nas UTI, em um cenário caótico (Radis 221, fevereiro de 2021).

Um dos sobreviventes, Marcelo Ferreira, contou que toda sua família foi infectada, mas ele e o sogro precisaram ser hospitalizados. O sogro não resistiu. “Não temos nenhum tipo de amparo do Estado. Toda hora um amigo próximo morre. Mães e pais jovens. Um amigo perdeu sete pessoas da família, incluindo filha, irmão e mãe. A situação aqui é desesperadora”, descreveu.

Com mais de meio milhão de mortes pela covid-19, Brasil poderia ter evitado ao menos 400 mil delas, aponta pesquisa
— Capa: Ilustração digital de Felipe Plauska.

Ainda em 2021, foi com grande assombro, revolta e tristeza que vimos o Brasil chegar a meio milhão de mortos por covid-19 . A reportagem de capa da Radis 226 (julho de 2021) trazia os dados apresentados pelos pesquisadores Pedro Hallal e Jurema Werneck durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19. Nesse contador das mortes, mostrado na capa, aproximadamente 400 mil poderiam ter sido evitadas mesmo antes da disponibilidade de vacinas, caso o Brasil tivesse adotado medidas de controle da transmissão do vírus.

A saúde mental em frangalhos

Em um contexto em que tantos entraram em uma roda viva, cresceram as preocupações sobre saúde mental, com mortes de familiares e pessoas próximas, medo da própria morte, falta de trabalho, esgotamento pela atuação na área da saúde, insegurança alimentar, distanciamento social — enfim, não faltaram “gatilhos” para gerar sofrimento psíquico. Mesmo quem não passou por tantas dificuldades, pode ter, de alguma forma, desenvolvido ou voltado a ter problemas como ansiedade, depressão e outros transtornos mentais.

“Teremos muito trabalho na área de saúde mental”, afirmou a psicóloga Alessandra Xavier. — Foto: acervo pessoal.
“Teremos muito trabalho na área de saúde mental”, afirmou a psicóloga Alessandra Xavier. — Foto: acervo pessoal.

Ainda no primeiro ano de pandemia, na edição 213 (junho de 2020), Radis conversou com Alessandra Xavier, na época, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e especialista na área de prevenção ao suicídio. Ela falou sobre a situação limite dos profissionais de saúde que atuavam na linha de frente, mas ao abordar a realidade da população em geral, ressaltou que veríamos os efeitos da pandemia por anos: “Teremos muito trabalho, na área de saúde mental, para lidar com as dores e os lutos quando eles forem descongelados”, disse. Segundo ela, as experiências traumáticas vividas na pandemia só poderiam ser processadas com o tempo.

Quando a tristeza é parte da vida e quando é condição preocupante para a saúde?
— Capa: Ilustração digital de Eduardo de Oliveira

Ainda em 2020, a edição 217, cuja reportagem de capa foi sobre o sofrimento psíquico e a depressão, mostrou que o país, além dos problemas enfrentados pela covid-19, também sofreu retrocessos em sua Política Nacional de Saúde Mental. Um dos exemplos foi a portaria 340, publicada em abril daquele ano, que incentivava as internações nas chamadas comunidades terapêuticas — instituições normalmente ligadas a entidades religiosas. 

Nesta mesma edição, o então presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Leonardo Pinho, criticou a falta de encaminhamentos voltados para a atenção psicossocial ou para a rede de cuidados antimanicomiais, além de não haver planos de contingência para lidar com a pandemia. “A única orientação foi a de que as comunidades terapêuticas estão abalizadas para receber mais acolhimentos, mesmo sendo lugares de concentração de pessoas”, afirmou.

Sob pressão

Em abril de 2022, a edição 235 trouxe os resultados preliminares de um estudo conduzido pela Fiocruz Mato Grosso do Sul em parceria com a Fiocruz Brasília, em que profissionais de saúde como médicos, enfermeiros, dentistas, farmacêuticos e fisioterapeutas, em sua maioria, apresentaram sintomas de estresse, ansiedade e depressão desde o registro dos primeiros casos de covid-19 no Brasil.

 

 

Outras doenças não deixaram de existir

Apesar do principal assunto em saúde ser a covid-19, não podemos nos esquecer de que as outras doenças continuaram existindo — e um grupo ainda mais prejudicado foram as chamadas doenças negligenciadas, entre as quais se incluem doença de Chagas, leishmaniose, malária, entre outras. 

Fora de prioridade

A Radis 218 (novembro de 2020) apontou para a invisibilidade das pessoas em tratamento dessas doenças e as dificuldades para aqueles que enfrentam problemas crônicos. Para Sergio Sosa-Estani, diretor do Programa de Chagas da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), havia o desafio de como o sistema de saúde daria conta do cenário pandêmico e do tratamento das doenças negligenciadas. “Falar na adaptação a uma nova normalidade da vida social e econômica também inclui recuperar a atenção das pessoas negligenciadas e mitigar a negligência incrementada durante a pandemia”, afirmou.

Durante a pandemia, Radis nos lembrou de outro vírus importante na história da saúde, o HIV, e como o tratamento por vezes foi preterido por causa da situação instaurada pelo coronavírus. A matéria “Busca por equidade persiste”, da edição 215 (de 2020) fala sobre os resultados da 23ª Conferência Internacional de Aids, ocorrida em 2020, e como a pandemia de covid-19 havia impactado as ações de enfrentamento à aids, especialmente no que diz respeito aos sistemas públicos de saúde.O assunto retornou à Radis na edição 222 (março de 2021), com a reportagem “A outra pandemia”, trazendo casos de pessoas com HIV que passaram por dificuldades no tratamento por causa da pandemia de covid-19 e dos desmontes de programas voltados para o tratamento de ISTs e aids, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A matéria também abordou o desabastecimento de remédios com a pandemia, e como até mesmo o deslocamento de pessoas em tratamento tornou-se mais restrito.

Quando os sintomas não passam: covid longa

A covid-19 intrigou pesquisadores no mundo todo e muitos de seus efeitos foram percebidos ao longo do tempo. E qual não foi a surpresa e a angústia das pessoas que haviam sido infectadas ao perceberem que continuavam com sintomas ou ficaram com sequelas? Já em 2020, conhecemos os relatos de pessoas que, mesmo após o período de infecção, percebiam sinais no próprio corpo de que algo não havia retornado ao estado anterior à doença (Radis 218, novembro de 2020).

O que a ciência já sabe (e ainda falta saber) sobre as complicações que se prolongam em pacientes que tiveram infecção pelo coronavírus
Capa: ilustração digital de Eduardo de Oliveira.

Com o tempo, a síndrome pós-covid (ou covid longa) foi ficando mais conhecida, mas não a ponto de que profissionais e serviços de saúde estivessem totalmente prontos para compreender os sinais. A edição 239 (agosto de 2022), com a reportagem de Bruno Dominguez, “O que vem depois”, trouxe o que já era conhecido pela ciência e o que ainda estava em aberto. Até aquele momento, estavam catalogados 200 sintomas possíveis para covid longa — alguns muito graves, como redução de mobilidade, dificuldade respiratória, trombose, ansiedade e hipertensão, até sintomas mais leves (perda de olfato e paladar, dores no corpo, tosse persistente, entre muitos outros), que com grande duração poderiam impactar na qualidade de vida daqueles que estavam acometidos pela condição.

“Pessoas assintomáticas também desenvolvem sequelas, inclusive sequelas graves”, explicou, na ocasião, Rafaella Fortini, pesquisadora do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas). Contudo, a vacinação, assim como se mostrou eficaz para reduzir mortes e internações, também foi importante para evitar essa permanência de sintomas. Ainda assim, as dificuldades enfrentadas pelo sistema para atender as pessoas eram muitas e ainda existem, como mostra súmula na página 7 desta edição.

Vacinação: doses de esperança

O longo caminho da ciência para a vacina contra a covid-19 chegar até você
— Capa: Ilustração digital de Felipe Plauska

Desde o início, os pesquisadores do mundo todo começaram a estudar e elaborar uma vacina que pudesse conter pelo menos os efeitos mais graves da covid. No Brasil, as primeiras pessoas se vacinaram no início de 2021. Ainda em 2020, a corrida pela vacina foi mostrada em Radis, na reportagem de capa da edição 216 (setembro de 2020). A matéria contava o passo a passo de como são elaboradas as vacinas e como elas são disponibilizadas à população de forma acessível, preservando o rigor científico e a complexidade dos processos de pesquisa e fabricação, no caso de uma vacina que era esperada ansiosamente.

Para fazer a vacina chegar a quilombolas e ribeirinhos no distrito de São Miguel, em Rosário, no Maranhão, os profissionais de saúde da Unidade Básica de Saúde (UBS) cruzam o rio de barco — ou enfrentam estradas alagadas a pé. “Toda essa luta é para fazermos o SUS chegar a todos”, narra o enfermeiro Armando Rodrigues. — Foto: Divulgação.
Para fazer a vacina chegar a quilombolas e ribeirinhos no distrito de São Miguel, em Rosário, no Maranhão, os profissionais de saúde da Unidade Básica de Saúde (UBS) cruzam o rio de barco — ou enfrentam estradas alagadas a pé. “Toda essa luta é para fazermos o SUS chegar a todos”, narra o enfermeiro Armando Rodrigues. — Foto: Divulgação.

Na edição 223 (abril de 2021), com muita alegria colocamos as fotos de nossos leitores sendo vacinados em várias partes do Brasil. No entanto, justamente na Radis seguinte, edição 224 (maio de 2021), falamos sobre o desmonte do Programa Nacional de Imunizações (PNI) durante os governos dos ex-presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro, e como isso impactava o acesso à vacina da covid-19: a desorganização gerava “fura-fila”, a despeito dos grupos definidos como prioritários, como indígenas, idosos e pessoas com comorbidades.

Vacinação Infantil

Já no início de 2022, mesmo com a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a disponibilização da vacina a crianças de 5 a 11 anos, o Ministério da Saúde da época, sob a gestão de Marcelo Queiroga, atrasou o início da vacinação para este grupo, como mostrou a Radis 232 (janeiro de 2022), na matéria “Criança tem direito à vacina”. Além de abrir um precedente de Consulta Pública sobre a utilização ou não de um imunizante, o órgão colocou a possibilidade da vacinação só acontecer com prescrição médica.Em fevereiro de 2022, quando a pandemia estava perto de completar dois anos e, ao mesmo tempo, já tínhamos um ano desde o início da imunização no país, Radis mostrou como a vacina ajudou a evitar mortes e casos graves. Na reportagem de capa (Radis 233), o infectologista da Fiocruz, Júlio Croda, ressaltou que o fim da pandemia seria determinado pelo avanço da vacinação, mesmo diante do crescimento da variante ômicron, naquele início de ano; por isso, era importante ampliar a cobertura para todos os grupos.

Ciência x negacionismo

Uma das maiores batalhas travadas durante a pandemia foi a da ciência contra o negacionismo. Desde o aparecimento dos primeiros casos de covid, práticas que burlavam o distanciamento social — para ir a festas, por exemplo — dificultavam o controle da doença. Porém, a negligência com os riscos do vírus foi além: a desinformação e a postura anticiência foram adotadas como medidas governamentais, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, ao indicar, por exemplo, medicamentos sem comprovação científica para o tratamento precoce de covid, como cloroquina e ivermectina.

Como o negacionismo atrapalha a busca da humanidade por saúde e conhecimento
— Capa: Ilustração digital de Eduardo de Oliveira

Este tema foi abordado na reportagem de capa da Radis 223 (abril de 2021), de Luiz Felipe Stevanim, que mostrou as várias faces do negacionismo, especialmente no contexto pandêmico. “No Brasil nunca tinha se discutido sobre vacina. A primeira vez que o brasileiro começou a duvidar da vacina foi agora porque plantaram a ideia de que a vacina poderia não ser segura e eficaz”, disse o pesquisador e médico infectologista Marcus Vinícius de Lacerda, um dos responsáveis pelo estudo que comprovou a ineficácia da cloroquina para o tratamento de covid-19. 

O cientista, especialista em saúde pública da Fiocruz Amazonas, sofreu ameaças de morte por causa de sua pesquisa. “O Brasil acabou sendo o único país que adotou o negacionismo de forma tão frontal. Aqui isso virou política pública”, analisou, em entrevista à Radis.

Em entrevista à Radis, Margareth Dalcomo, pneumologista da Fiocruz, fala sobre a cheagda da vacina e os desafios da pandemia no país
— Capa: foto de Peter Ilicciev

Um pouco antes, na edição 221 (fevereiro de 2021), Margareth Dalcolmo, médica pneumologista da Fiocruz, havia estampado a capa de Radis. Com décadas de experiência em saúde pública, ela ganhou destaque na imprensa durante a pandemia como porta-voz da ciência. “A vacina é a única e perfeita solução de controle de uma epidemia do porte da covid-19”, disse.

Segundo Margareth, a ciência é algo que realmente impacta o cotidiano e a vida das pessoas. “Sobretudo num país desigual como o Brasil, a ciência exige que nós todos, médicos, pesquisadores, cientistas, sejamos cidadãos muito engajados pelo bem comum”, disse na época.

Na linha de frente dos dados da pandemia, Miguel Nicolelis enfatiza que ainda não é hora de relaxar os cuidados com a covid-19
— Capa: Miguel Nicolelis, Neurocientista. Foto: divulgação.

Na edição 228 (setembro de 2021), foi a vez do neurocientista Miguel Nicolelis falar sobre a condução da covid-19 no Brasil, apontando para uma perspectiva do que estava por vir — enquanto integrantes do governo o desacreditavam. Para o pesquisador, “o Brasil foi um dos países com pior manejo da pandemia”.

 

 

 

Ainda não era o fim

Mesmo com o relaxamento das medidas de proteção, cientistas apontam que a pandemia ainda não chegou ao fim
Nossa capa: fotografia de Eduardo de Oliveira.

Como consequência das ações negacionistas, em abril de 2022, o Ministério da Saúde decretou o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) vinculada à covid-19. A Radis 236 (maio de 2022) abordou o tema com a pergunta: “Acabou?”. O fim da pandemia somente seria decretado no ano seguinte, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 5 de maio de 2023. Enquanto as autoridades brasileiras, sob a liderança de Jair Bolsonaro, em um ano eleitoral, colocavam fim no estado de emergência, os especialistas ouvidos por Radis diziam que a medida de relaxamento poderia deixar o SUS desassistido. “Serviços serão descontinuados. Profissionais que estão contratados via decreto terão seus contratos finalizados e isso vai ser bastante prejudicial para a população”, avaliou a epidemiologista Ethel Maciel.

E por fim, as memórias

Essa é uma história que deve ser contada e nunca apagada. Cada um sabe o que viveu e quais marcas ficaram daquele período. São as memórias que foram produzidas ainda durante os acontecimentos, sobre um passado recente, para que não nos esqueçamos daqueles que se foram. Da mesma forma, é preciso olhar a história por diferentes perspectivas, sem perder de vista as vozes marginalizadas ou silenciadas.

Narradores da pandemia

Em “Narradores da pandemia” (Radis 248, maio de 2023), somos apresentados a cinco comunicadores e comunicadoras populares, que participaram de uma oficina de reportagens no Observatório de Favelas, na Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, e contam um pouco sobre os reflexos da covid na população periférica e de favela. Os cinco textos produzidos por eles foram publicados ao longo das edições seguintes, em 2023.

Uma retrospectiva dos dois anos de covid-19 em correspondências escritas por brasileiros e brasileiras
Nossa capa: Ilustração digital de Equipe Radis

Em março de 2022, ao completar dois anos de pandemia, a edição 234 trouxe como reportagem de capa uma coletânea de “Cartas da pandemia”, em que Radis reuniu os relatos de leitores e leitoras sobre um mundo que estava em transição. Os destinatários eram os mais diversos: amigos, pais, o filho que ainda não havia nascido, trabalhadores da saúde, Oswaldo Cruz, a História. 

“Para muitos, seu trabalho é invisível. Lidar com essa invisibilidade já é difícil, mas revoltante mesmo é experimentar o negacionismo de quem ‘passou pano’ para todas as recomendações de cuidados enquanto você se mantinha na linha de frente, enfrentando um cotidiano de incertezas e o temor de adoecer e de contaminar os seus”, diz o trecho da carta de Janaína Liberali e Frederico Machado para Maria, uma profissional do SUS.

A luta das famílias que perderam pessoas queridas na pandemia para que as mortes não sejam esquecidas e os culpados não fiquem impunes. — Capa: Equipe Radis.
— Capa: Equipe Radis.

No Brasil, a pandemia não foi apenas a transmissão de um vírus e a luta contra a doença, mas um momento marcado por ações ineficazes e contraditórias que impulsionaram um número tão grande de mortes. A Radis 249 (junho de 2023), com a capa Memória da covid, trouxe a história de pessoas que perderam seus entes queridos e que não quiseram deixar essa memória se apagar, por meio do movimento de familiares de vítimas que desejam reparação e justiça [Leia mais clicando aqui], como a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil).

Crime e reparação

Na reportagem de Liseane Morosini, conhecemos Gustavo, Paola, Wilson, Milena e Lucynier e as lembranças dos momentos derradeiros com seus entes queridos. Ainda em 2023, em novembro, a edição 254 mostrou os lugares de memória que estavam sendo erguidos pelo país para guardar a memória das vítimas e reunir os relatos daqueles que ficaram. 

— Foto: Eduardo de Oliveira.

Por aqui, tentamos resgatar um pouco de tudo o que vivemos nesse período, em que acompanhamos de perto a importância da saúde pública e do SUS para evitar uma tragédia ainda maior, ressaltamos o papel da vacinação como esperança para um recomeço e trouxemos à tona as dificuldades enfrentadas por muitos grupos e o papel da ciência no combate ao negacionismo.

Sem comentários
Comentários para: Relembre os cinco anos de covid-19 com a Radis

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Anexar imagens - Apenas PNG, JPG, JPEG e GIF são suportados.

Leia também

Próximo
Contribuinte

Radis Digital

Leia, curta, favorite e compartilhe as matérias de Radis de onde você estiver
Cadastre-se

Revista Impressa

Área de novos cadastros e acesso aos assinantes da Revista Radis Impressa
Assine grátis