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Este é o último texto da série publicada por Radis a partir de uma oficina com comunicadores populares selecionados pelo edital “Como se proteger do coronavírus — Programa de Reportagem”, uma parceria entre o Observatório de Favelas e a Fiocruz. Saiba mais aqui.

A Academia me apresentou artigos científicos, leio e escrevo semanalmente sobre favela, genocídio, vulnerabilidade, raça, e agora, essa tal de covid. A exigência do olhar cientificamente neutro, frio e afastado, que eu não tenho, é perturbadora. E sempre fica a questão: Como olhar dessa forma para os dados, que agora sei ler e (re) interpretar, se os tais ‘pesquisadores de pretos e favelados’ que tanto leio estão falando do meu povo e, consequentemente, de mim? Não existe nada mais pessoal que isso.

(Trecho retirado do diário da autora, setembro de 2020, disponível no podcast Nada Clara)


Da janela, muitas favelas

Enquanto escrevo, a janela de minha casa vira um quadro de muitas favelas. Elas compõem o bairro que me acolheu nos últimos dois anos, lugar que é palco da Feirinha da Pavuna —declarada patrimônio cultural imaterial da cidade em 2014 —, uma das mais famosas do Rio de Janeiro, com seus barulhos e aromas tão característicos. Do alto, consigo acompanhar o trem desaparecendo na paisagem e escutar a mistura do samba com funk que os vizinhos colocaram enquanto conversam no portão. 

A música e outras linguagens artísticas, como o grafite, por exemplo, são manifestações fortes da Pavuna, na Zona Norte do Rio de Janeiro, que mobilizam produtores e agentes culturais também nas favelas da região. E é por isso que, durante a pandemia de covid-19, estes profissionais se viram convocados a responder às próprias demandas e às da comunidade local antes mesmo que políticas públicas dessem conta de algo.

A pandemia inaugurou muitos desafios para várias categorias, especialmente para a da cultura, por não serem, inicialmente, contempladas pelo auxílio emergencial. Tal circunstância foi agravada, já que ao longo dos últimos anos vinha acontecendo o sucateamento de políticas e instituições públicas, à medida que a agenda de aprofundamento das desigualdades avançava, em especial para as iniciativas das favelas e periferias, cujos territórios sofriam com a falta de renda que se somaram à falta ou deficiências dos serviços essenciais. 

Mesmo com tantos desafios, essas experiências podem ser encaradas como aprendizados, pois foi em 2020 que a reorganização radical das ações precisou ser feita por parte de produtores, artistas e gestores da cultura. 

Apesar do cenário caótico e cheio de incertezas, com fechamento dos equipamentos culturais, suspensão de projetos e cancelamento de agendas, o campo da cultura foi essencial na realização de ações humanitárias locais, principalmente em territórios populares. O 13º Mapa Social do Coronavírus revela experiências das organizações e coletivos de cultura mapeadas no Rio de Janeiro em ações de solidariedade voltadas tanto para a segurança alimentar, como também aquelas direcionadas a reduzir a transmissão do vírus.

Os temas saúde e cultura me atravessam pessoalmente, em diferentes níveis de afetação. Em primeiro plano, porque estou como graduanda da saúde e, enquanto finalizo os estudos, permaneço trabalhando no setor da cultura. Ao longo desta escrita, fui compreendendo que a inspiração veio da possibilidade de tratar algo que não está externo a mim, alheio às minhas próprias experiências. Não pretendo me retirar desta escrita e nem ser neutra, ao contrário é uma narrativa em primeira pessoa, pois esta reportagem é o resultado de muitos encontros afetuosos e elaborações pessoais. 


‘A pandemia atingiu a todos!’, informou a TV. Mas é a empregada que, de um dia para outro, sem nenhum aviso prévio, vai precisar se virar para manter o mínimo. E eu? Eu tô aqui lembrando que ontem li uma reportagem que, estrategicamente, culpou as atitudes irresponsáveis ​​dos moradores das periferias que estão se aglomerando nos bailes e bares pelo aumento de morte no RJ.
– Afinal, não estamos vivendo uma pandemia?
– O que passa na cabeça desse povo?
– Depois reclama quando não tiver vaga nos hospitais…
Respondo: para o pobre, para o favelado, o medo de sair de casa e enfrentar a rua não é novidade. Quem convive com as balas perdidas, desaparecimentos de corpos, falta de acesso ao mínimo, aprendeu a ser friamente pragmático: enfrentar a morte ou morrer de fome.

(Trecho retirado do diário da autora, dezembro de 2020, disponível no podcast Nada Clara)


A conversa com Thaís

Ainda que o tempo de isolamento social de 2020 e 2021 tenha me gerado alguns lapsos de memória, por conta das situações limite que vivenciei, ainda tenho o sentimento pulsante de insegurança a qual fui submetida por ser uma mulher preta e moradora de favela: desemprego, solidão, medo, adoecimento, luto. 

Por saber que não se trata de uma experiência exclusiva minha e isolada do contexto que pertenço, busquei registrar num diário algumas reflexões produzidas a partir das minhas observações, objetivando compartilhar com quem interessasse. Os escritos se transformaram em outros materiais audiovisuais, episódios de podcast (Diário Pandêmico de uma Favelada, no Spotify) e, mais recentemente, fez parte do portfólio que concorreu no processo seletivo do Observatório de Favelas, para o projeto “Como se proteger do Coronavírus? Programa de Reportagem”, como comunicadora popular.

Tenho para mim que a reportagem tem seu rascunho muito antes de qualquer vislumbre de projeto, porque minha história com a Pavuna começou tempos atrás. Quando criança, minha mãe costumava levar eu e meu irmãos mais novos para passar as férias na casa da tia Nina, moradora da Pavuna há mais de 60 anos. Guardo lembranças do cheiro da feira, enquanto o fusca do tio Raimundo atravessava o trânsito estilo [da novela] Caminho das Índias tão típico dali. 

Só quem viveu sabe. Minha mãe dizia que qualquer coisa poderia ser encontrada nas ruas e vielas do bairro. Anos depois, esta mesma percepção, de que tudo é possível em terras pavunenses, foi compartilhada pela entrevistada. Thais Vinhas disse sorrindo logo no início de tudo: “Costumo dizer que Pavuna é meu país. O que você precisar, absolutamente tudo tem nesse lugar!”. Começamos nosso primeiro papo falando sobre as experiências culturais da região e a importância para o restante da cidade. 

Esta fruição cultural da Pavuna é resultado da diversidade que o território abrange: por ser um ponto estratégico de intensa circulação de pessoas, mercadorias e informações, liga bairros da Baixada Fluminense com a Zona Norte e Centro da cidade. A região ocupa um lugar de destaque no imaginário carioca, em parte construído pela história oral da cultura popular negra, presente nos bailes funks e influências do samba, mas também pela narrativa midiática da pobreza e da violência, sempre associando o território à periculosidade. 

Abriga muitas favelas, como os Complexos da Pedreira, do Chapadão, de Barros Filho e o de Acari. Cabe dizer que é um bairro culturalmente e numericamente negro: 62,07% da Pavuna é negra, seja no asfalto (57,07%) ou na favela (68,71%), de acordo com dados levantados a partir do Censo de 2010 por pesquisadores da UFRJ.

A câmera e o gravador nem estavam posicionados quando a entrevista começou. Eram muitos elementos para alinhar: a luz de um dia chuvoso, o som das motos e diálogos sempre presentes na Arena Jovelina Pérola Negra, até em seus dias mais esvaziados. E Thais, sempre sorridente e firme no que diz, deu o tom de nosso encontro. Pavuna realmente é reconhecida por ser um lugar hospitaleiro, por ser terra de muita gente. Entendi rapidamente que era importante que durante a entrevista todos se sentissem em casa. 

Foi assim que as horas de entrevista passaram rapidamente e se transformaram numa tessitura, costurada a muitas mãos. A estranheza de estarmos diante de novos papéis se transformou num papo fluido e prazeroso. Thais pôde dizer não estar acostumada a ser a pessoa de frente para aparatos que normalmente costuma manipular nas produções que se envolve e eu, do outro lado, confessei a minha inexperiência como repórter. No final, acredito que estar diante do novo fez toda diferença para a conversa ser encarada como uma troca, fruto de histórias semelhantes, ultrapassando os objetivos técnicos da entrevista.

Thais se autodeclara preta, ela é mãe solo de menina e sua construção de vida a fez retornar para seu território de origem com o objetivo de aproximar os aprendizados adquiridos na sua formação profissional à comunidade a qual desde pequena faz parte. Ela é artista popular, participa de um bloco afro chamado Lemi Ayò, atualmente atua como produtora cultural e compõe a equipe da nova cogestão Arena Jovelina Pérola Negra, o Movimentos de Integração Cultural.

A história de Thais com a cultura começa a partir da influência de sua mãe, que era empregada doméstica e, no tempo de descanso, fazia questão de ocupar teatros, cinemas, exposições etc. Ela acreditava que suas filhas tinham direito de circular nesses espaços, assim como os filhos de seus patrões. Enquanto Thais contava sobre as peças de teatro que assistiu quando pequena, rememorou com carinho as aventuras que vivenciou na companhia de sua mãe e irmã. Na opinião dela, valeram a pena as horas de viagem no ônibus 384 e as filas enormes para pegar ingressos gratuitos nas instituições de cultura tradicionais da época, pois esse contato a fez expandir seu ideal de futuro, e influenciou a trajetória de sua carreira profissional.

Enquanto narrava sobre esta parte da história pessoal, juntas constatamos que a realidade cultural do Rio de Janeiro avançou, mas que ainda é muito pouco. A distribuição de equipamentos e ações culturais pela cidade permanece desigual, privilegia significativamente a Zona Sul e bairros do Centro. A existência das arenas, areninhas e lonas culturais, é historicamente estratégica para democratizar a cultura nos territórios periféricos, e carrega a responsabilidade de proporcionar os mais variados encontros entre os sujeitos sociais envolvidos. 

Apesar da reconhecida potência cultural carioca, a pandemia evidenciou as consequências do desmonte das ações governamentais que já vinham acontecendo. As eleições que antecederam a pandemia colocaram no poder representantes com perspectivas de gestão cultural conservadoras, com evidente viés ideológico. As arenas cariocas sofreram especial desgaste com a conjuntura política vigente, que nitidamente assumiu um posicionamento negligente frente ao desmonte destes equipamentos culturais durante anos. Thaís rememorou o impacto da pandemia para os trabalhadores que sobrevivem da cultura, inclusive os que muitas vezes não são mencionados nas análises envolvendo o campo.


“A pandemia para quem trabalha com a cultura, sendo produtor ou artista, foi uma avalanche, porque a gente teve que parar e se viu obrigada por um motivo muito importante, que era tentar ter o controle da disseminação do vírus. Não só a vida profissional da gente foi atingida e teve este desgaste, a vida pessoal também. E em relação aos trabalhos da cultura, a gente teve que dar uma freada brusca, que não atinge somente nós, profissionais da cultura, pois parar a cultura é parar o vendedor de pipoca que fica lá na frente do espetáculo, é parar também o manobrista… Então é uma cadeia de coisas que foram acometidas.”

(Thais Vinhas, produtora cultural da Arena Jovelina Pérola Negra)


Apoio à cultura

Nas favelas e periferias, é comum que os agentes culturais desempenhem o papel de agentes comunitários, reivindicando direitos do território e, consequentemente, tendam a se tornar referências para seus moradores. As ações que buscaram reduzir os danos das crises sanitária e sociopolítica só foram possíveis porque a própria população e as representações comunitárias, em parceria com as organizações locais, buscaram se responsabilizar pela ineficiência das políticas emergenciais pautadas até aquele momento da pandemia. 

Somente no dia 29 de junho de 2020 a Lei 14.017, mais conhecida como Lei Aldir Blanc (LAB), foi aprovada, com ações emergenciais para o setor cultural no contexto da pandemia. Ela é fruto da mobilização que envolveu a realização de conferências virtuais abertas à participação e escuta popular. Distribuiu, de forma inédita, R$ 3 bilhões para todos os estados e municípios do país. Seu nome é em homenagem ao compositor morto no mesmo ano em decorrência da covid -19. 

Thais falou um pouco sobre a sua experiência nos primeiros meses de pandemia. “Na época, eu estava fazendo parte da produção e atuava como artista do bloco afro Lemi Ayó; e aí surge a Lei Aldir Blanc (LAB), que foi uma das possibilidades de fazer o trabalho. Fomos contemplados para realizar um projeto intersetorial entre cultura e educação, que precisou ser adaptado. Tinha que atuar dentro das escolas, mas as escolas fecharam. E aí?”, conta. Segundo ela, foi preciso se adaptar e “caímos no mundo do virtual”. “Foi bom por um lado: a gente se viu diante de um desafio diferente, não estávamos preparados, ainda mais sendo um bloco de percussão afro, em que vivemos de forma diferenciada o contato presencial”.

A experiência da entrevista exemplifica como a LAB foi essencial para favorecer o retorno dos profissionais da cultura para suas funções. A partir desta lei, as instâncias municipais formularam a própria política emergencial de enfrentamento às consequências da pandemia. Foi a primeira vez que vários municípios do país tiveram a chance de planejar e executar um orçamento destinado somente à pasta da cultura em seus territórios, favorecendo, de forma nunca antes vista, a produção cultural das agendas locais. No estado do Rio de Janeiro, apenas três municípios de 92 não aderiram à lei. 

Outro projeto de que Thais participou foi mencionado por ela como um exemplo de articulação afinada entre setores da cultura e saúde. O Cola na praça! fez parte de um Hackathon [uma maratona de programação] da Fiocruz. Envolveu uma equipe multiprofissional de saúde e apresentações artísticas e exposições e tinha o objetivo de abordar questões de saúde mental por meio da cultura e da linguagem artística. Assim se configurou um espaço virtual acolhedor e criativo, em que as pessoas que estavam ocupando as trincheiras de uma guerra contra um inimigo invisível puderam humanizar suas experiências e se aproximar do público em geral. 


“A gente tinha que desenvolver algum projeto que envolvesse saúde e tecnologia. Era uma plataforma de narrativas onde o profissional de saúde poderia trocar sua expressão artística com o público e até abordar suas vivências nos plantões, o uso constante de equipamentos de proteção, o medo de adoecer e contaminar seus familiares. A gente percebeu que parte destes profissionais, apesar de não atuarem como artistas ou produtores culturais, eles se expressavam artisticamente.”

(Thais Vinhas)


Encontros na Arena

A Arena Jovelina foi palco de muitos encontros. As ações da arena promoveram a vida na comunidade. Trata-se de um serviço de base territorial, com um histórico de trabalhos colaborativos com as instituições de saúde da região, que costuma receber oficinas, visitas e eventos promovidos pelos moradores do próprio território. Sua atuação facilitou que o equipamento fosse uma das primeiras sedes da campanha de testagem e vacinação de covid-19. 

Com a diminuição das restrições de isolamento social e o compromisso de garantir a continuidade da “formação de público”, a gestão da Arena Jovelina buscou estreitar o diálogo com a base. Sendo assim, antes mesmo que as ações intersetoriais propostas pela Secretaria Municipal de Saúde em parceria com os equipamentos culturais fossem implementadas oficialmente, o equipamento se mostrou sensível às demandas de seu público. 

“No final de dezembro [de 2021], já estávamos preocupados com a situação de precisar fechar as portas de novo, logo depois da reabertura. Então nós nos colocamos à disposição dos parceiros locais”, conta Thaís. A Arena fica a algumas quadras do Centro Municipal de Saúde Dr. Nascimento Gurgel, o que facilitou a ação Cultura a favor da vida.

Em janeiro de 2022, com o aumento dos casos de contaminação, a arena suspendeu algumas atividades, reorganizou agendas e recebeu milhares de pessoas para testagem e vacinação contra a covid- 19. Só no primeiro dia, foram mais de 1.200 pessoas para fazer o exame de teste rápido para o vírus. A campanha tinha o objetivo principal de estimular a vacinação infantil e transformar principalmente as arenas cariocas da cidade em braços das instituições de saúde que são referenciadas, oferecendo programação artística, recreação e distribuição de livros, por exemplo. Iniciativas como estas são fruto de políticas que pensam práticas culturais nas cidades, a partir do reconhecimento das potencialidades do território.

Outros setores públicos importantes seguiram em parceria com a instituição. Além da saúde, os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) utilizaram recentemente os dispositivos de comunicação e infraestrutura da Arena para mobilizar os moradores em ações de atualização do CadÚnico e cadastramento nas políticas de assistência do Governo Federal. Este movimento de aproximação com o território da Pavuna não foi unilateral. Enquanto a Arena Jovelina abria suas portas para receber iniciativas locais, o público atendido nas campanhas ficava sabendo das atividades artístico-culturais e de esporte que acontecem semanalmente no espaço.


“O fator principal para a cultura existir é a vida. O que tiver que fazer para que a vida seja possível, a gente faz. Acreditamos muito no trabalho intersetorial, pois isso só agrega. Ao mesmo tempo que a pessoa vem fazer o cadastro [nos programas de assistência social], ela descobre que tem um teatro na Pavuna, e que tem yoga, aula de violão, aula de canto… Essa parceria não tem que ser desfeita.”

(Thais Vinhas)


Trabalho intersetorial

Thais destaca a importância do trabalho intersetorial como recurso tático frente à descontinuidade das políticas públicas de cultura e das ações governamentais, por exemplo. Para ela, foi o trabalho articulado entre os setores que apoiou, durante a pandemia de covid-19, as intervenções entre o campo da cultura, a comunidade local e representações de diferentes setores da sociedade. Ela ressaltou que estamos num momento político crucial, em que o diálogo iniciado na crise precisa permanecer, além de receber maiores investimentos por parte do Estado.

Como moradora da Pavuna, me orgulho de fazer parte desta comunidade, capaz de mobilizar e engajar a força do coletivo para o sucesso das intervenções no próprio território. Ouvindo Thais me lembrei da primeira vez que estive na Arena Jovelina, em 2018, a partir de um projeto social de grafite para mulheres negras moradoras das favelas do estado do Rio. Este vínculo da instituição com os coletivos de cultura locais confirma a conexão sensível e legítima construída com seu território. Ou seja, essas ações não foram criadas em resposta às demandas humanitárias aprofundadas nos períodos mais agudos da pandemia. Ainda assim, podemos continuar aprendendo com as experiências adquiridas a partir dela. 

Um destes aprendizados, gerado no auge da pandemia, e que vem sendo reproduzido no território da Pavuna, são as campanhas de vacinação atreladas às ações artístico-culturais dos coletivos e parceiros locais. O bairro recebeu no segundo semestre de 2022 as atividades da campanha “Vacina Jovelina!”, uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com as Secretarias [municipais] de Saúde, Assistência Social, Educação e de Cultura voltadas para as crianças da Pavuna. O evento contou com o atendimento à população e um cortejo pelas ruas ao redor da Arena e foi capaz de reunir, em prol da cobertura vacinal infantil, os artistas do território, grupos de teatro, palhaçaria, fanfarra, representações comunitárias, jovens comunicadores, produtores e coletivos locais. 

A Prefeitura do Rio instituiu, em março de 2022, um comitê intersetorial envolvendo 12 secretarias municipais e Unicef, sendo a primeira cidade a compor a #AgendaCidadeUNICEF, que pretende definir o plano de ação envolvendo a promoção de direitos e oportunidades para crianças e adolescentes nos próximos três anos. Na sua primeira edição, de 2022 a 2024, a iniciativa acontece no Rio, com foco na região da Pavuna, além de outras sete capitais (Belém, Fortaleza, Manaus, Recife, Salvador, São Luís e São Paulo). 

Foi muito importante ouvir a narrativa de uma profissional da cultura envolvida nessas iniciativas de promoção à saúde para que pudesse expandir minha perspectiva sobre as relações que se estabelecem nessas intervenções no território. Ao perguntar sobre o cenário de anticiência e antivacina na Pavuna, eu disse que talvez falte circular mais informação. Thais não concordou sobre a ausência de informações: ao contrário, segundo ela, hoje boa parte da população tem acesso a meios que podem fornecer todo o conhecimento necessário. 

Desabafou sobre a complexidade do trabalho que estão realizando, que é voltado para moradores de um território de intensas disputas de narrativas, promovidas por muitos atores sociais, desde profissionais de saúde, por exemplo, a facções e poderes de comunidades religiosas. A tendência negacionista e as avalanches de fake news atingem bruscamente as populações mais vulnerabilizadas, que ficam sujeitas a inverdades e, no caso, ao maior risco de adoecimento. 

A cultura popular e as pessoas que a fazem existir como tal, principalmente os mobilizadores culturais e artistas das favelas e periferias, demarcaram mais uma vez o valor social e humanitário desse setor. O trabalho intersetorial tem profunda relação com a força das ações comunitárias e da articulação com a cultura popular. As experiências artístico-culturais geram processos de convivência, aprendizado e identificação, movimentam a economia e promovem vida nos territórios. 

Os impactos sociais e de saúde vividos durante a pandemia pelos trabalhadores do setor da cultura e a capacidade de elaborar estratégias de resistência para amparar a si mesmo e as suas comunidades vem legitimando a importância que exercem socialmente no que se refere à solidariedade e na garantia dos direitos da população.

* Ana Clara Xavier é produtora e mobilizadora cultural. Graduanda de Terapia Ocupacional (IFRJ), com pesquisa sobre Saúde Integral da População Negra. Discente fundadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI).
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