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No início do mês de abril de 2021, a família de Wilson Cotrim de Carvalho era composta pela mãe e três filhos. Ao final daquele mês, jamais seria a mesma. Em três semanas, sua mãe, Maria Eugênia, e seus irmãos, Wilton e Claudio, foram infectados, internados, intubados e morreram de covid-19, passando a fazer parte das estatísticas que diariamente apareciam na televisão. Dois anos depois, o carioca, morador de Magé, município da Baixada Fluminense, ainda vive o sofrimento da perda tripla familiar. “Ninguém imagina passar por isso. A ficha cai quando você entra nesse universo dos números. A minha família está ali, ela faz parte deles”, disse.

Em dois anos, a angústia esteve trancada. A entrevista dada à Radis fez com que o designer gráfico falasse pela primeira vez sobre as mortes que reduziram sua família de quatro pessoas a apenas uma. O luto permanece vivo, é diário, segundo ele. Dona Maria Eugênia Cotrim de Carvalho, mãe de Wilson, tinha 75 anos, era forte e saudável, com questões da idade. Logo após ser vacinada com a primeira dose, teve sintomas de uma gripe mais forte. Tanto os filhos como o médico que a atendeu em uma unidade de saúde, acharam que era reação à vacina. Não era. Uma semana depois, dona Maria Eugênia foi internada em um hospital particular e em seguida intubada.

Wilton e Claudio foram infectados em algum momento do percurso da doença da mãe. Wilson não sabe se isso aconteceu em casa, no consultório ou no hospital. A vida, então, virou pelo avesso, relembra. “Minha mãe estava internada; Wilton, em casa, sob cuidados; e Claudio, com suspeita, em isolamento na casa dele”, contou. Com 51 anos, Wilson e Wilton eram gêmeos. “A gente tinha uma conexão profunda”, ele diz. Partilhavam a vida, a mesma profissão, eram parceiros e construíram suas casas em um mesmo terreno. 

Dona Maria Eugênia morava na casa de Wilton, com a nora e o neto. Wilson acha que ele teria apostado na gripe e talvez se descuidado. Nunca saberá a resposta. Em pouco tempo, Wilton foi levado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde permaneceu por 24 horas, e depois foi internado no Hospital Municipal de Santo Aleixo Dr. Walter Arruda de Morais, em Magé. Logo depois, Claudio, de 53 anos, foi internado em um hospital da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Wilson com os irmãos, Wilton e Claudio, que morreram com 16 dias de diferença. — Foto: acervo pessoal.
Wilson com os irmãos, Wilton e Claudio, que morreram com 16 dias de diferença. — Foto: acervo pessoal.

Entre o passado e o presente, Wilson revela uma história comum a tantos brasileiros que perderam familiares e amigos em abril de 2021. A presença diária dessas pessoas ausentes mostra um trajeto de dor, saudade e culpa que surge na entrevista por videoconferência. “Tudo aconteceu em 20 dias. Eu não podia visitar minha mãe e meu irmão. É essa sangria que fica pra mim. Eu não pude dar assistência a eles, foi Claudio quem fez isso”, conta.

Wilson evitou trazer a doença para dentro de casa, pensou na mulher e nas duas filhas. Segundo ele, foi movido pelo medo ou excesso de responsabilidade. “Diziam que eu não poderia adoecer porque alguém teria que cuidar dos outros. Em termos práticos, eu nada poderia fazer, mas em termos emocionais eu ficaria mais tranquilo. A gente sempre alimenta a possibilidade de que a pessoa vai sair dessa. Eu conversava com Wilton [pelo WhatsApp] o tempo todo e ele sempre me falava isso, para ficar tranquilo”, revela.

Dona Maria Eugênia Cotrim de Carvalho morreu em 4 de abril sem saber que Wilton estava internado. Wilton morreu no dia 8 de abril, na mesma data do aniversário de sua esposa e de seu filho, e também não soube da morte da mãe e da internação de Claudio. O último a partir foi Claudio Cotrim de Carvalho. Internado um dia após o sepultamento da mãe, faleceu em 25 de abril. Por recomendação médica, morreu sem saber do falecimento do irmão. No final daquele mês de abril, a família de Wilson estava entre os 429 mil brasileiros que morreram de covid-19.

Maria Eugênia, Wilton e Claudio continuam presentes na vida de Wilson. “Não tem um dia que eu não pense neles, que eu não chore sozinho”, diz, em meio a lágrimas. “Quando você perde três de uma vez só não sabe para onde olhar”. A esposa e as filhas são um suporte, mas o buraco está sempre lá, ele garante. Na mensagem enviada por WhatsApp em que comunicava aos amigos a morte de Claudio, Wilson escreveu: “Obrigada por todas as vibrações positivas. Um dia tudo isso passará”. Dois anos depois, ainda não passou e o vazio ocupa um canto escondido em sua alma. “É como se fosse a porta de um quarto escuro que ‘você’ não quer mais entrar. É muito difícil, mas eu tenho de seguir em frente”.

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