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Tiago Vinícius da Silva estava entre os que perderam a vida logo no início da pandemia. Ele tinha um sopro no coração que evoluiu para insuficiência cardíaca. “Eu sabia que se ele pegasse a covid, possivelmente não voltaria. Mas enquanto há vida, há esperança”, diz a esposa Millena Buçard. Tiago trabalhava como segurança na UPA da Maré, na Vila do João, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Aos 33 anos, era muito querido e amado e tinha construído uma relação sólida com Millena, uma enfermeira que deixou os plantões em hospitais para se tornar empreendedora. Para preservar o marido na pandemia, Millena fechou o centro de estética que funciona na Vila do João, uma das 16 comunidades que formam o Complexo da Maré.

Em março de 2020, Tiago teve falta de ar e febre e Millena primeiro relacionou os sintomas à sua condição de saúde. Três dias depois foi ao médico e uma tomografia mostrou que ele estava com 55% do pulmão tomado. No dia 26 daquele mês, Tiago foi internado e encaminhado para o CTI. “Quando ele entrou no CTI, eu senti que era uma despedida. Foi muito rápido. Mas era um paciente jovem e com chances de ficar bem”, conta.

Quatro dias depois, com as visitas ainda liberadas, Millena foi visitar o marido. Ali, teve a última conversa presencial, tirou a última foto. Enquanto Tiago estava internado, Millena foi diagnosticada com covid. Ao buscar atendimento médico, estava com 35% do pulmão comprometido pelo coronavírus.

Internados, por vídeo, os dois cantaram parabéns para a mãe de Millena, em 5 de abril, e de noite ele falou pela última vez com a mulher, antes de ser intubado. Millena ficou sete dias internada e voltou para casa, ele passou 21 dias em cuidados intensivos. Uma semana antes do aniversário da esposa, o carioca Tiago Vinicius da Silva, de 33 anos, faleceu em 16 de abril. Seu nome se somaria às quase 11 mil pessoas que morreram pela infecção do coronavírus no segundo mês da pandemia de covid-19.

Millena contou que o mês de abril era o mais festivo do ano por concentrar não só o seu, mas vários aniversários da família. Não é mais depois da morte de Tiago. “É muito triste. Nós éramos muito unidos, além de marido e mulher. Acho que a nossa relação fluía e hoje sinto muita falta dele. Era muito parceiro e meu amigo”, observa.

Houve velório e o enterro foi aberto para a família e amigos. Como, na época, ocorreram casos de troca de corpos, Millena quis confirmar a identidade do marido, que foi entregue em um caixão envolvido em um saco impermeável. “Ele parecia que estava dormindo. Foi importante eu ver para acreditar que era ele porque a minha ficha não tinha caído”, diz.

Em dois meses, Millena diz que não saiu de casa e viveu o luto intensamente. Primeiro, negou a morte. Em uma conversa emotiva com Radis, a enfermeira assume que foi difícil retomar a vida. “Eu queria morrer. Era uma dor surreal. Eu não acreditei que estava passando por aquilo”, relembra.

Millena vinha de dois lutos familiares consecutivos e perder o marido fez com que mergulhasse em uma depressão e desenvolvesse alopecia. “A gente se prepara para tudo, menos para a morte”, falou. Para ela, o luto não é eterno. “O que fica é a saudade, a dor, às vezes machuca lembrar de alguma coisa”, afirma.

Ela assume que Tiago faz falta na sua vida e na de tantos amigos. “Ele era os meus braços e as minhas pernas”, comenta. Sem Tiago, ela tem que administrar o centro de estética localizado na região onde nasceu, cresceu e firmou sua vida profissional.

Hoje, não assiste mais TV porque lembra da época em que as emissoras davam os números da pandemia e mostravam “pessoas morrendo a todo instante”. Voltou a trabalhar dois meses depois da morte do marido e, em 2023, lançou o projeto Mulheres no Topo para incentivar outras mulheres a transformarem suas vidas. “Toquei a vida para a frente. Eu costumo dizer que sou feita de cicatrizes e gratidão”, observa.

Ela conta que seu fortalecimento veio por meio da socialização, da fé, das amizades, do trabalho e, também, por entender a história de pessoas que enfrentaram perdas, como ela. Se, no início, Millena não falava sobre a morte de Tiago, hoje ajuda outras pessoas que viveram o mesmo processo. “Eu acho que o tempo traz a cura. Quanto mais a gente ficar com pessoas que a gente ama, mais forte a gente fica”, diz. “Tiago era incrível, querido por todos. Fico triste porque eu sinto muito a falta dele principalmente para dividir as conquistas”, assume.

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